
Terremoto social e político no Equador
Desta vez não estamos falando de um fenômeno sísmico violento, mas de protestos violentamente reprimidos

O Equador vive outro grande terremoto. Mas desta vez não estamos falando de um fenômeno sísmico violento, mas um surto social violentamente reprimido.
O país está vivendo sua onda mais intensa de protestos em 12 anos, assim como uma das suas piores crises nos últimos tempos. A situação nas ruas chegou ao nível de tensão que o presidente Lenín Moreno transferiu a sede do governo da capital Quito para a cidade de Guayaquil, protegida do outro lado de uma única ponte que é fácil de controlar.
Frente à onda de mobilização social, Moreno também adotou o estado de exceção por 60 dias. Além de várias detenções ilegais, principalmente em delegacias policiais e militares, centenas de feridos, alguns deles graves, e até sete mortos, segundo algumas fontes, a situação saiu do controle das forças de segurança.
Embora enviado, o exército permanece expectante e deixa a polícia agir em meio a reclamações de que agentes infiltrados estão aproveitando o caos e a violência para incentivar saques e, assim, desacreditar os protestos como violentos e dar razão ao governo.
A agitação social vem de longa data e não é atribuível ao atual governo exclusivamente. Mas na semana passada, Moreno anunciou que poria fim aos subsídios da gasolina e do diesel que estiveram em vigor no Equador por 40 anos, o que fez as tensões transbordarem.
As medidas incluem precarização de direitos trabalhistas e a eliminação de tarifas que foram acordadas com o FMI para a ativação de um empréstimo urgente de bilhões de dólares. Segundo o presidente, o déficit fiscal do país deve ser reduzido imediatamente.
A retirada dos subsídios gerou um aumento de 123% nos preços da gasolina, o que deu origem aos protestos que hoje, quinta-feira (11), chegam ao sétimo dia. O galão da gasolina subiu de US$ 1,85 para US$ 2,30 e o galão do diesel de US$ 1,03 para US$ 2,27. Moreno argumenta que a decisão ajudará a economia além de combater o contrabando de combustível. Porém, críticos da medida do presidente dizem que sua política de austeridade prejudicará a economia local ao transformar seu transporte mais de 100% mais caro.
Os protestos também ganharam força entre vários setores sociais, especialmente comunidades indígenas
Como argumentou o cientista político Pablo Ospina, o subsídio do diesel mantinha a competitividade da produção equatoriana. Sem esse incentivo, Ospina diz, os consumidores vão ficar ainda mais dependentes dos produtos importados, como os sapatos vindo do Brasil, a carne peruana e o leite argentino.
Como começaram os protestos?
Diante desse cenário, os sindicatos de taxistas e motoristas de ônibus declararam uma greve que durou apenas uns alguns dias. Mas a mobilização dos sindicalistas atraiu o apoio de estudantes e da oposição do governo, deflagrando a onda de protestos e manifestação social.
Mas os protestos também ganharam um foco importante entre diversos setores sociais, principalmente as comunidades indígenas. Membros das comunidades marcharam de seus territórios até a capital para protestar e pressionar o presidente a retirar ou renegociar uma séries de ajustes econômicos, começando pela decisão de eliminar o subsídio estatal ao combustível.
Os aliados do governo estão usando o envolvimento e a resistência por parte dos indígenas para criminalizá-los, transformando-os nos verdadeiros responsáveis por essa crise generalizada que está assolando o Equador. É uma atitude abusiva e racista que atinge dimensões escandalosas.
As forças de segurança, que com o governo do ex-presidente Correa foram reforçadas e remontadas consideravelmente, são especialmente instruídas para impedir que os indígenas entrem em vários locais públicos. "Eles são tratados como se não fossem cidadãos equatorianos, mas parte de uma invasão alienígena", disse Juana Francis Bone, ativista social de direitos humanos equatoriana, durante uma reunião de emergência terça-feira (9) com outros membros da Red de Innovación Política em América Latina.
