Nos últimos anos, tem ganhado força no Brasil um discurso de negação em relação à temática dos direitos humanos.
Ao longo de 2016, durante o controverso processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, ex-presa política torturada pela ditadura (1964-1985) e primeira mulher eleita presidente no Brasil, o discurso anti-direitos humanos ganhou uma visibilidade crescente.
O ponto alto desse processo foi o voto pró-impeachment do então Deputado Federal Jair Bolsonaro que o dedicou à memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsável direto pela tortura de Rousseff e o primeiro oficial do exército brasileiro oficialmente condenado por esta prática.
Após o impeachment de Rousseff e a instauração de seu vice, Michel Temer, como presidente, Bolsonaro inicia sua campanha que, três anos mais tarde, revelar-se-ia vitoriosa. Uma das temáticas-chave de seu discurso de campanha e de seus primeiros meses de governo foi a complacência, o respaldo e o comprometimento com políticas e práticas que rejeitavam e desprezavam os direitos humanos.
Pela primeira vez no período democrático, iniciado com a Constituição de 1988, o Brasil tem um presidente que coloca valores “anti-direitos humanos” no discurso oficial.
Nesse contexto controverso e durante a campanha presidencial de 2018, a Conectas Direitos Humanos e o Centro de Estudos em Administração e Governo (CEAPG) realizaram um projeto chamado “Pesquisa Comportamental sobre Doadores de Alta Renda” (PCDAR). A iniciativa foi uma parceria entre o CEAPG da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Conectas, viabilizada com recursos do Fundo BIS e do GVPesquisa (os resultados completos da PCDAR estão disponíveis aqui).
A PCDAR foi uma pesquisa exploratória sobre o perfil sociodemográfico e comportamental da população brasileira de alta renda, com foco nos seus hábitos, práticas e percepções de doação, em geral, e para organizações de direitos humanos, em particular. A sua população-alvo consistiu em indivíduos de alta renda, definida enquanto renda mensal média de 30 mil reais (cerca 8.000 USD), o que corresponde a 1% da população brasileira economicamente ativa (aproximadamente um milhão de pessoas).
O projeto empregou bases de dados secundárias e públicas e realizou grupos focais e surveys com 348 respondentes. Ainda que não seja estatisticamente representativa, a amostra ajuda a identificar padrões e as diversas características dos fenômenos, bem como áreas para pesquisa futura.
Um dos achados mais instigantes da PCDAR foi o de que a resistência ao tema “direitos humanos” e, consequentemente, à doação em dinheiro a organizações que os defendem, não é tão grande quanto o contexto (e a percepção dos agentes do campo dos direitos humanos e dos captadores de recursos) sugere - pelo menos entre a população brasileira de alta renda.
Ainda que esse público demonstre ceticismo com relação aos direitos humanos, essa visão parece ancorada em preconceitos, próprios do senso comum, e um desconhecimento geral a respeito do que são os direitos humanos e o que fazem as organizações que os defendem. Em nosso estudo, os participantes não mencionam “direitos humanos” como uma causa que afeta suas vidas, embora citem preocupação com uma vasta gama de temas específicos, tais como população em situação de rua, segurança, mulheres, desrespeito de direitos por empresas, refugiados, etc. – o que demonstra uma falta de conhecimento sobre o que compões a temática dos direitos humanos.
Além disso, no grupo focal também apareceram preconceitos típicos do senso comum brasileiro, como um participante que sustentou uma ideia comum no Brasil que as organizações de direitos humanos “protegeriam quem não precisa ser protegido”.
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