
Onze membros do ELN, o segundo maior grupo insurgente da Colômbia, rendem-se em Tumaco, Colômbia, em 2009. AP Foto/William Fernando Martinez. Todos os direitos reservados.
O processo de paz da Colômbia é, hoje em dia, o principal referente da construção de paz no mundo. No dia 26 de setembro o Governo e as FARC assinaram o acordo que põe termo a 52 anos de confrontação armada. Se a cidadania referenda os acordos no plebiscito que terá lugar no dia 2 de outubro, estaremos perante a principal vitória da construção da paz desde o fim da guerra no Nepal em 2007. Contudo, ainda estaremos a falar de uns acordos coxos, porque não incluem o outro movimento armado insurgente – o Exército de Libertação Nacional (ELN). Sem o ELN não haverá paz completa.
Se bem que no passado dia 30 de março o Governo e o ELN anunciaram o inicio das negociações formais, com uma agenda de cinco pontos, até à data as conversações estancaram-se devido a desacordos processuais. O governo exigiu à guerrilha pôr termo à prática do sequestro antes de iniciar os diálogos de paz, ao que a insurgência respondeu com estupefação que não aceita nenhum condicionante para iniciar as negociações. O resultado deste desacordo foi o maior descrédito da guerrilha perante uma opinião pública que não entende e não aceta que o sequestro seja matéria de negociação. Mas, com este golpe mediático e moral infligido à guerrilha, também ficou a perde a governo e o país.
Somar o ELN ao processo de paz é uma prioridade por coerência política do governo e por razoes práticas. Se fracassam as negociações com o ELN, o risco seria uma ofensiva total contra a guerrilha. Mas esta opção deslegitimaria seriamente toda a aposta do governo para resolver através a via do dialogo, os conflitos com raízes politicas. Como explicar na Colômbia e perante o mundo que enquanto se negoceia com uma guerrilha se combate outra?
Desde uma perspetiva prática, o Governo tem que negociar um acordo de cessar fogo bilateral com o ELN para facilitar o cumprimento do recente cessar fogo com as FARC. Um acordo com as guerrilhas facilitaria enormemente o trabalho da força pública para combater e controlar os restantes atores armados ilegais nos territórios de conflito.
Duas guerrilhas, dois processos
O ELN tem menos combatentes que as FARC e tem uma estratégia político-militar que tende a colocar mais enfase em fortalecer movimento sociais e a oposição politica clandestina, que nas ações armadas. Por esta razoe, tem menos visibilidade mediática e, em termos militares, é percebida como a guerrilha “menor”.
Ao mesmo tempo a toma de decisões no interior da guerrilha é mais horizontal – “democrática na concepção elena (quer dizer, do ELN) – que nas FARC. Isto gera processos lentos, mais proclives a visibilizar os desentendimentos internos e, em consequência, com resultados às vezes confusos. Se juntamos a isto que as diferentes frentes contam com uma elevada autonomia para levar a cabo as suas ações, não é de estranhar que a guerrilha seja percebida como um ente indeciso, e de certa forma, incoerente.
Finalmente, sobrevive no ethos do ELN o compromisso irrenunciável para com as transformações sociais e políticas às quais dedicou tantos anos como as FARC. Com uma clara inspiração na Teologia da Libertação, a sua interpretação do compromisso com as classes desfavorecidas e historicamente marginalizadas deixa-lhes pouca margem para o compromisso. Uma desconfiança profunda em relação à classe dirigente do país impede-os de se comprometeram com o abandono das armas sem a garantia de transformações estruturais.
Muitos não entendem as razões pelas quais os elenos não se somaram ao comboio da paz. São criticados por não entender o momento político que vive o país, de ser prisioneiros de uma mentalidade e de umas práticas que formam parte do passado, de desperdiçar uma janela de oportunidade sem precedentes.
E, contudo, desde a perceção elena há sérios reparos ao processo de paz dominante. Existe frustração porque ao ter uma menor capacidade bélica que as FARC, foram forçados a desempenhar um papel secundário. Existe um desacordo em relação à forma elitista das negociações na Havana, onde um grupo reduzido de pessoas tomaram as decisões que afetam um país inteiro. E existe uma inquietação perante a aparente renuncia das FARC em levares maiores transformações sociais, políticas e económicas à mesa das negociações.
O cenário das negociações
Apesar dos tropeços atuais, numa recente entrevista ao máximo comandante da guerrilha, Nicolás Bautista “Gabino” reiterou o compromisso do ELN com as negociações de paz e mostrou confiança em que os diálogos cheguem a bom porto.
