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A Bíblia retorna ao governo da Bolívia com Jeanine Áñez

O que sabemos sobre Jeanine Áñez, uma política cristã da oposição boliviana que diz querer renovar o sistema político do país? Español English

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25 Novembro 2019, 12.01
Jeanine Áñez depois de se proclamar presidente interina da Bolívia com uma Bíblia na mão.
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Até há um pouco mais de uma semana, Evo Morales era o líder latino-americano que permaneceu no poder por mais tempo nas últimas décadas. Agora, sob pressão do exército e da polícia boliviana, ele foi forçado a renunciar. Temendo por sua vida, disse que decidiu se exilar do país e se refugiar no México. Foi substituído pela presidente interina Jeanine Áñez, uma política cristã de oposição que, com a Bíblia na mão, diz querer renovar o sistema político da Bolívia.

Tudo aconteceu muito rapidamente. Em 26 de outubro, após a declaração do Supremo Tribunal de Justiça da Bolívia que anunciou a vitória de Morales nas últimas eleições presidenciais, protestos eclodiram a favor e contra o ex-presidente da Bolívia. Suspeitas de fraude foram confirmadas por uma auditoria internacional da OEA, que indicou a existência de “graves irregularidades” durante as eleições.

Desde que chegou ao poder em janeiro de 2006, Morales, que se preparava para servir o quarto mandato como o primeiro presidente indígena da América Latina, tornou-se um símbolo transnacional da luta indígena contra o neoliberalismo, o racismo e o extrativismo na região.

Durante sua presidência, ele conseguiu integrar setores indígenas e camponeses na vida política e resistiu à política americana de erradicar as plantações de coca, defendendo seu uso medicinal tradicional pelas comunidades indígenas bolivianas.

No entanto, acabou abrindo as portas para a indústria extrativa e, ao mesmo tempo, enfraqueceu os mecanismos que garantiam a democracia no país para estender seu mandato presidencial. Morales desafiou a Constituição da Bolívia ao concorrer a um terceiro mandato e convocou um referendo para obter autorização para concorrer uma quarta vez. Quando a maioria da população votou contra sua candidatura através do referendo, Morales fez uma manobra perante os tribunais para ignorar o veredicto popular.

Consequentemente, vários setores sociais se uniram na Bolívia para comemorar a renúncia de Morales, enquanto outros se uniram em sua defesa.

O que sabemos sobre Jeanine Áñez

Jeanine Áñez, a nova presidente interina da Bolívia, substitui Morales em uma Bolívia extremamente dividida. Aqueles que acreditam que a renúncia de Morales foi um golpe de estado pensam que os conservadores expulsaram o líder indígena para impor sua agenda de direita e neoliberal no país. Mas, após a mudança abrupta no domo do poder, a maioria dos bolivianos acreditam que Áñez trará a democracia de volta ao país sul-americano, vendo-a como única esperança de realizar a necessária repetição das eleições, agora de maneira justa, livre e transparente.

"Sonho com uma Bolívia livre de ritos satânicos indígenas, a cidade não é para os índios, que voltem para as montanhas!! - a nova presidente teria declarado em um antigo tuíte.

Jeanine Áñez

Figura política desconhecida até a semana passada, a ex-vice-presidente do Senado boliviano se declarou presidente interina em uma sessão plenária boicotada pelo partido de Morales, o MAS (Movimento para o Socialismo).

Áñez já gerou polêmica sobre suas crenças, que defendem um estado cristão e ultra-conservador. Desde sua primeira aparição no palácio presidencial, ela deixou claro para o mundo que seguiria um caminho muito diferente daquele de seu antecessor.

Áñez aparece em um vídeo entrando na Casa do Governo com uma Bíblia nas mãos, declarando "graças a Deus, a Bíblia retorna ao Palácio", enquanto um grupo de apoiadores grita "a Bíblia retorna ao Palácio!". Áñez, que pertence à coalizão Plano Progresso Bolívia - Convergência Nacional" (PPB-CN), um grupo de direita e partido de oposição, também gerou polêmica sobre comentários racistas feitos em sua conta no Twitter.

“Sonho com uma Bolívia livre de ritos satânicos indígenas, a cidade não é para os índios, que voltem para as montanhas!!”, supostamente escreveu em um Tweet em 2013. Suas atitudes em relação às comunidades indígenas, que segundo a CEPAL são 62,2 % da população boliviana, são preocupantes: podem representar um revés significativo nos direitos dos povos indígenas, exemplificado em um possível fim ao uso fortemente simbólico da Wiphala (bandeira indígena representando o povo aimará) reconhecida pela Constituição de 2008 como uma bandeira da Bolivia.

O que pode acontecer?

Ainda há muita incerteza sobre o que pode acontecer na Bolívia. Embora Áñez tenha acabado de enviar ao Parlamento a convocação de novas eleições, não fez menção a eleições justas e livres, mas a eleições que "realmente reflitam" a vontade política do povo boliviano.

Também aprovou um decreto que garante impunidade às forças armadas em seu trabalho de reprimir protestos, o que representa uma ameaça direta e sem precedentes para seus oponentes.

Áñez fez uma declaração pública dizendo que o Tribunal Eleitoral poderia decidir no próximo mês se deveria ou não proibir a participação do partido MAS nas novas eleições

Isso poderia ser um aviso antecipado de suas intenções de expulsar do sistema eleitoral todos aqueles que discordam da agenda política da nova presidente e de seu partido.

Efetivamente, já fez uma declaração pública dizendo que o Tribunal Eleitoral poderia decidir no próximo mês se deve ou não proibir a participação do partido MAS nas novas eleições, sugerindo que há uma possibilidade preocupante de censura eleitoral, especialmente porque o MAS continua sendo o partido de maioria no Senado.

Além disso, não podemos esperar que Áñez e seu “governo de transição” renovem imediatamente as instituições políticas e eleitorais que, segundo a Freedom House possuem um alto índice de corrupção. Consequentemente, as próximas eleições também podem apresentar irregularidades. Seria como substituir um presidente supostamente ilegítimo por outro com status igual.

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