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Crise fiscal no Brasil: un conto de duas inflações

Sobreviver a um impeachment será uma tarefa hercúlea para Dilma Rousseff. Com a contração econômica e o crescimento dos gastos públicos, o déficit fiscal vai aumentar. Não há mais espaço para apostas. English.

João Ricardo Mendes Gonçalves Costa Filho
7 Janeiro 2016
São Paolo no 2003. Demotix/Giuseppe Bizarri. Some Rights reserved.

A situação econômica no Brasil está longe de satisfatória. Depois de lidar com a (hiper)inflação nos anos 90, redistribuição de renda nos anos 2000, a próxima barreira é voltar a crescer. E desta vez a sociedade não pode mais evitar as decisões difíceis para ter um futuro melhor. Sem nenhuma ação, a (longa) recessão econômica em curso vai se tornar rapidamente uma crise fiscal. A taxa de câmbio vai se depreciar mais (e rápido), as taxas de juros vão aumentar, os investidores não irão confiar no Brasil e as agências de risco vão rebaixar a nota da dívida soberana novamente. Há solução? Sim. Mas ela não é fácil.

Adiando decisões difíceis

Nos anos 80, a grande questão era fiscal. Após dois choques do petróleo, a gestão fiscal displicente encontrou um grande problema: não havia mais dinheiro para pagar a dívida. Resolver a situação com inflação era uma estratégia cobrando seu preço. A dívida externa, no entanto, só pode ser paga com moeda estrangeira para países que sofrem do “pecado original”. O Brasil estava entre eles.

Após resolver esses problemas, a hiperinflação dominou a agenda macroeconômica. Nós conseguimos vencer essa batalha com um misto de receitas ortodoxas e uma abordagem heterodoxa: aperto fiscal, abertura comercial (com uma âncora cambial) e duas moedas ao mesmo tempo. Uma “velha” carregando o peso da inflação e uma “nova” que eventualmente se tornaria o “Real”, ainda em uso.

Ao estabilizar a economia nós fomos capazes de atacar o próximo problema nos anos 2000: distribuição de renda. Diversos programas sociais foram criados ou melhorados e, vamos assumir, controlar a inflação é um dos maiores programas sociais, além de ser uma condição necessária para os demais. O Brasil cresceu baseado no aumento dos termos de troca, em uma China consumindo nossas commodities, em reformas microeconômicas iniciadas nos anos 90 que se estenderam até 2005 e outros fatores como a incorporação da capacidade ociosa no mercado de trabalho. Mais pessoas consumindo, a economia ganhou eficiência, tudo estava ótimo. E isso é parte do problema.

Em 1988, o Congresso definiu a nossa Constituição. Entre outras coisas, o objetivo era imitar de alguma forma o Estado de bem-estar social Europeu. Para fazer isso, mais de 90% dos gastos do governo são rígidos, isto é, qualquer mudança tem que ser discutida e decidida dentro do Congresso (tanto na Câmara Federal, quanto no Senado). E isso envolve investimento de capital político e geralmente mudanças em benefícios daqueles que votam em você. Os incentivos são desenhados de uma maneira que os políticos gostariam de evitar esse tipo de situação. E foi exatamente o que fizeram.

Quando um país está crescendo, por que se incomodar em discutir, por exemplo, o crescimento dos gastos com a Previdência em um país que ainda é “jovem”, embora esteja envelhecendo rapidamente? Apesar do nível dos gastos do governo, a taxa de crescimento é um o problema. Aliás, é o problema. De acordo com a constituição Brasileira, o crescimento de algumas despesas está pré-definido. Se o salário mínimo aumenta, os benefícios da previdência também. De acordo com a regra vigente, o aumento do salário mínimo é dado pela soma do crescimento real dos dois últimos anos, mais a inflação ao consumidor. Portanto, na ausência de crescimento real, a inflação ao consumidor acarretaria em aumento do salário mínimo, o que causaria a elevação de outros gastos.

Mas, se essa é uma dinâmica instaurada em 1988 e o Brasil conseguiu gerenciar seus problemas no Balanço de Pagamentos nos anos 1990, “apagões” em 2001, uma eleição tumultuada em 2002 e a crise financeira em 3008, porque a crise fiscal é eminente hoje, e não há cinco anos?

Por que agora?

Para entender o motive pelo qual uma crise fiscal vai atingir a frágil economia brasileira logo, deve-se ter em consideração a dinâmica de duas medidas de inflação distintas: inflação do consumidor e o deflator do PIB. O primeiro indexa os gastos do governo, ao passo que a segunda influencia as receitas..

