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"Brasil, País do Futuro" é o título do clássico livro de 1941 de Stefan Zweig. Converteu-se em ditado popular: o Brasil é o país do futuro. Todo brasileiro escutou essa frase e era comum, até os anos 2000, a brincadeira de que esse futuro jamais chegaria.
Na última década, no entanto, esse futuro perecia ter chegado. O Brasil saiu do Mapa da Fome (FAO-ONU). Dentre os países mais populosos do mundo, teve a maior queda de subalimentados entre 2002 e 2014: 82,1%. Nesse mesmo período, o desemprego chegou a louváveis 4,9%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e o salário mínimo teve ganhos reais de 75%.
Os números dão concretude a algo que não era apenas um sentimento: houve importantes avanços sociais e substantiva distribuição de renda. Em 2003, o recém-eleito presidente Lula (PT) prometeu um “Brasil, país de todos”. Um líder hábil e carismático. Um mestre em disseminar otimismo, com dados para respaldá-lo.
O otimismo erodiu e vem dando lugar a uma percepção de inflexão nessa rota positiva. Estaríamos voltando para o passado? O futuro seria mesmo apenas uma promessa?
A eterioração do cenário político, econômico e social são assunto de qualquer roda de conversa. Manchetes dos jornais e mobilizam milhares a saírem às ruas, para defender ou questionar o governo com igual fúria. Os ânimos estão aflorados e a polarização faz com que ninguém saia impune de ser rotulado como esquerda ou direita, sempre pejorativamente, dependendo dos olhos de quem vê. Uma tentativa simplista de construir um culpado único, e agregar aliados contra essa ameaça.
Três poderes
É fundamental olharmos para os três poderes para compreender o momento atual da política brasileira.
Em Brasília, um Poder Executivo esgarçado é chefiado pela presidente Dilma Rousseff (PT), sucessora de Lula, que já está em seu segundo mandato. Dilma foi reeleita ao final de 2014 com 51,64%% dos votos válidos, contra os 48,36% do segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). Ao mesmo tempo, o PT - partido da presidente - tem sido alvo de sucessivos escândalos de corrupção e encontra dificuldade de seguir com seu projeto que dá sinais de esgotamento e demanda urgente revisão. A taxa de desaprovação do governo Dilma é de 65% e ela está à mercê de alianças questionáveis com a sua base aliada, em prol de uma suposta governabilidade.
No Legislativo, foi conduzido à presidência da Câmara dos Deputados o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cunha emergiu desse ambiente de incerteza como um grande líder conservador numa guerra declarada contra o governo.
Este mesmo Legislativo está imerso em incontáveis casos de corrupção envolvendo os presidentes e parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado. Uma maioria de deputados conservadores trava uma batalha diária contra direitos adquiridos desde a Constituição Federal de 1988, alicerce da redemocratização: a maioridade penal pode diminuir e estão em risco, por exemplo, o estatuto do desarmamento, o direito ao aborto legal e seguro para casos de estupro e leis que garantem direitos indígenas.
Um dos efeitos deste cenário é uma presidente acuada por ameaças de impeachment capitaneadas por Cunha e pelos partidos de oposição sob alegação de violação de leis de responsabilidade fiscal. O PMDB, partido de Cunha, é, diga-se de passagem, o partido do vice-presidente da República e, teoricamente, aliado ao governo.
Já o poder Judiciário, tem sido acessado com frequência para arbitrar nesse momento de incertezas. Age com relativa celeridade, mas aquece o debate sobre a excessiva judicialização da política. É visto como bandido ou mocinho dependendo de como delibera e do grupo que o avalia.
Tudo isso acontece em meio a uma operação da Polícia Federal, batizada de Lava-Jato, que busca esclarecer e punir os responsáveis por um esquema de corrupção envolvendo os principais atores políticos e interesses econômicos do país. É a maior investigação sobre corrupção conduzida até hoje, envolvendo políticos de vários partidos e as maiores empreiteiras do país.
Participação, inovação, futuro
Em meio ao aparente caos, há, contudo, a chance de retomar a crença na democracia, ressignificar as práticas de participação e aprofundá-las. A inovação cívica parece ganhar fôlego à medida que as relações no âmbito do Estado corroem-se. A sociedade civil brasileira segue vibrante e crê na democracia. Por um lado, demanda uma urgente reforma política e zela pelas instituições republicanas, por outro, busca fortalecer, em suas muitas lutas, a democracia como valor de vida em sociedade.
Lembremos que milhões de brasileiros foram às ruas em junho de 2013. Dentre as várias bandeiras, a do “não me representa” emergiu como consenso. Um recado claro ao Estado de que há um hiato grande demais entre representantes e representados.
É inadiável uma reforma política ampla e profunda. Mas é preciso mais e a sociedade brasileira sabe disso. É preciso olhar além do Estado e das instituições e revigorar a crença na democracia como valor da convivência em sociedade.
É dessa percepção que nascem, no Brasil de hoje, articulações independentes, autônomas, que tomam as ruas e as redes e reanimam paixões políticas em meio à imobilidade que o caos poderia impor. Duas mobilizações recentes são dignas de nota: a resistência das mulheres brasileiras e a insurgência dos estudantes secundaristas do sistema público do Estado de São Paulo.
As mulheres brasileiras marcharam nas ruas pedindo nenhum direito a menos e muitos a mais. Tomaram os meios de comunicação e ocuparam por uma semana os espaços de fala garantidos aos homens com vozes femininas e feministas para falar do machismo e da desigualdade de gênero. Dominaram as redes numa catarse digital, uma marcha de hashtags contra a cultura do assédio e da violência contra a mulher. O ano de 2015 foi o da primavera feminista no Brasil. As lutas feministas por um "novo normal" no que tange às relações entre os indivíduos são exemplo dessa sociedade civil sintonizada na necessidade de cuidados redobrados com uma democracia que seja percebida de maneira total.
Os estudantes secundaristas do sistema público de ensino do Estado de São Paulo se articularam igualmente de maneira inédita contra o projeto de reorganização das políticas para educação do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e o processo autoritário de sua formulação e execução, atitude recorrente desse governo estadual. Milhares de alunos ocuparam por um mês aproximadamente 200 escolas públicas espalhadas e conseguiram a suspensão do projeto de reorganização. Estes jovens envolveram pais, professores, comunidades, intelectuais e artistas numa mobilização contra o fechamento de escolas e pela democracia, tanto no âmbito da tomada de decisão estatal quanto nas relações estabelecidas entre cidadãos nas salas de aula e nas ruas.
Na política, não existem vitórias definitivas, mas há conquistas que pedem celebração. O que fizeram mulheres e estudantes em 2015 deve ser observado com atenção. A saída para a crise está em articulações inovadoras que reúnam a sociedade civil em redes progressistas. A potência dessas redes está na sua diversidade e na forma como potencializa o ativismo atomizado e individual, os movimentos e as organizações.
Defender o Estado democrático de direito é necessário. As instituições devem ser preservadas, a reforma política é imprescindível, mas é igualmente urgente se reunir e pensar a democracia enquanto valor que pauta a convivência em sociedade.
Queremos um país verdadeiramente democrático e democracia é mais que um regime. Queremos a democracia exercitada diariamente dentro e fora das instituições. Mulheres e jovens estão indicando um caminho. Políticos devem escutá-los.
Aí sim, o futuro será presente.
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