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Como um músico de hip-hop e o seu clube de leitura ameaçam o regime Angolano

Esta semana 17 ativistas foram condenados a sentenças de prisão efetiva por terem participado na discussão dum livro. Este artigo explica o porquê. English

Phil Wilmot
1 Abril 2016
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Luaty Beirão, também conhecido como Ikonoklasta. Crédito: Facebook / Luaty Beirão

Na segunda-feira, 17 ativistas angolanos foram condenados a sentenças de prisão efetiva que variam desde os dois aos oito anos e meio por terem participado na discussão do livro de Gene Sharp, “From Dictatorship to Democracy”. Longe de ser um acto de dissensão isolado, esta discussão supõe uma escalada num longo conflito entre o segundo presidente mais longevo em África e os jovens angolanos, que perseguem um futuro mais esperançoso e democrático.

O conflito começou no dia 26 de novembro de 2003, quando um lavador de carros na capital de Angola, Luanda, foi apanhado a cantar uma canção reivindicativa, cujo autor é o rapper MCK. A Guarda Presidencial deteve o jovem, Arsénio Sebastião. Amarraram-no e arrastaram-no para a água, no embarcadouro do Mussulo, em Luanda. Afogaram-no, ignorando os pedidos de clemência da multidão que passava pela zona.

Pese a que os guardas presidenciais têm tentado cultivar um clima de medo entre a população angolana, conseguiram o oposto. O martírio de Sebastião, claramente uma execução pública e sumária, continua a alimentar as chamas do descontentamento entre os Angolanos.

O DIY hip-hop constrói um movimento descentralizado

Na altura em que Sebastião foi executado, o artista MCK era ainda um estudante universitário. Outros rappers como o Brigadeiro 10 Pacotes e Dionísio Casimiro nunca seriam transmitidos na Rádio Nacional de Angola. Foram forçados a desenvolver os seus próprios métodos para distribuir a sua arte.

A auto-pirataria tornou-se numa forma popular para fazer circular músicas reivindicativas, rapidamente ganhando popularidade numa nação anteriormente afetada pela guerra de guerrilhas, as terríveis consequências do colapso do comunismo e a colonização Portuguesa.

“Pelos vistos é verdade o que se diz: o fruto proibido é o mais apetecido”, segundo disse Luaty Beirão, também conhecido pelo nome artístico de Ikonoclasta, ao Okay Africa em 2012. “Atualmente deparamo-nos com o facto ridículo de que artistas desconhecidos vendem mais álbuns no dia de lançamento que os artistas pop, que são promovidos até a exaustão em público e em privado, alguma vez venderão.”

Apesar dos esforços do Estado para retirar os apoios e subsídios aos artistas hip-hop, eles continuam a usar a internet, CD´s em branco, pen drives, vendedores ilegais e vendedores de rua para distribuir as suas músicas. Espaços tais como a “Universidade do Hip-Hop” nos subúrbios de Luanda e ONG´s locais, tais como a Omunga, tem vindo a ser estabelecidas nos últimos anos para ativar a consciência de juventude angolana através deste desafiante gênero musical.

Luaty Beirão não se apercebeu do poder da sua própria arte até ser preso em março de 2011. Um polícia na estação sentou-se ao seu lado, recitando a letras duma das suas canções.

Greve de fome dos “Angola 15”

Beirão continuou a acumular detenções nos anos que se seguiram, incluindo a detenção que teve lugar no dia 20 de junho de 2015, quando se reuniu com outros jovens num club de leitura que ficaria conhecido como “Angola 15”. Entre os presentes encontravam-se Domingo da Cruz, autor do livro “Tools to Destroy a Dictator and Avoid a New Dictatorship” e Nito Alves, que tinha sido colocado na solitária quando tinha apenas 17 anos por vender t-shirts que descreviam José Eduardo dos Santos – cuja fortuna está estimada em 20 bilhões de dólares – como um repugnante ditador.

Para além de discutir a obra de Cruz, o club discutia também a obra de Gene Sharp, “From Dictatorship to Democracy”. Informados sobre a reunião, os agentes do governo apressaram-se a prender os ativistas.

No dia 15 de setembro, enquanto os motivos do seu encarceramento ainda estavam por esclarecer, os Angola 15 anunciaram que levariam a cabo uma greve de fome como forma de protesto contra a injustiça à que estavam a ser submetidos. A greve duraria duas semanas, após as quais grande parte dos ativistas voltou a comer. Luaty Beirao, o elemento mais reconhecido do grupo, continuou até ao dia 36. Um dia por cada ano no poder de José Eduardo dos Santos.

