
Moreno vs. Correa: a batalha pela democracia no Equador
O atual presidente equatoriano, Lenín Moreno, perseguiu oponentes e proibiu candidatos de concorrer. Seu autoritarismo passou despercebido internacionalmente.

O presidente do Equador Lenín Moreno e seus aliados têm feito todo o possível para impedir que o ex-presidente Rafael Correa e seu movimento político voltem ao poder. Para atingir esse objetivo, o atual governo perseguiu oponentes e proibiu candidatos de concorrer. O autoritarismo de Moreno, até agora, passou despercebido internacionalmente. Com as eleições marcadas para fevereiro de 2021, é crucial que a comunidade internacional esteja atenta às persistentes tentativas do governo equatoriano de perverter o curso da democracia.
A principal estratégia do governo de Moreno foi tentar impedir o próprio Correa de ser candidato nas eleições de fevereiro de 2021. O legado de Correa de redução da pobreza e da desigualdade e crescimento econômico, em seus dez anos de mandato (2007-2017), significa que ele e o movimento político que criou ainda têm amplo apoio popular e representam a maior ameaça ao novo pacto de elite que Moreno consolidou meticulosamente. Moreno havia sido eleito inicialmente com uma plataforma de continuidade com a "Revolução Cidadã" de Correa. Uma vez no poder, no entanto, Moreno surpreendeu o Equador e o mundo ao orquestrar uma reversão política dramática. Em seguida, prometeu reprimir o correismo e desfazer dez anos de políticas sociais e econômicas de Correa.
Em fevereiro de 2018, após meses de ataque implacável e fortemente orquestrado por parte da mídia ao legado do ex-presidente, Moreno organizou e venceu um referendo para introduzir limites de mandato. Em um ano, a popularidade de Moreno despencou, diminuindo em mais de 50%. Mas na pequena janela de oportunidade que sua lua de mel política lhe proporcionou, o projeto político de Moreno foi capaz de cumprir seu objetivo principal: impedir que Correa se candidatasse à presidência de uma vez por todas.
Em junho de 2020, Correa anunciou sua intenção de concorrer à vice-presidência nas próximas eleições. A presença de Correa nas urnas sem dúvida aumentaria o potencial eleitoral de seu movimento e representaria uma clara ameaça para Moreno e sua aliança conservadora. Antecipando isso, Moreno já havia resolvido que sua opção mais segura seria banir Correa da política equatoriana para sempre.
Perseguição a Correa
A única maneira de garantir isso era por meio de uma forma claramente agressiva de judicialização da política ou "lawfare", inspirada em ataques judiciais contra adversários políticos em outras partes da América Latina, como no caso contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil. Para levar a cabo seu plano, Moreno precisava de controle estrito sobre o sistema de justiça, que ele conseguiu ao deslizar uma proposta no referendo de 2018 que lhe outorga poderes extraordinários sobre o judiciário. O referendo permitiu a Moreno nomear anti-correistas ferrenhos e de sua confiança para chefiar instituições autônomas. Tendo controle sobre o Conselho Judiciário, o Tribunal Constitucional, a Procuradoria-Geral e a Controladoria-Geral, ele conseguiu lançar todas essas instituições contra seus inimigos correistas.

Atualmente, há cerca de 25 investigações criminais em andamento contra Correa. Por um tempo, o principal caso contra Correa o acusava de supostamente ter ordenado o sequestro fracassado em 2012, na Colômbia, de Fernando Balda, um fugitivo pouco conhecido da justiça equatoriana ligado à redes criminosas, à extrema direita e ao ex-presidente colombiano Álvaro Uribe. O caso gerou uma ordem de prisão preventiva contra Correa, o suficiente para impedi-lo de retornar ao Equador. Essa decisão proporcionou grande alívio temporário a Moreno e seus aliados.
Mas em agosto de 2020, a principal testemunha no caso, um sargento da polícia equatoriana que havia sido fundamental nas acusações contra Correa, buscou refúgio na Argentina, onde anunciou que havia sido ameaçado com pena de prisão de nove anos caso se recusasse a testemunhar contra Correa.
Felizmente para Moreno, outra investigação criminal contra Correa, desta vez por acusações de corrupção, dera ao regime o resultado tão esperado. Em abril de 2020, Correa foi condenado a oito anos de prisão e foi destituído de seus direitos políticos por 25 anos.
O caso da promotoria contra Correa baseou-se principalmente no depoimento de Pamela Martínez, uma ex-assessora de Correa, que afirma ter aceitado dinheiro de empresários em 2013 e 2014, com o conhecimento de Correa. Ela produziu um bloco de notas no qual Martínez detalha as quantias que afirma ter recebido. O caderno está escrito no presente, apesar de evidências terem revelado que foi impresso fisicamente em 2018, cerca de quatro anos após os supostos eventos ocorridos.
