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Latino-americanas prometem continuar luta pelo direito ao aborto em 2023

83% das mulheres em idade reprodutiva da região vive em países com algum tipo de legislação restritiva ao aborto

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Angelina de los Santos
20 Janeiro 2023, 12.00
Mulheres comemoram depois que o Tribunal Constitucional votou pela descriminalização do aborto na Colômbia
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REUTERS/Luisa Gonzalez/Alamy Stock Photo

No ano passado, enquanto os conservadores dos EUA levaram a Suprema Corte a remover a proteção constitucional ao aborto, as feministas da América Latina e do Caribe impulsionaram vários governos na direção oposta.

Mas o poderoso movimento por trás dessa mudança progressiva enfrenta desafios difíceis em 2023, incluindo a salvaguarda de direitos duramente conquistados e a superação da disparidade das políticas de aborto entre diferentes países.

As feministas defendem direitos que “estão sendo permanentemente contestados”, disse Giselle Carino ao openDemocracy. Carino, argentina residente em Nova York, é CEO da Fòs Feminista, uma aliança internacional de grupos de direitos sexuais e reprodutivos.

“A chave é apoiar os movimentos feministas, que estão sempre na vanguarda da luta e serão os que sustentarão as mudanças alcançadas”, explicou.

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Direito ao aborto conquistado...

O aborto foi legalizado na Argentina em 2020 — uma vitória da Onda Verde, movimento pelo aborto nascido no país dois anos antes. O movimento (nomeado pelas bandanas verdes usadas pelas ativistas do aborto) é agora um fenômeno de massa que infundiu nova energia nos movimentos feministas em todo o mundo – particularmente na América Latina.

Seguindo os passos do sucesso da Argentina, nos últimos dois anos, ativistas pelo aborto no México conseguiram que oito estados reconhecessem o direito legal de mulheres e meninas de exercer sua capacidade de escolher se querem ou não ter filhos.

Três dessas vitórias ocorreram em 2022. Hoje, um total de dez dos 32 estados do país permitem o aborto, geralmente até 12 ou 14 semana. As ativistas também conquistaram uma decisão histórica em 2021, quando a Suprema Corte declarou a criminalização do aborto como inconstitucional.

“O futuro que esperamos é que nossa luta continue avançando legal e socialmente”, disse Fanny González, fundadora do Aborto Legal México, ao openDemocracy.

Na Colômbia, defensores do aborto apoiaram a decisão da Corte Constitucional em fevereiro que descriminalizou o aborto até 24 semanas. Causa Justa, um movimento de mais de cem grupos e milhares de ativistas de todo o país, apresentou argumentos baseados em evidências ao tribunal e ajudou a mudar o status legal e social do aborto no país.

Em novembro de 2022, em Porto Rico, ativistas pelos direitos ao aborto levaram o Congresso a rejeitar quatro projetos de lei destinados a restringir o acesso ao aborto e punir aqueles que tiveram interrupções.

… mas as proibições e restrições permanecem

No entanto, nem tudo foi vitória para as feministas na América Latina e no Caribe.

As ativistas do aborto ainda precisam mudar os sistemas opressores que continuam a ver as mulheres como incapazes de tomar decisões sobre seus corpos. Cerca de 83% das mulheres latino-americanas e caribenhas em idade reprodutiva vivem em países com algum tipo de legislação restritiva ao aborto.

Na República Dominicana, El Salvador, Haiti, Honduras, Jamaica, Nicarágua e Suriname, o aborto é totalmente proibido. Em El Salvador, as mulheres podem pegar até 50 anos de prisão por abortarem ou darem à luz a um bebê natimorto. Em Honduras, todos os dias, três meninas com menos de 14 anos se tornam mães como resultado de um estupro. O direito ao aborto nesses casos também é ilegal.

Mas, como explica Indiana Jiménez, diretora de comunicação da ONG dominicana Profamilia, que oferece serviços sexuais e reprodutivos, em muitos desses países o direito ao aborto “não é necessariamente a principal prioridade para as mulheres”. Elas têm que lidar com problemas diários de “acesso à água, comida, trabalho e violência doméstica brutal dentro de suas famílias”, disse ao openDemocracy.

Nessas circunstâncias, afirma, o que “vem primeiro e abrange tudo é o ensino de educação sexual integral”.

Em Belize, Bolívia, Brasil, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, Trinidad e Tobago e Venezuela, o aborto é permitido em circunstâncias limitadas – mais comumente quando a saúde ou a vida da mulher está em risco.

