democraciaAbierta: Analysis

Onde estão os candidatos da centro-direita na América Latina?

Depois de vitórias de líderes de esquerda em 2021, Brasil e Colômbia podem consolidar a crise da política tradicional

Manuella Libardi
6 Maio 2022, 12.01
Os companheiros de chapa Gustavo Petro e Francia Márquez vêm liderando as pesquisas de intenções de voto na Colômbia
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Long Visual Press/Alamy Stock Photo

A América Latina está se preparando para duas de suas eleições mais importantes deste ciclo eleitoral. O Brasil já está em clima de campanha diante das eleições de outubro, que oferecerão aos brasileiros a oportunidade de remover o polêmico presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro. Como mostram as pesquisas, Bolsonaro está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora a vantagem do esquerdista tenha diminuído nos últimos meses.

Da mesma forma, a Colômbia irá às urnas em 29 de maio, eleições que podem mudar o rumo do país. Uma vitória de Gustavo Petro, que vem liderando as pesquisas consistentemente, levaria um político de esquerda à Casa de Nariño pela primeira vez na história moderna da Colômbia, destronando a hegemonia de Álvaro Uribe e seus descendentes que domina a política desde o início do século.

As possíveis vitórias do ex-guerrilheiro do M-19, atual senador e ex-prefeito de Bogotá na Colômbia e do líder sindical popular no Brasil podem consolidar a onda de esquerda que vem tomando a América Latina nos últimos anos. Essa tendência, que começou com a vitória eleitoral de Andrés Manuel López Obrador no México, em 2018, e do kirchnerista Alberto Fernández na Argentina, em 2019, se fortaleceu em 2021.

Depois de o aliado de Evo Morales, Luis Arce, vencer na Bolívia no final de 2020, o ano seguinte testemunhou a ascensão do professor das províncias, Pedro Castillo, no Peru, da primeira mulher presidente, Xiomara Castro, em Honduras, e do mais jovem líder da região, Gabriel Boric, no Chile.

Mas o cenário político na América Latina é complexo. Se Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, que cumpre pena por crimes contra humanidade e corrupção, tivesse conseguido retornar o fujimorismo ao Peru e o ultraconservador José Antonio Kast conquistado adicionais 6% dos votos no Chile, a conversa seria completamente diferente hoje.

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As recentes eleições se destacam por terem sido palco de confrontos entre esquerdistas, em alguns casos bastante radicais, como Castillo, e candidatos de extrema-direita. Em quase todos os exemplos, os candidatos tradicionais de centro-direita, que tendem a dominar a política latino-americana, ficaram em segundo ou terceiro plano. Essa tendência pode se consolidar com as eleições no Brasil e na Colômbia.

Fim do uribismo na Colômbia?

A situação na Colômbia é semelhante a do Brasil, mas menos extrema. Federico "Fico" Gutiérrez, o candidato escolhido pelo Equipo por Colombia, coalizão que reúne os setores mais conservadores da corrida eleitoral, não é Bolsonaro. Ao contrário do repertório político do brasileiro, reduzido ao de ex-deputado desconhecido e inexpressivo, Gutiérrez terminou seu mandato como prefeito de Medellín, uma das cidades mais importantes da Colômbia, com índices de aprovação impressionantes.

Com uma agenda neoliberal e valores conservadores, Gutiérrez tomou o lugar do uribismo tradicional como representante da direita. O candidato de centro-direita lançado pelo partido de Uribe, Óscar Iván Zuluaga, não obteve os votos necessários do Equipo por Colombia para carregar a bandeira conservadora. Desta forma, Zuluaga retirou sua candidatura em 14 de março e declarou seu apoio a Gutiérrez, oficializando a derrota do uribismo. Mas Gutiérrez não se considera candidato de Uribe e nem Uribe, embora 66% dos colombianos o vejam assim. A menos de um mês da eleição, Gutiérrez tem 23,4% das intenções de voto, mais de 14 pontos percentuais atrás dos 38% de Petro.

