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Greve geral no Brasil: 28 de Abril será um ponto de virada?

No dia 28 de abril, o Brasil experimentou uma das mais impressionantes greves gerais da sua história. Como será a resistência a partir de agora ao Governo de Temer? English Español

Roberto Véras de Oliveira
10 Maio 2017
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Fotografia: Nueva Sociedad. Todos os direitos reservados.

Este artigo é o resultado da aliança entre a Nueva Sociedad e a DemocraciaAbierta. Leia o conteúdo original aqui

A greve geral de 28 de abril de 2017 acontece cem anos depois da primeira greve geral brasileira e onze anos após a última. Desde então o sindicalismo seguiu participando ativamente da história do país. Durante o Regime Militar (1964-1985) foi alvo de perseguições, tendo cumprido destacado papel na redemocratização e nos avanços sociais incorporados à Constituição de 1988. Entre 1983 e 1996, as centrais sindicais realizaram seis greves gerais. Inicialmente, duas correntes se constituíram: a Central Única dos Trabalhadores – CUT, criada em 1983, herdeira do “novo sindicalismo” e aliada do Partido dos Trabalhadores – PT; e a Coordenação Geral das Classes Trabalhadoras – CONCLAT, que com o apoio dos setores ligados às federações e confederações oficiais foi também criada em 1983, tendo sido convertida em Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT em 1986. Em 1991, de uma dissidência da CGT surgiu a Força Sindical, defensora de uma visão pragmática e mais próxima do pensamento neoliberal.

Nos anos 1990, os governos Collor e Fernando Henrique patrocinaram uma agenda de perfil neoliberal, com políticas macroeconômicas dissociadas da geração de emprego, privatizações, desinvestimento nos serviços públicos, desregulamentação das relações de trabalho, atitudes anti-sindicais etc. Esse contexto político associado ao crescimento do desemprego e da informalidade, ao rebaixamento dos salários e à perda de benefícios forçaram os sindicatos a uma posição defensiva. Contudo, ainda assim se mantiveram como principais referências das demandas públicas dos trabalhadores, embora não com o mesmo protagonismo político anterior.

A greve geral de 28 de abril de 2017 acontece cem anos depois da primeira greve geral brasileira e onze anos após a última. 

Nos governos Lula-Dilma, houve retomada do crescimento com avanços na distribuição de renda. O crescimento do emprego, da formalização e da renda dos trabalhadores e um ambiente político mais favorável favoreceram o desempenho sindical nas negociações coletivas e na ação política mais geral. Contudo, isso não resultou na recuperação do protagonismo político que conquistou nos anos 1980. Na CUT prevaleceu a postura de delegar ao governo a iniciativa da agenda social e do trabalho, o que levou a dissidências no seu campo. Foi quando surgiu a Central Sindical e Popular - CSP/Conlutas, sob influência de partidos posicionados à esquerda do PT (PSOL e PSTU), assim como a Central dos Trabalhadores do Brasil – CTB (sob influência do PC do B) e a Intersindical.

O segundo mandato de Dilma começa, em 2015, com um princípio de crise econômica e o avanço das forças conservadoras, favorecida pelo posicionamento da grande mídia, uma bem sucedida articulação da direita no parlamento, um deslocamento à direita do judiciário e do ministério público e a mobilização de segmentos de classe média em torno da “luta contra a corrupção”. Fechou-se, assim, o cerco sobre o governo de centro-esquerda e a presidenta foi deposta à margem da Constituição. Entre abril e agosto de 2016 foi consumando o processo do golpe parlamentar-judiciário-midiático. No seu lugar assumiu o vice-presidente, Michel Temer, sob uma coalizão liderada por seu partido (o PMDB) e o PSDB (de Fernando Henrique), que fora derrotado nas quatro eleições anteriores pelo PT. Desde então, vem sendo implementada uma agenda de retrocessos sociais e políticos, ao mesmo tempo em que a crise econômica se aprofunda e o desemprego alcança o patamar dos 13,7% (quando em 2014 atingiu o mínimo de 4,8%). Apesar do baixíssimo índice de popularidade e das denúncias de corrupção envolvendo os principais quadros do governo, incluindo o próprio presidente, este conta com folgado apoio no congresso e na mídia para continuar com sua agenda.

Entre abril e agosto de 2016 foi consumando o processo do golpe parlamentar-judiciário-midiático.

O novo governo elegeu como alvos prioritários: a) o ajuste fiscal, focando nos gastos sociais (já foi aprovada emenda constitucional que limita as despesas públicas por 20 anos, excetuando o pagamento de juros); b) a retirada de direitos sociais e trabalhistas (já foi aprovada lei que libera a terceirização amplamente, incluindo na administração pública; encontra-se tramitando no Congresso projetos de reforma trabalhista e da previdência); c) privatizações e repasse de concessões públicas ao setor privado (com destaque para a alienação de campos de petróleo e de ativos da Petrobras).

