O sistema oscilou ocasionalmente, talvez de forma mais dramática na crise financeira global de 2008. Mas em seu relato sobre essa crise, "Crashed", o historiador Adam Tooze argumenta que ela demonstrou o poder dos EUA, que foi capaz de estabilizar o restante da economia global por meio de um sistema de swaplines do Federal Reserve. Estes ofereciam dólares muito baratos em caso de emergência a países politicamente favorecidos como a Grã-Bretanha, garantindo-lhes proteção das instituições financeiras domésticas.
Isso deu um peso enorme aos EUA. Se você pode escolher resgatar ou não alguém, você tem um poder imenso sobre ele, como argumenta Tooze. Mesmo a ameaça de remover o suporte de emergência pode lhe dar poder. Mas foi essa demonstração de poder que ajudou a semear o colapso constante do sistema, como vemos hoje.
Precisamente porque os EUA conseguiram exercer o seu poder monetário de uma forma que correspondia aos seus interesses mais amplos – de modo que apenas os seus aliados mais próximos tinham acesso às swaplines, mas todos os países poderiam precisar de dólares, em caso de emergência –, criou incentivos para outros países se retirem, na medida do possível, do sistema monetário internacional centrado no dólar.
Fim do regime do dólar
Desde 2008, outras economias — lideradas pela China — cresceram mais rápido do que os EUA, deixando alguns aliados dos EUA, como a Grã-Bretanha, para trás. A pandemia de Covid-19 também abalou dramaticamente todo o sistema. Quase três anos depois, o mundo ainda vive com o vírus e suas consequências – em termos de saúde, cadeias de suprimentos interrompidas e os montantes substanciais de dívida gerados pelos lockdowns.
Quando os EUA dominavam inequivocamente o globo, como o fizeram nos anos após o fim da Guerra Fria, sendo simultaneamente a maior economia, o líder tecnológico e a maior potência militar do planeta, fazia pouco sentido contestar o sistema regido pela moeda americana. Mas como o poder dos EUA diminuiu nessas diferentes dimensões, os riscos de uma retirada do sistema também diminuíram para os países que o contemplam.
Por outro lado, os riscos de permanecer dentro do sistema do dólar – especialmente para aqueles fora do círculo encantado de aliados próximos dos EUA – também aumentaram dramaticamente com a invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente imposição de sanções à Rússia. Quando os tanques cruzaram a fronteira há quase um ano, a reação do Ocidente foi rápida. Sem cerimônia, os EUA e seus aliados bloquearam o acesso desimpedido da Rússia ao sistema de pagamentos em dólares, como haviam feito com o Irã, no início da última década.
Essa restrição repentina funcionou como um grande sinal de alerta para todos os outros países que dependem do sistema global de pagamentos em dólares, diz Zoltan Poszar, chefe de estratégia global do banco suíço Credit Suisse. Se a Rússia pode ser excluída por ordem do governo dos EUA, o mesmo poderia acontecer com qualquer país. Poszar pensa que, além do relativo declínio dos EUA em relação a outras grandes potências ter gerado a oportunidade de se retirar do sistema, a invasão da Ucrânia gerou um incentivo, evitando que um país se encontre potencialmente exposto aos caprichos de Washington no futuro.
Poszar acredita que está surgindo um novo sistema monetário internacional multipolar, que ele chamou de “Bretton Woods III”, referindo-se à ideia de que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou por três sistemas monetários internacionais diferentes. O primeiro foi concebido na conferência de Bretton Woods, nos EUA, em 1944, onde as potências aliadas tentaram estabelecer as regras básicas de funcionamento do sistema monetário internacional do pós-guerra. Esse acordo estabeleceu o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que ainda existem, e um sistema de taxas de câmbio fixas, atreladas ao dólar (e mais tarde ao ouro), que não é mais fixo. O sistema entrou em colapso no início dos anos 1970 quando os EUA se recusaram a manter o preço fixo do dólar em ouro por mais tempo.
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