Essa fratura da direita colombiana chama atenção, já que o país se destaca na América do Sul pela coesão desse campo. Devido ao seu contexto único de décadas de guerra civil, a Colômbia permaneceu à margem da Onda Rosa que levou candidatos de esquerda à presidência de vários países da região, mantendo-se firmemente estável no campo de centro-direita.

A mítica terceira via no Brasil

A centro-direita no Brasil passa por um processo semelhante. Embora Lula represente a esquerda mais tradicional da Onda Rosa que dominou a política regional na virada do século, o ex-presidente mantém laços estreitos com muitos dos representantes mais progressistas da política brasileira, como Manuela D'Ávila do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e Marcelo Freixo, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Se o cenário se mantiver estável até outubro, Lula deve disputar o segundo turno contra Bolsonaro, cujo mandato foi marcado pela degradação das instituições democráticas brasileiras e pela apologia à ditadura militar.

Apesar do país contar com uma esquerda competitiva liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a política nacional divide protagonismo com partidos tradicionais de centro, como o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que dominou as cadeiras no Congresso até 2018, quando o bolsonarismo roubou a cena.

Hoje, a menos de cinco meses do primeiro turno das eleições, a centro-direita bate cabeça para encontrar a chamada terceira via, alternativa aos candidatos da esquerda e da extrema-direita, representados por dois candidatos polarizadores. A odisseia parece não ter fim. Após uma disputa interna historicamente pouco característica, o PSDB optou pelo governador de São Paulo, João Doria, como seu representante nas urnas. Atualmente, Doria tem 6% das intenções de voto. Frente aos 41% de Lula e 32% de Bolsonaro, o PSDB não parece ter lugar nessa disputa.

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Selando a crise do gigante de centro-direita, um de seus representantes mais antigos, Geraldo Alckmin, deixou o PSDB em dezembro após 33 anos para concorrer como vice-presidente Lula, destino irônico considerando que os dois são velhos adversários políticos. Dessa forma, a centro-esquerda demonstra capacidade e intenção de cooptar parte da centro-direita em sua campanha eleitoral, bagunçando ainda mais o tabuleiro.

Crise da centro-direita e da política tradicional

Antes de uma nova virada à esquerda, a América Latina vive uma crise da centro-direita. Isso se deve, em parte, aos movimentos sociais que tomaram conta da região na última década e saíram às ruas para protestar os efeitos de décadas de desigualdade que fazem da nossa região a pior em distribuição de renda do mundo.

Após uma considerável redução dos níveis de pobreza sob os governos de esquerda da Onda Rosa, alimentada pelos altos preços das commodities da primeira década do século, a emergente classe média se viu novamente estagnada quando os governantes de centro-direita voltaram ao poder com promessas de crescimento econômico, responsabilidade fiscal e medidas de austeridade que reduziram os serviços sociais e benefícios ao povo.

Os governos de centro-direita defraudaram os cidadãos, que buscaram refúgio nos extremos. Para muitos, a solução está nos candidatos de esquerda que enriqueceram a América Latina na virada do século, apesar dos escândalos de corrupção que os afastaram uma década depois. Outros preferem expressar sua insatisfação com as opções tradicionais, optando por outsiders e candidatos anti-establishment da extrema-direita ultraconservadora, que prometem governar fora da política, como pessoas do povo, apesar de se beneficiarem do próprio sistema político que criticam.

Estes tiveram grandes oportunidades nos últimos anos, mais fortemente representados por Bolsonaro no Brasil, Nayib Bukele em El Salvador, Jeanine Áñez na Bolívia e agora Rodrigo Chaves na Costa Rica. A experiência baixo a maioria desses líderes tem sido catastrófica, como o caso do Brasil exemplifica, o que explica a recente preferência por governos de uma nova esquerda progressista. Esse campo teve que se ajustar à nova realidade política, que já não compete com a centro-direita, mas com a direita radical. Mas, independentemente das razões, a esquerda latino-americana tem uma oportunidade única nas mãos.

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