No dia 20 de outubro, 20 ativistas que levavam a cabo uma vigília na que pediam a libertação imediata dos Angola 15 foram, também eles, detidos. A ligação entre a consciência politica e o hip-hop tornou-se de tal maneira forte, que o diretor da Human Rights Foundation, Thor Halvorseen, escreveu a Nicki Minaj, pedindo-lhe que cancelasse o espetáculo que tinha programado oferecer à família Dos Santos. Podia ler-se num fragmento da carta: "Enquanto artista forte e independente, não devia estar a pedir a libertação do rapper Luaty Beirão em vez de entreter o ditador e sua família de ladrões?” Nicki Minaj, posteriormente ao concerto, publicou fotografias da sua estadia em Angola e o tempo passado com a família dos Santos nas redes sociais, elogiando Isabel dos Santos por ser a oitava mulher mais rica do mundo.

Reunião do club de leitura e condena por tentativa de golpe de estado

A prolongada detenção no entanto não demoveu o espirito dos Angola 15, tendo o seu número inclusive aumentado. O club de leitura reuniu-se uma vez mais, em Março, tendo como resultado outra serie de detenções. Esta vez os ativistas foram apresentados perante o tribunal no dia 28 de Março, tendo todos eles sido condenados a penas de prisão efetiva. 

Luaty Beirão foi condenado a uma pena de cinco anos e meio por rebelião contra o presidente, falsificação de documentos e associação de malfeitores. Domingos da Cruz recebeu a sentença mais longa – ao ser indicado como o líder do grupo – ao ser condenado a oito anos e meio de prisão por tentativa de golpe de estado.

Organizações da sociedade civil já realizaram declaraçoes nas quais criticaram duramente as condenas. Segundo o diretor da Amnistia Internacional na África do Sul, Deprose Muchena, “os ativistas foram erroneamente condenados num julgamento altamente politizado. Eles são vítimas dum governo determinado a intimidar qualquer pessoa que se atreva a questionar as suas políticas repressivas”.

O tribunal ditou também que cada ativista deve pagar mais de 300 dólares em taxas legais. Isto num pais onde 70% da população vive com menos de dois dólares por dia. Diversas ONG´s exigiram a rápida posta em liberdade dos prisioneiros de consciência.

Uma nova Angola

O regime movido pelo petróleo e diamantes de José Eduardo dos Santos não dispõe dos meios para limitar as críticas políticas que emergem do submundo do hip-hop. Pese a que Beirão e os seus alegados co-conspiradores se encontram atrás das grades, os seus vídeos musicais – que incluem imagens da guerra civil de Angola, e de outros mundialmente reconhecidos atos de desobediência civil tais como os dos monges que se imolaram no Vietnam, assim como o rebelde desconhecido em Tiananmen que se opôs aos tanques – continuam a circular livremente no YouTube.

Ao mesmo tempo, a mulher de Luaty Beirao, Mónica Almeida, publicou um vídeo no qual condena a decisão do tribunal. O seu bem-estar já não a preocupa, preguntando-se a si mesma: “que mais posso perder?"

A questão é válida também para os residentes de Angola. Depois dos seus recursos naturais terem sido explorados por Portugal no século XIX, e depois terem sido convertidos em bens pessoais da família no poder, os Angolanos, tanto jovens como velhos, preguntam-se se a mudança política é possível. Apesar de Dos Santos ter prometido abandonar o cargo em 2018, o mesmo quebrou promessas similares no passado.

Antes do julgamento, Beirão disse: “O que acontecerá será o que o presidente decida...Todos sabemos e entendemos como isto funciona...Se Dos Santos diz que somos culpados, então seremos declarados culpados. Estamos mentalmente preparados para ser condenados.”

Nito Alves e Nuno Dala encontram-se num estado físico debilitado, mas os seus espíritos continuam fortes. Talvez outra greve de fome – ou outra medida inovadora – seja o que os ativistas têm em mente. Entretanto, os livros de Gene Sharp e Domingos da Cruz esperam para ser lidos por una nova fornada de ativistas, prontos para assumir a luta dos líderes angolanos para um futuro mais brilhante e sobretudo mais democrático para Angola.

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