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#JulianAssange: democratizando a verdade, limitando a justiça

Além de um espetáculo orquestrado pela mídia e por governos para descreditar um já enfraquecido Assange, o debate real deve girar em torno da liberdade de expressão e dos limites da democracia. Español

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17 Abril 2019, 12.01
Free Julian Assange, Domínio Público

O presidente do Equador, Lenín Moreno, decidiu pôr fim ao asilo político de Julian Assange, que havia sido garantido por seu antecessor, Rafael Correa. Essa decisão, difícil e polêmica, começa a revelar o futuro de uma espera incerta de sete anos que se tornou uma odisseia para o fundador do WikiLeaks e motivo de mobilização em todo o mundo.

Além de um espetáculo orquestrado pela mídia e por governos para descreditar um já enfraquecido Assange, o debate real deve girar em torno da liberdade de expressão e dos limites da democracia.

A luta original de Julian Assange como ativista pela liberdade de expressão através do seu projeto WikiLeaks acabou se transformando em uma complicada ação judicial envolvendo os governos dos Estados Unidos, Suécia e Equador. O que foi um projeto brilhante que questionou o papel do jornalismo e a democratização da informação, tornou-se uma causa judicial de várias arestas.

Em princípio, o WikiLeaks cumpre sua missão de ser um site de jornalismo de interesse público dedicado à denúncia de abusos governamentais através do vazamento de documentos sensíveis. Hoje, o site enfrenta acusações de pirataria e conspiração que poderia culminar em uma sentença de cinco anos de prisão nos Estados Unidos ao seu fundador.

Entre os mais de 10 milhões de documentos secretos vazados pelo WikiLeaks - que criaram pressão para minar os princípios de proteção das fontes jornalísticas e da liberdade de expressão - há alguns que geram duvidas se tinham a verdadeira intenção de instigar transparência e prestação de contas, ou de promover uma agenda política duvidosamente democrática de alguns atores, estatais ou não, que se aproveitaram do WikiLeaks para fins espúrios.

Por trás do caso de Assange estão as conotações geopolíticas e as relações diplomáticas que questionam a capacidade dos governos de proteger e promover garantias democráticas e a liberdade de imprensa quando são atacados por projetos como o WikiLeaks.

A possível extradição de Assange, que poderia acabar como o caso de outro famoso delator, a soldada Chelsea Manning, é um processo que se depara com a falta de confiança na independência do sistema judicial dos Estados Unidos, e a possibilidade de que seja reaberto o inquérito sobre acusações de abuso sexual contra duas mulheres na Suécia, o que criaria, em tese, a chance de um processo mais justo contra ele na União Europeia.

No entanto, por trás do caso de Assange estão as conotações geopolíticas e as relações diplomáticas que questionam a capacidade dos governos de proteger e promover garantias democráticas e a liberdade de imprensa quando são atacados por projetos como o WikiLeaks.

Mudança de governo: fim do asilo

Rafael Correa, agora ex-presidente do Equador, foi durante muitos anos sinônimo de defensor do melhor jornalismo com a decisão de fornecer asilo a Assange na Embaixada do Equador em Londres. Com esse ato, ele desafiou a justiça dos Estados Unidos que pedia que Assange fosse responsabilizado e que, por sete anos, buscou a melhor estratégia para não arquivar o caso.

A mudança de ciclo político consolidada há um ano com a eleição de Moreno para a presidência, deixou em suspenso a situação de Assange, cujo comportamento dentro de seu confinamento em Londres também começou a se deteriorar, junto com sua saúde, colocando em apuros a diplomacia equatoriana. Após negociações com os Estados Unidos em busca de garantias, Moreno decidiu retirar a proteção de Assange e entregá-lo aos tribunais ingleses para iniciar um complicado processo judicial.

As mudanças políticas no Equador foram, sem dúvida, um fator decisivo no destino de Julian Assange. No fundo, sua captura mostra que Assange é também uma vítima colateral da luta pelo poder no Equador.

Independente do se o seu comportamento problemático e as aparentes violações do acordo de asilo auxiliaram na decisão de entregar Assange às autoridades britânicas, devemos nos perguntar quais são os interesses que exerceram a ordem de busca e captura que pesava sobre ele.

E agora? Um processo justo?

O caso de Assange representa agora um desafio emblemático entre as contradições do sistema. Por um lado, está a luta por alcançar sociedades mais livres que possam acessar informação sem restrições e de forma transparente. Por outro lado, questiona-se e a capacidade dos governos de ocultar informação, tomar decisões secretas e não revelar o que consideram ser conteúdo sensível, roubando assim o direito à informação e à transparência.

Assange cometeu o erro de não enfrentar as primeiras acusações de abuso sexual na Suécia, o que certamente teria resolvido o problema rapidamente.

O fim do asilo e da proteção traz à tona até que ponto um julgamento de Assange não será um julgamento politicamente carregado e, portanto, injusto.

Assange cometeu o erro de não enfrentar as primeiras acusações de abuso sexual na Suécia, o que certamente teria resolvido o problema rapidamente. Refugiar-se na embaixada equatoriana por temer que a justiça o extraditasse para os Estados Unidos, dadas as acusações de revelar segredos, foi um erro.

Sete anos de confinamento também o transformaram em um instrumento político para muitos, que nem sempre o usaram para aumentar a transparência e a responsabilidade original que o WikiLeaks promoveu, uma causa que conquistou muito apoio pelo mundo.

Mas existem tantos interesses políticos em puni-lo que veremos até que ponto a pressão pela condenação de Assange não cegam a justiça. É evidente que o impacto político de destapar verdades ocultas sobre como operam governos como o dos Estados Unidos não é insignificante.

O Repórteres sem Fronteiras disse que o Reino Unido não deve extraditar Assange e que deve fazer prevalecer a liberdade de expressão e a proteção de fontes jornalísticas.

Mas a realidade é que Assange já foi condenado a sete anos por evadir a justiça, e agora aguarda sua primeira aparição no dia 2 de maio perante a Corte de Magistrados de Westminster para tratar da sua possível extradição.

Edison Lanza, relator da Corte Interamericana de Direitos Humanos, enfatiza a questão subjacente: além do papel de Assange, o que é realmente importante aqui é o princípio de que os jornalistas não devem ser penalizados por publicar informações de interesse público.

Mas o que acontece se essa informação puder ser posteriormente usada para fins políticos não democráticos por governos ou outros atores não-estatais que se distinguem pela sua falta de respeito à liberdade de informação? Esse é outro assunto que deve ser refletido, mas não deve impedir que Assange tenha um julgamento justo.

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