Além do reforço policial, o atual governo lançou em abril passado um sistema de vigilância, chamado ECU-911, fabricado em grande parte por duas empresas chinesas, a estatal CEIEC e a Huawei. O sistema possui 4.700 câmeras instaladas por trabalhadores chineses especialmente enviados para o país, como disse o New York Times, e que agora podem ser usadas para identificar e incriminar os manifestantes.
Correa e a Venezuela
O fator Rafael Correa (ex-presidente do Equador que tinha Moreno como vice-presidente) desempenha um papel importante nessa crise. Quando a crise eclodiu, ele expressou fortes críticas desde Bruxelas, onde atualmente reside por razões familiares e para se proteger da justiça equatoriana que o acusa de corrupção. Correa apoiou a candidatura de Moreno, a quem ele planejava monitorar, o que certamente o ajudou a alcançar a presidência em 2017.
Mas uma vez no poder, Moreno se distanciou de seu antecessor, o que culminou em uma série de embates, em que Moreno chegou a chamar Moreno de “traidor”. No mesmo tuíte, Correa disse que a presidência de Moreno havia chegado ao fim, e disse apoiar novas eleições diretas. Na quarta-feira (9), Correa disse que estaria disposto a se candidatar.
Moreno, por sua vez, revidou o ataque, acusando o ex-presidente e seu ex-mentor de estar tentando orquestrar um golpe de estado, mobilizando alguns setores sociais, especialmente os indígenas.
Além disso, Moreno chegou a dizer essa semana em um comunicado nacional que Correa está trabalhando em conluio com a Venezuela.
“Os saques, o vandalismo e a violência demonstram que há uma intenção política organizada de romper a ordem democrática. Não é coincidência que Correa [e aliados] tenham viajado ao mesmo tempo, há poucas semanas, a Venezuela”, disse Moreno no vídeo.
Diante do uso abusivo da força policial contra grupos de manifestantes e contra jornalistas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifestou sua preocupação
Na realidade, Moreno manipula e exagera o papel de Correa ou Maduro na manifestação popular, e Correa aproveita a virulência dos protestos para atacar Moreno e recuperar parte do terreno perdido desde que deixou o país.
São meras cortinas de fumaça. O fato de não ter resolvido a tempo os profundos problemas estruturais do país pelo qual os dois são responsáveis, lo levou às mãos do FMI, cujas medidas macroeconômicas muito rígidas são bem conhecidas entre as classes populares da América Latina
O papel da mídia independente
Como apontou o doutor em comunicação Pablo Escandón, que também participou da reunião mencionada, Moreno e seu governo contam com o apoio dos setores empresariais e das grandes corporações midiáticas do Equador. Segundo diz Escandón, o executivo não usou uma estratégia coerente para comunicar suas medidas, gerando assim a reação explosiva da população.
Dessa forma, quem está desempenhando o papel de comunicação entre o executivo e as pessoas é a mídia, que tradicionalmente tem os interesses do governo em mente. É aí que os meios de comunicação alternativos entrem em primeiro plano, diz Juana Francis Bone.
Diante do uso abusivo da força policial contra grupos de manifestantes e contra jornalistas (algumas fontes afirmam que 57 jornalistas foram agredidos pela polícia e 13 foram presos), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressou em nota sua preocupação.
Dada a situação confusa e a falta de serenidade, o objetivo é reduzir a tensão, evitar mais vítimas e avançar em um diálogo eficaz. Toda mídia deve permanecer fiel aos fatos e direitos democráticos. Os meios de comunicação independentes precisam contrastar as informações oficiais e os grandes meios de comunicação a serviço de interesses espúrios e denunciar abusos, manipulações e mentiras.
Neste momento crucial para o país, quando o uso excessivo e racista da violência já começa a causar mortes, e quando todos os tipos de desinformação proliferam nas redes sociais e operações de propaganda política em larga escala são desencadeadas, é importante dar prioridade e voz ao povo que sofre na carne as conseqüências de algumas políticas econômicas terríveis da última década.
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