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#EleiçõesArgentina: Elites políticas e polarização

As próximas eleições presidenciais em outubro representam uma batalha que tenta quebrar um molde que já é bem conhecido na Argentina. Español

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17 Julho 2019, 12.01
Cristina Fernández de Kirchner com seu marido e ex-presidente Nestor Kirchner.
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Wikimedia Commons

Nos anos 70, a Argentina tinha uma das taxas de pobreza mais baixas da América Latina. No entanto, o cenário hoje é bem diferente. Um país de promessas sofre uma crise socioeconômica interminável causada por uma década de regime militar ditatorial e anos de má administração da economia e da imensa riqueza de suas terras e povos.

Hoje, 34% dos argentinos vivem abaixo da linha da pobreza, e estima-se que a inflação anual seja de 57%, segundo um relatório do Instituto Nacional de Estatística e Censo, que sob o governo Macri tenta recuperar sua credibilidade depois anos de manipulação e silêncio.

Depois de 12 anos de governos kirchneristas e 4 de Macri, parece que os argentinos querem uma mudança. Os anos de protecionismo econômico sob os Kirchner fecharam a economia argentina para o mundo com uma tentativa de aumentar a produção doméstica que não teve o efeito esperado. Para tentar corrigi-lo, Macri entrou na presidência em 2015 com a ideia de reabertura, o que, no entanto, não pôs fim à crise econômica e social do país.

O quê acontece que a economia argentina não se recupera?

As próximas eleições presidenciais em outubro representam uma batalha que busca quebrar um molde que já é bem conhecido na Argentina: as diferentes forças "peronistas", um termo usado para se referir ao governo mais ou menos progressista de Juan Perón, contra uma alternativa mais conservadora, que também afirma estar perto do peronismo de uma maneira mais sutil.

A família Kirchner tem muitos laços com a política e continua acreditando que pode determinar resultados de importantes processos democráticos

Nenhum presidente abertamente não peronista foi reeleito no país desde o retorno da democracia em 1983, embora Macri pudesse ser o primeiro, o que justifica a sua aproximação desse campo político transversal. Por isso, apresentamos alguns dados sobre as próximas eleições na Argentina para entender o que pode acontecer.

As elites políticas de sempre, mas menos polarização

A polarização política caracteriza o sistema político na Argentina há décadas, e poucos realmente conseguiram desafiar as elites, que mantém suas posições fraturadas no poder.

A decisão de Cristina Fernández de Kirchner de eleger Alberto Fernández como líder da fórmula presidencial peronista, depois de optar por não concorrer à eleição como candidata principal, indica que uma virada para o centro poderia ser possível. Mas ela permanece como vice-presidente, apresentando-se como garantia do progressismo kirchnerista que, apesar de todos os seus fracassos, mantém forte apoio popular.

O candidato Fernández ganhou notoriedade como ministro no governo de Cristina Kirchner ao se opor a alguns dos projetos mais polêmicos, como a politização do judiciário e o controle da liberdade de imprensa. Muitos acreditam que ele será uma força moderada que equilibrará a posição, sempre altamente ideológica e populista, de Cristina Kirchner.

A fórmula de Macri também surpreende, com a eleição do senador Miguel Ángel Pichetto como seu candidato à vice-presidência. Pichetto tem uma longa história com o peronismo e liderou a aprovação de muitas leis importantes durante o governo de Néstor Kirchner. No entanto, depois de uma disputa eleitoral em que ele perdeu a eleição para governador de Rio Negro para um candidato considerado mais próximo do presidente, Fernández se distanciou do partido e formou seu próprio bloco no Senado, de viés mais centrista.

O plano de governo de Fernández se propõe a eliminar o IVA sobre produtos alimentícios básicos e declarar uma emergência nutricional para tratar imediatamente da pobreza alimentar

A eleição dos candidatos, portanto, indica que a batalha está ocorrendo agora no campo transversal do peronismo e que a polarização na Argentina poderia ser reduzida com essas eleições. Parece também que não há candidatura que venha de fora dos círculos das elites políticas mais poderosas do país, como foi o caso recentemente no Brasil e nos EUA.

A família Kirchner tem muitos laços com a política e continua acreditando que pode determinar os resultados de importantes processos democráticos. Mas Pichetto também tem uma trajetória política tradicionalista, e Alberto Fernández começou a trabalhar na política pouco depois de se formar na Universidade de Buenos Aires em 1989. Não há, portanto, nenhum outsider.

O que estão dizendo os candidatos

A campanha de Macri enfatiza o fato de que, durante sua presidência, as obras públicas melhoraram e a infraestrutura do país ajudou a criar "uma nova realidade" na Argentina. Também enfatiza o sucesso de seus acordos no exterior com o Mercosul e a União Europeia, que fortaleceram a posição internacional do país, bastante enfraquecida pelo padrão anterior do kirchnerismo.

Por outro lado, Fernández declara ser um "tipo comum", que pode oferecer uma política conciliatória em um país devastado pela polarização política e econômica. "Vou ordenar o caos que estão deixando, temos a força para fazê-lo", disse ele durante uma entrevista recente. Junto com Cristina, que tentará ficar em segundo plano, embora seja difícil consegui-lo, vai chamar a atenção para o estado da economia doméstica, que não melhorou desde que Macri chegou ao poder. Em vez de reduzir o enorme déficit herdado do governo anterior, Macri deixou o país ainda mais endividado. Além disso, eles afirmam que a política externa da Macri é muito próxima dos EUA, seguindo os ditames do FMI.

O plano de governo de Fernández se propõe a eliminar o IVA sobre produtos alimentícios básicos e declarar uma emergência nutricional para tratar imediatamente da pobreza alimentar. Também inclui um plano de crédito para famílias de classe média, para que possam sair da dívida. Em qualquer caso, a batalha da dívida em um país imensamente rico soma contradições de ambos os lados que não oferecem soluções claras. Ambos fogem das políticas impopulares, que seriam necessárias para uma verdadeira contenção do déficit.

O primeiro turno das eleições presidenciais acontecerá em outubro, mas se, como é provável, nenhum candidato conseguir 45% dos votos, ou 40% com 10 pontos de diferença com o segundo candidato, haverá um segundo turno em novembro.

Parece que estas eleições serão travadas no campo do peronismo e de algum modo desafiarão a polarização política que determinou a política argentina durante o último século. Mas, mesmo nesse caso, quem vencer, será a mesma elite de sempre que se perpetua no poder. Podemos esperar mudanças, se todos são peronistas? Talvez não tanto.

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