50.50: Feature

As eleições no Brasil contam com um número recorde de candidatas negras. Quais são suas chances de vitória?

As eleições de outubro contam com o maior número já registrado de candidatas negras. Mas os partidos políticos nem sempre as apoiam

Macarena Aguilar
Bruna Pereira Macarena Aguilar
6 Outubro 2022, 4.01
Juliana Mittelbach é candidata à Assembleia Legislativa do Paraná. Se vencer em outubro, ela será a primeira mulher negra a ocupar o cargo de deputada no estado
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Comitê de campanha de Mittelbach

Juliana Mittelbach, uma enfermeira de 40 anos da cidade de Curitiba, Brasil, há muito considerava lançar-se à carreira política. Com a crise de COVID-19, ela finalmente tomou a decisão de se candidatar. Trabalhando em um hospital, Juliana notou que eram “principalmente pessoas negras” que morriam. “Eram elas que chegavam ao hospital nas piores condições ou quando já era tarde demais”, disse Mittelbach ao openDemocracy.

Como trabalhadora da saúde, Mittelbach se deu conta de que as políticas do governo de direita do Brasil afetavam severamente sua comunidade. “Foi um apelo à ação que me levou a lançar minha candidatura”, diz.

Ela está concorrendo à Assembleia Legislativa do Paraná, na região Sul, como candidata do Partido dos Trabalhadores. Se vencer, será a primeira parlamentar negra de seu estado.

Mittelbach é uma das 4.829 mulheres que se identificam como negras (pretas e pardas) e que concorrem às eleições gerais do próximo mês (de um total de 26.778 candidatas). Esse é um número recorde, um aumento de quase 27% em relação às eleições de 2018.

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As mulheres são 51% da população brasileira, mas representam apenas 34% das candidaturas deste ano. As mulheres negras, por sua vez, são 28% da população brasileira, mas apenas 18% das candidaturas.

O aumento do número de candidaturas deve-se em grande medida ao movimento de mulheres negras, que não apenas defende sua maior representação política, mas também fornece apoio, orientação e treinamento a candidatas, diz Roberta Eugenio, codiretora do Instituto Alziras, que capacita mulheres negras para o lançamento de candidaturas.

Nos meus 22 segundos de propaganda de rádio e televisão, mal consigo apresentar meu programa, muito menos falar sobre questões de gênero, raça e classe

Juliana Mittelbach, candidata

As cotas obrigatórias, segundo as quais pelo menos 30% das candidaturas de cada partido devem ser de mulheres, ajudaram. No entanto, Eugenio adverte que simplesmente lançar candidatas não é suficiente: os partidos políticos precisam investir na sua formação e visibilidade. Até agora, “não vimos o tipo de investimento proporcional em mulheres negras que pode tornar suas candidaturas realmente competitivas”, diz ela.

Campanhas políticas são caras e as mulheres negras geralmente vêm dos segmentos mais pobres, o que as coloca em desvantagem desde o início. “O financiamento que recebo do partido é baixo e dificulta a minha organização e participação em eventos”, disse Mittelbach. “E, nos meus 22 segundos de rádio e televisão, mal posso apresentar meu programa, muito menos falar sobre questões de gênero, raça e classe”.

O Brasil é um país diverso, mas a política institucional não reflete a sua população. Dados do governo mostram que pessoas negras representam quase 55% da população, mas menos de um quarto da Câmara dos Deputados é negra e apenas cerca de 15% são mulheres.

Desde 2020, os partidos políticos são obrigados por lei a distribuir o fundo eleitoral e o tempo de rádio e televisão de forma proporcional para as campanhas eleitorais por gênero e raça: um partido com certa porcentagem de candidaturas negras deve garantir que candidatas/os negras/os recebam essa mesma porcentagem de financiamento e tempo de rádio e televisão. Mas apenas alguns partidos cumpriram as regras nas eleições municipais de 2020, quando as/os eleitoras/es escolheram prefeitas/os e vereadoras/es em mais de 5.000 cidades em todo o país, e uma anistia foi concedida aos que as transgrediram.

Na prática, os partidos investem em personalidades políticas experientes, que são desproporcionalmente homens brancos. A lei não traz nenhuma disposição especial em relação às mulheres negras, e Eugenio argumenta que isso torna os partidos políticos cúmplices na “manutenção das desigualdades, ignorando a interseccionalidade e marginalizando as mulheres negras em termos de representação política”.

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A travesti negra Robeyoncé Lima é candidata a deputada federal por Pernambuco

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Comitê de campanha de Lima

Robeyoncé Lima, uma travesti negra que concorre ao Congresso pelo estado de Pernambuco, no Nordeste, sabe como é difícil vencer os obstáculos. Esta é sua segunda campanha eleitoral como candidata pelo PSOL. A candidata está convencida de que muitas mulheres como ela se afastam da política por medo da violência. “Somos visíveis e lutamos por espaços de poder, o que incomoda muita gente da velha política”, diz Lima.

Os partidos políticos que lançam candidatas negras e LGBTQI+ devem investir em sua segurança física e emocional tanto durante a campanha quanto durante o exercício do mandato, acrescenta. “Para fazer política, temos que estar vivas”, disse Lima ao openDemocracy.

Neste ano, a lei também foi alterada para conferir aos partidos uma maior parcela do fundo eleitoral nas próximas eleições, com base no número de votos recebidos por suas/seus candidatas/os negras/os e mulheres.

Lima integra uma rede informal de apoio com outras mulheres trans e travestis. Contudo, a proteção que essa rede pode proporcinar é limitada. “Precisamos do apoio dos partidos políticos e da sociedade como um todo”, diz.

Mittelbach também conta com uma equipe de voluntárias/os que ajudam na captação de recursos, logística e comunicação. Organizações não governamentais como o Instituto Marielle Franco e o Mulheres Negras Decidem ajudaram a idealizar e lançar sua campanha.

Mas, na maioria das vezes, as campanhas das mulheres negras são feitas com pouco dinheiro e recursos limitados. Em 2022, elas recorrem às campanhas de financiamento coletivo, principalmente de comunidades negras pobres. Além disso, as candidatas negras recorrem às mídias sociais para compensar seu acesso e exposição limitados na mídia convencional. A campanha de Lima nas redes sociais, por exemplo, aposta principalmente no Instagram – e se tornou uma das dez mais influentes das eleições deste ano.

“Existem barreiras, mas nada é impossível”, diz Lima.

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