Está na mira não só as políticas sociais dos governos Lula e Dilma, mas também os direitos instituídos pela Constituição de 88 e até as garantias trazidas com a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, da década de 1940. As reações até agora esboçadas têm sido reprimidas violentamente e criminalizadas com decisivo apoio da grande mídia. Por tudo isso, o novo quadro tende a depositar no sindicalismo e nos movimentos populares imensa responsabilidade pela reversão da agenda de retrocessos.

Foi nesse contexto que as centrais sindicais (CUT, CTB, Intersindical, CSP/Conlutas, União Geral dos Trabalhadores - UGT, Força Sindical, Nova Central, Central dos Sindicatos Brasileiros - CSB e Central Geral dos Trabalhadores do Brasil - CGTB) e os movimentos populares (Movimento dos Sem Terra - MST, Movimento dos Sem Teto – MTST, Central de Movimentos Populares - CMP, entre outros), articulados por meio dos fóruns Frente Povo Sem Medo e Frente Brasil Popular, convocaram a greve geral de 28 de abril. Tratou-se de um momento raro de unidade das forças sindicais e populares. Considere-se, por exemplo, que a Força Sindical, embora tenha tido participação no Governo Lula, apoiou o impeachment.

 Apesar do baixíssimo índice de popularidade e das denúncias de corrupção envolvendo os principais quadros do governo, incluindo o próprio presidente, este conta com folgado apoio no congresso e na mídia para continuar com sua agenda.

A convocação da greve geral ocorre em um momento decisivo. Na última quarta-feira foi aprovada na Câmara o projeto de reforma trabalhista do governo, tendo seguido para o Senado. A reforma da previdência encontra-se igualmente tramitando em ritmo acelerado. A preparação da greve começou com intensa circulação de mensagens nas redes sociais. Categorias chave de trabalhadores em todo o país realizaram assembleias e se declararam em apoio ao movimento. Entre elas, bancários, metalúrgicos, petroleiros, petroquímicos, metroviários, motoristas de transporte público, motoboys, professores de escolas públicas e privadas, funcionários dos Correios, trabalhadores da construção civil, do comércio, da saúde, dos serviços urbanos.

O governo seguiu sua agenda acelerada de medidas anti-sociais, ignorando o movimento. A mídia não deu qualquer espaço para a divulgação da convocatória. A divulgação avançou principalmente pelas redes sociais. Um fator muito favorável ao movimento foi a declaração de apoio de bispos e padres da Igreja Católica em todo o país. Essa nova atitude da Igreja Católica foi reforçada com a recusa pública do Papa ao convite de Temer para participar das celebrações dos 300 anos da aparição de Nossa Senhora Aparecida. Junto com a negativa o Papa teceu comentários críticos às medidas que agravam a situação dos mais pobres.

O dia 28 foi marcado por paralisações de norte a sul do país, seguidas de manifestações de protestos, passeatas, concentrações, bloqueios de estradas. Os governos estaduais aliados do governo federal atuaram acionando a repressão (o caso do Rio de Janeiro foi emblemático, com os manifestantes sendo impedidos de se concentrarem na Cinelândia, tendo sido submetidos a intensos bombardeios com gás lacrimogêneo e cassetetes; em Goiás um jovem estudante foi abatido a cassetetes por um policial, se encontrando até agora em coma; em São Paulo três lideranças do MTST continuam presos sob acusação de incêndio criminoso e incitação à violência). A isso se associaram declarações por parte do governo visando desqualificar e criminalizar movimento (o ministro da agricultura chamou a greve de “pífia”; Temer disse se tratar de um movimento de “pequenos grupos que bloqueiam rodovias e avenidas” e reafirmou sua agenda de "modernização da legislação nacional"). Quanto à mídia, em um primeiro momento tentou ignorar o movimento, mas, em não sendo isso mais possível, priorizou coberturas que realçaram confrontos e depredações.

O dia 28 foi marcado por paralisações de norte a sul do país, seguidas de manifestações de protestos, passeatas, concentrações, bloqueios de estradas. 

Os organizadores, por seu lado, falam em 35 milhões de trabalhadores paralisados, tendo passado à história como uma das maiores greves gerais do país. A agenda segue com as manifestações de 1º de Maio, com as pressões sobre os parlamentares em uma semana decisiva para as reformas trabalhista e previdenciária e com a indicação de uma grande manifestação unificada em Brasília para breve. A expectativa das forças que buscam reagir à avalanche conservadora é que o dia 28 de abril entre para história como um ponto de virada em favor da luta de resistência.

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