O gráfico mostra a variação anual da inflação do consumidor (curva mais clara) e o deflator do PIB (curva escura). As áreas sombreadas representam períodos difíceis: a crise cambial do Brasil em 1999; os problemas no setor de energia em 2001; a eleição presidencial em 2002 e o primeiro e complicado ano do novo mandato em 2003; a recessão decorrente da crise financeira e, finalmente, a desaceleração corrente.

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Fonte: Dados do IPEA; elaboração do autor.

Excluindo a crise financeira, uma coisa é comum: anos problemáticos são acompanhados por uma “aproximação” entre as duas inflações. Quando o deflator do PIB sobe acima da inflação do consumidor, as receitas do governo crescem mais que as suas despesas, isto é, mesmo com a taxa de crescimento das despesas garantida pela constituição sendo um problema, ele não impõe nenhuma barreira porque há dinheiro suficiente para cobrir a despesa extra. Entretanto, quando a situação se inverte, o governo tem que se apoiar no crescimento real. Lembre que quase todas as receitas do governo são compostas por tributos, portanto a atividade econômica é decisiva. Ademais, o PIB nominal é de onde o dinheiro vem, não apenas do crescimento real.

De 2004 a 2008, os fatores supracitados sustentaram o crescimento. Em 2010, o Brasil parecia estar de volata ao jogo, com políticas econômicas contracíclicas (monetárias e fiscais) estimulando a economia e evitando uma recessão mais profunda. Porém, políticas econômicas não funcionam em todos os países a todo o momento. Esta é uma lição que nós já deveríamos ter aprendido. Ao invés de remover os estímulos quando a economia havia retomado o crescimento, mais foi feito. O crédito foi expandido via bancos comerciais e utilizando o maior banco de desenvolvimento público (BNDES). Desoneração para setores selecionados, aumento de tarifas de importação, depreciação cambial e redução agressiva da taxa de juros complementaram as políticas.

As políticas de demanda não tiveram sucesso. Por quê? Principalmente porque não havia falta de demanda agregada. A demanda era sólida. Aliás, acima do que as empresas nacionais poderiam atender, sendo compensada pelo crescimento das importações. Contudo, a infraestrutura ruim, a pesada carga tributária (uma consequência da má gestão pública com os crescentes gastos do governo), a falta de competição em alguns setores, a educação terrível e os baixos incentivos à inovação, dentre outros fatores, tornaram difícil aumentar a produção. O Brasil perdeu a capacidade de crescer.

Sem crescimento, a aproximação entre as duas inflações revelou uma dinâmica disfuncional: os gastos continuam aumentando, mas as receitas não necessariamente crescem na mesma velocidade. O superávit primário se tornou déficit primário, a dívida cresceu e uma agência de rating retirou o grau de investimento. Os investidores podem perder a confiança mesmo com taxas de juros altas. Aliás, durante a recessão, as taxas de juros tiveram que ser elevadas, atingindo 14,25% ao ano, enquanto o resto do mundo ainda tem taxas de juros perto de zero. Imagine quando outros países começarem a aumentar as suas próprias taxas de juros.

O prospecto de uma crise fiscal

Os técnicos no Ministério da Fazenda sabem que estamos avançando na direção de um precipício fiscal e tentaram evitar isso, sem sucesso, dada a crise política que emergiu no Brasil no primeiro mês do novo mandato presidencial. O ano passado se encerrou com déficit primário e este ano também irá, provavelmente. A china está desacelerando, os EUA já iniciaram o processo de aumento nas taxas de juros, a Europa ainda possui algumas surpresas (negativas) e a situação doméstica é feia. A recessão está se aprofundando tanto que algumas pessoas até “convidaram” o Mankiw para participar do debate:

 “There are repeated periods during which real GDP falls, the most dramatic instance being the early 1930s. Such periods are called recessions if they are mild and depressions if they are more severe.” (Mankiw, 2003).

O gráfico apresenta os números recentes de crescimento:

graph 2 - gdp growth_0.jpg

Fonte: Dados do IBGE; elaboração do autor.

Com a contração econômica e o crescimento dos gastos públicos, o déficit fiscal vai aumentar. As receitas têm surpreendido negativamente e provavelmente continuarão a surpreender nessa direção. A dívida crescente e a taxa de juros estratosférica podem minar a confiança e o ultrassensível mercado financeiro neste pós-crise de 2008 irá rapidamente temer os prognósticos brasileiros. A alta taxa de desemprego ficará ainda maior, a taxa de câmbio irá se depreciar ainda mais e os objetivos de política monetária dificilmente irão ser atingidos.

Como se tudo isso não fosse o bastante, sobreviver a um processo de impeachment em uma economia frágil (para dizer o mínimo) será uma tarefa hercúlea. Nós tivemos diversas oportunidades para fazer a lição de casa e desperdiçamos cada uma delas. Eu não estou mais confiante de que nós iremos tomar proveito da nossa sorte. Não há mais espaço para apostas.

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