Sem surpresa, o resultado é um agonizante curso de água, uma tristeza e uma revolta consumindo aqueles que caíram no logro. A quantidade e qualidade de água no Xingu diminuiu. Sem água morreram as árvores, que não produziram mais os frutos que alimentavam os peixes. Sem comida os peixes sumiram. A caça se mudou. A história se repetindo como a cópia de uma cópia, e uma forma de progresso que aniquila culturas únicas em todo o planeta, provocando a destruição dos rios, das florestas e a extinção da diversidade humana. Com o desagregar de cada comunidade, um modo de vida se perde. Desaparecem tradições, rituais, línguas, conhecimentos da floresta.
E o martírio aumenta com madeireiros e grileiros lhes invadindo a terra, garimpeiros sujando os rios, e o progresso que lhes introduz novas doenças. De acordo com o pesquisador norte-americano e prémio Nobel Philip Fearnside, a Barragem de Belo Monte entrega apenas 40% da energia prometida. O Brasil tem outras opções energéticas, mas as hidroelétricas têm um lobby forte porque suas construções envolvem mais dinheiro do que aquele que seria empregue em valorizar a Amazônia a partir de seus elementos dominantes: a água, o sol e a floresta.
Os Xipaya são um grupo de indígenas que desde o século XVII defende seus territórios de invasores. Juma Xipaya, a primeira mulher cacique do Médio-Xingu, tem a certeza que tudo em Altamira foi executado de forma propositada para não dar certo, para ter indígenas dependentes, coagidos, reféns, mendigos. Ela se tornou elemento de luta e resistência, e para isso saiu da sua aldeia e se entregou aos desafios da Universidade de Medicina. “Miguel, tem de ser rápido que tenho de apresentar um trabalho na aula de hoje”. Saio da entrevista com a alma alvoraçada.
Em 2017 o Brasil foi o país que mais ativistas ambientais matou no mundo. Em 2019, ficou em quarto lugar. Sento por uns minutos olhando o rio Xingu que se espreguiça por Altamira. Em Janeiro de 2020 houve um aumento de 74% no desmatamento da Amazônia, em relação ao mesmo mês de 2019.
Feitas as contas, o que se perde com este negócio dos indígenas virarem brancos? Em pleno Antropoceno começa a ser óbvio que a maior de todas as extinções é a do próprio ser humano. Nos tornamos progressivamente mais redundantes. E um dia que sejamos todos iguais, nada melhor que partir os espelhos do mundo e celebrar a monotonia de um imaginário único. Porém, enquanto esse dia não chega, é fincar pé e ajudar a Juma a defender a maior floresta tropical do mundo. Pensa comigo, até quando vamos deixar matar aqueles que defendem algo tão bonito?
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