
Protesto em Brazilia contra o governo de Dilma Rousseff. 15 Março 2015. Wikicommons/ José Cruz/Agência Brasil. Some rights reserve
Nós, pesquisadores e professores
universitários brasileiros, dirigimo-nos à comunidade acadêmica
internacional para denunciar um grave processo de ruptura da legalidade
atualmente em curso no Brasil.
Depois de um longo histórico de
golpes e de uma violenta ditadura militar, o país tem vivido, até hoje,
seu mais longo período de estabilidade democrática – sob a égide da
Constituição de 1988, que consagrou um extenso rol de direitos
individuais e sociais.
Apesar de importantes avanços
sociais nos últimos anos, o Brasil permanece um país profundamente
desigual, com um sistema político marcado por um elevado nível de
clientelismo e de corrupção. A influência de grandes empresas nas
eleições, por meio do financiamento privado de campanhas, provocou
sucessivos escândalos de corrupção que vêm atingindo toda a classe
política.
O combate à corrupção tornou-se um
clamor nacional. Órgãos de controle do Estado têm respondido a esta
exigência e, nos últimos anos, as ações anticorrupção se intensificaram,
atingindo a elite política e grandes empresas. No entanto, há uma
instrumentalização política desse discurso para desestabilização de um
governo democraticamente eleito, de modo a aprofundar a grave crise
econômica e política atravessada pelo país.
Um dos epicentros que
instrumentaliza e desestabiliza o governo vem de setores de um poder que
deveria zelar pela integridade politica e legal do país.
A chamada “Operação Lava Jato”,
dirigida pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro, que há dois anos
centraliza as principais investigações contra a corrupção, tem sido
maculada pelo uso constante e injustificado de medidas que a legislação
brasileira estabelece como excepcionais, tais como a prisão preventiva
de acusados e a condução coercitiva de testemunhas. As prisões
arbitrárias são abertamente justificadas como forma de pressionar os
acusados e deles obter delações contra supostos cúmplices. Há um
vazamento permanente e seletivo de informações dos processos para os
meios de comunicação. Existem indícios de que operações policiais são
combinadas com veículos de imprensa, a fim de ampliar a exposição de
seus alvos. Até a Presidenta da República foi alvo de escuta telefônica
ilegal. Trechos das escutas telefônicas, tanto legais quanto ilegais,
foram apresentados à mídia para divulgação pública, ainda que tratassem
apenas de assuntos pessoais sem qualquer relevância para a investigação,
com o intuito exclusivo de constranger determinadas personalidades
políticas.
As denúncias que emergem contra
líderes dos partidos de oposição têm sido em grande medida desprezadas
nas investigações e silenciadas nos veículos hegemônicos de mídia. Por
outro lado, embora não pese qualquer denúncia contra a Presidenta Dilma
Rousseff, a “Operação Lava Jato” tem sido usada para respaldar a
tentativa de impeachment em curso na Câmara dos Deputados – que é
conduzida pelo deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos
Deputados e oposicionista, acusado de corrupção e investigado pelo
Conselho de Ética dessa mesma casa legislativa.
Quando a forma de proceder das
autoridades públicas esbarra nos direitos fundamentais dos cidadãos,
atropelando regras liberais básicas de presunção de inocência, isonomia
jurídica, devido processo legal, direito ao contraditório e à ampla
defesa, é preciso ter cautela. A tentação de fins nobres é forte o
suficiente para justificar atropelos procedimentais e aí é que reside um
enorme perigo.
O juiz Sérgio Moro já não possui a
isenção e a imparcialidade necessárias para continuar responsável pelas
investigações em curso. O combate à corrupção precisa ser feito dentro
dos estritos limites da legalidade, com respeito aos direitos
fundamentais dos acusados.
O risco da ruptura da legalidade,
por uma associação entre setores do Poder Judiciário e de meios de
comunicação historicamente alinhados com a oligarquia política
brasileira, em particular a Rede Globo de Televisão – apoiadora e
principal veículo de sustentação da ditadura militar (1964-1985) -, pode
comprometer a democracia brasileira, levando a uma situação de
polarização e de embates sem precedentes.
Por isso gostaríamos de pedir a
solidariedade e o apoio da comunidade acadêmica internacional, em defesa
da legalidade e das instituições democráticas no Brasil.
A página web do Brazilian Observatory proporciona a completa atualização desta Carta Aberta e vai continuar a aceitar o apoio de investigadores e professores universitários do Brasil e de toda a comunidade acadêmica internacional até ao dia 10 de abril. O número de subscritores actuais excede já os 3500 e podem visualizar-se na mesma página. O Comité de Investigação sobre Classes Sociais e Movimentos Sociais da Associação Internacional de Movimentos Sociais (ISA RC47) dá todo o seu apoio a esta Carta Aberta.
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