Partindo então da premissa de um inicio formal de diálogos, as duvidas mais urgentes são metodológicas. Se o eixo central do projeto com o ELN é a participação cidadã, como se articularia a participação? Mais concretamente, colocam-se quatro preguntas chave: quem convoca a participação? (Quem tem o poder de convocatória para que participe o conjunto da sociedade?) Quem sistematiza a informação do projeto participativo? Quem tomará as decisões finais? E, quanto tempo requere este processo de negociação?
Diversas organizações sociais elaboram propostas para resolver estas preguntas. E uma das primeiras decisões da mesa de negociação deverá ser dar resposta a estas preguntas. Observando as dinâmicas sociais e políticas do país, podemos sugerir três ideias para a discussão pendente:
Aproveitar o acumulado. Os movimentos sociais levam anos articulando agenda de transformações sociais, económicas, políticas e até culturais. É mais, o Governo e a sociedade protagonizaram múltiplos processos de negociação, desde os espaços sindicais à Cimeira Agraria, passando por revindicações indígenas e de afrodescendentes, e as resistências cidadãs ante grande projetos energético-mineiros. Várias das agendas estão claras; inclusive há compromissos governamentais, atos legislativos e sentenças das Cortes que refletem transformações significativas. Contudo, as mudanças são lentas ou não chegam. Chegou a hora de elaborar uma diagnostico partilhado sobre as falhas nos mecanismos de participação existentes, antes de elaborar uma nova, e longa “lista de mercado”.
Reconhecer a autonomia. As dinâmicas de mobilização cidadã e de negociação com o Estado tem alto componente de autonomia. A mesa de negociações pode dar visibilidade e reconhecer estas iniciativas e assim, aumentar o seu impacto. Também pode propiciar outros processo por todo o país. Mas não será possível nem desejável centralizar o processo de paz. Terá que se procurar uma fórmula criativa que promova sinergias entre os processos sociais e mesas de negociação, sem que ninguém pretenda atribuir-se um poder representativo e vinculativo. Um resultado positivo deste exercício teria um grande impacto sobre o compromisso de fortalecimento da democracia.
Delimitar os tempos. A mudanças não chegam com o acordo de paz. Em vez disso, é o acordo de paz que deve propiciar as mudanças. Para evitar frustrações e possíveis novos episódios de violência, é importante identificar claramente os resultados que se podem esperar de um processo de paz no curto, médio e longo prazo. O êxito mais significativo a curto prazo seria eliminar a violência da vida política. Esta é a raiz principal do levantamento da guerrilha. Outras mudanças demorarão mais tempo, como os processos para acordar e implementar novas medidas pública a nível local, regional e local. Infelizmente, eliminar a violência estrutural e cultural pode levar décadas.
Um marco de confluência das negociações com o ELN e as FARC
O governo deve oferecer ao ELN as garantias de poder negociar em condições de dignidade, quer dizer, que não se lhe ofereça somente somar-se ao acordado com as FARC senão um processo autónomo, sério, com os recursos e os tempos necessários para andar para a frente, respeitando a identidade política do ELN.
Ao mesmo tempo, é fundamentalmente que ambos processos tenham um marco comum. Neste sentido parece oportuno recordar a sequencia do processo de paz acordado entre o Governo e as FARC em 2012: o objetivo das negociações na Havana consiste em “terminar o conflito armado”, enquanto que a “construção da paz” é uma tarefa que lhe corresponde ao conjunto da sociedade depois de concluir as negociações. Esta tarefa está apenas anunciada, mas não se definiu nem a agenda, os atores, os processos ou os tempos da chamada Fase 3 do processo de paz. Ao colocar o enfase na participação cidadã, na democracia e nas transformações para a paz, o processo entre o governo e o ELN pode preencher este vazio e, desta forma, completar um novo marco global de construção da paz.
Gestos y decisões necessárias
Construir a paz é mais difícil que fazer a guerra. Requer visão, valor, liderança e capacidades para substituir uma retórica polarizada e de maximalismo por um conjunto de ação que respondam à diversidade das expetativas de sociedade.
Sem ter conseguido o apoio das maiorias sociais, as guerrilhas partem de uma situação complexa. Perante uma opinião pública desconfiada – e até hostil – precisam de demonstrar com factos o seu compromisso com a paz. O mesmo se aplica ao Governo.
A construção da paz não passa somente por recuperar a confiança entre o governo e os insurgentes, mas também entre os insurgentes e o conjunto da sociedade.
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