A Argentina está entre os países que devem resistir e salvaguardar seus direitos duramente conquistados

“Gravidezes indesejadas contribuem para o abandono escolar, abuso doméstico, abuso financeiro e abuso emocional perpetrado por homens e familiares”, afirma Chanelle Beatrice, uma feminista de Trinidad e Tobago que faz parte da Feminitt Caribbean, uma ONG dedicada ao avanço da justiça de gênero no Caribe.

“A inacessibilidade do aborto legal também contribui para a infertilidade, desemprego, abuso infantil, doenças mentais e morte”, acrescenta.

Leis não são suficientes

Mesmo em países que adotaram uma legislação sexual e reprodutiva mais progressista na última década, as ativistas feministas precisam permanecer vigilantes sobre a proteção da autonomia corporal e da igualdade de gênero. As políticas não são suficientes para garantir a aceitabilidade, o acesso e a qualidade da atenção ao abortamento.

A Argentina está entre os países que devem resistir e salvaguardar seus direitos duramente conquistados. Após décadas de luta, as feministas conseguiram legalizar o aborto até a 14ª semana, em dezembro de 2020.

Foi uma grande vitória na época. Mas agora, à luz das novas regras mais progressistas da Colômbia, o prazo de 14 semanas da Argentina parece muito curto. E dois anos depois, a implementação de sua lei de aborto provou ser desigual, variando muito entre contextos sociais, culturais, econômicos e até mesmo geográficos.

“Sabemos que mesmo que às vezes ganhemos… o principal desafio que temos e continuaremos tendo na Argentina e no resto dos países do mundo é sustentar o progresso que fizemos com as políticas públicas”, diz Carino da Fós Feminista.

Ana Cristina González, médica, ativista feminista e porta-voz da Causa Justa, da Colômbia, concorda. “Precisamos criar um ambiente de legitimidade para as decisões das mulheres… o futuro possível [para a luta contra o aborto] é sustentar essa decisão, fazer com que ela se enraíze cada vez mais entre as pessoas nos serviços de saúde e entre os cidadãos”, disse ao openDemocracy.

“Estamos diante de uma grande batalha cultural. Temos que mostrar, de forma sensata, as razões [do aborto] e abrir um debate. As pessoas podem mudar de opinião”, acrescentou.

Defensoras dos direitos sexuais e reprodutivos no Uruguai – o primeiro país sul-americano a legalizar o aborto (até 12 semanas), em 2012 – destacam a importância de salvaguardar os direitos das mulheres.

Na última década, elas monitoraram a implementação da lei e denunciaram as barreiras ao acesso ao aborto. Como explicaram recentemente, o acesso é um problema particular nas áreas rurais, onde os centros de saúde são poucos e distantes e o pessoal médico se recusa a realizar abortos por objeção de consciência.

A qualidade do atendimento também varia, e as informações e avaliações são inadequadas, afirmam as ativistas.

Em 2020, o Uruguai elegeu seu primeiro governo conservador em 15 anos. Logo após assumir o cargo, o presidente Luis Lacalle Pou disse que o governo tem uma “agenda pró-vida”. Desde então, “resistir tornou-se um ato heróico” para as ativistas do aborto, segundo Lilián Abracinskas, fundadora da organização feminista Mulheres e Saúde no Uruguai.

As pessoas no governo “relativizam o conceito de direitos humanos, de violência de gênero [e consideram] as feministas e a diversidade sexual como agentes externos desestabilizadores influenciados por forças estrangeiras”, argumenta Abracinskas.

“Estamos resistindo em condições absolutamente adversas e fora do radar de organizações e interesses regionais e internacionais”, enfatiza.

Muito, muito rapidamente?

No início de 2022, quando a Colômbia descriminalizava o aborto, o Chile elaborava uma nova constituição que consagrava os direitos sexuais e reprodutivos, incluindo o direito ao aborto, como fundamentais e garantidos pelo Estado.

Mas em um referendo nacional em setembro, o país rejeitou a nova constituição. A decisão significa que a lei de 2017, que permite o aborto apenas em casos de estupro, inviabilidade fetal ou risco de vida para a mulher, continua em vigor.

Enquanto isso, a dramática eleição de outubro no Brasil colocou o líder de extrema-direita Jair Bolsonaro contra o ex-presidente esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, durante sua campanha, Lula destacou sua postura antiaborto. Ele venceu e foi empossado como presidente em 1º de janeiro.

“O maior desafio para os movimentos feministas é unir forças e ter uma estratégia clara para evitar uma reversão do progresso alcançado em nossos países”, diz Ana María Kudelka Zalles, diretora da ONG feminista Católicas pelo Direito de Decidir Bolívia .

“Mas também precisamos conquistar e cativar por meio de ações de comunicação muito mais inovadoras e que realmente alcancem toda a população.”

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