Martínez afirma agora ter escrito o conteúdo do caderno “por impulso”, em um vôo de 45 minutos de Quito a Guayaquil em 2018. Assim, de memória, Martínez afirma ter incluído verbetes como: “Hoje recebi Alexis Mera em meu escritório (…) Solicitei uma reunião com o presidente para informá-lo sobre o pedido de Alexis”; e "o vice-presidente me diz para receber o envelope e entregá-lo IMEDIATAMENTE (...)"; com a palavra "entregue" contendo um risco na diagonal, como se a tarefa houve sido sido realizada. Sua contabilidade precisa dos fundos recebidos também é um tributo à impressionante capacidade de Martínez de lembrar, quatro anos depois, do centavo exato: "13.306,88" dólares americanos, anotou no caderno.
No entanto, o tribunal aceitou o bloco de notas como uma peça-chave de prova. Correa foi considerado culpado – na ausência de envolvimento demonstrável nos alegados crimes – de "influência psíquica" sobre um grupo de funcionários públicos por cometer atos de corrupção.
Os advogados de Correa apelaram da sentença. Por um tempo, o governo temeu que os recursos de Correa não se esgotassem até 17 de setembro, dia em que os partidos podem começar a registrar seus candidatos para as eleições de fevereiro de 2021. (Os candidatos têm imunidade de acusação até depois das eleições.) Para impedir a candidatura de Correa, o processo de apelação, que normalmente leva meses, teria que ser bastante acelerado.
Mesmo no contexto de uma pandemia que forçou o judiciário equatoriano a praticamente encerrar e adiar todas as audiências não urgentes, o recurso de Correa convenientemente quebrou recordes. Enquanto o recurso do ex-presidente equatoriano Jamil Mahuad demorou quatro anos para ser ouvido em um tribunal de cassação, o recurso de Correa durou apenas 17 dias, desde a audiência de cassação até a entrega da sentença final escrita. Esses juízes, todos nomeados durante a intervenção de Moreno no judiciário, sem surpresa, confirmaram o veredicto de abril.
A popularidade e credibilidade de Moreno, de 8%, são as mais baixas para qualquer presidente desde o retorno da democracia no Equador, em 1979
Correa atualmente reside na Bélgica, país natal de sua esposa, e a Interpol, em suas tentativas de não se envolver em casos politicamente motivados, negou repetidamente os pedidos do Equador para emitir um alerta vermelho contra ele. Em última análise, isso pouco importa para a aliança anti-correista. Embora muitos queiram ver Correa na prisão, mesmo que isso provavelmente gere uma reação política prejudicial aos seus interesses, o verdadeiro propósito do veredicto é prejudicar o legado de Correa, impedi-lo de estar fisicamente presente em o país e proibi-lo de concorrer às eleições.
Neutralizar o correismo
A outra linha de ataque do regime tem sido minar a força organizacional do correismo. O objetivo é evitar que Correa e seus seguidores tenham um partido político coerente e funcional. Em 2017, Moreno tirou com sucesso Correa do Alianza País, o partido que Correa havia criado em 2006 em sua primeira candidatura à presidência. Como ex-vice-presidente de Correa, Moreno sabia que, para lançar uma campanha eficaz contra Correa e seu legado, precisava neutralizar o movimento de Correa.
A oportunidade surgiu quando a liderança de Moreno no Alianza País foi contestada por vários partidários de Correa. Outra decisão judicial deu a Moreno o controle total sobre o partido. Claro, a Alianza País era essencialmente correista e, uma vez que seu líder histórico foi marginalizado, a maioria de seus membros abandonou o navio. Mas plenamente consciente de seu papel de transição, o objetivo de Moreno nunca foi realmente ter um partido forte próprio. Seu objetivo fazer com que a maior força política do Equador não tivesse um. Deu certo.
Correa e seus seguidores procuraram criar um novo partido, mas suas tentativas foram sistematicamente frustradas pelas autoridades eleitorais controladas pelo governo. Em 2019, os correistas foram finalmente forçados a aderir a uma organização política pré-existente, chamada Fuerza Compromiso Social. Assim, em 19 de julho de 2020, as autoridades eleitorais do Equador simplesmente suspenderam o Fuerza Compromiso Social do registro dos partidos políticos, impedindo-o de apresentar candidatos para as próximas eleições. Como resultado, em agosto de 2020, os correistas foram forçados a buscar os auspícios de outro partido, o Centro Democrático, para hospedar as candidaturas do movimento.
A popularidade do movimento de Correa
Os inimigos de Correa sabem que essa jornada sem fim de pular de um partido para o outro, com sua correspondente mudança de nome, cor, símbolo, número identificador e relações incômodas com a liderança dos partidos anfitriões, gera uma fraqueza organizacional que prejudica a capacidade do partido de devotar sua energia à tarefa de obter apoio popular. E, no entanto, apesar dessas tentativas incessantes de corroer a margem de manobra de Correa, as pesquisas de agosto de 2020 confirmaram que o correismo continua a ser uma força a ser reconhecida, com grandes chances de ocupar o primeiro lugar no primeiro turno das eleições presidenciais de fevereiro de 2021. Em todo o caso, a nomeação, em 18 de agosto, do jovem economista Andrés Arauz como seu candidato presidencial deu ao correismo um impulso renovado.
Moreno, por outro lado, enfrenta um futuro incerto. Sua popularidade e credibilidade declinantes, de 8%, são as mais baixas para qualquer presidente desde o retorno da democracia no Equador, em 1979. Em outubro de 2019, a ira popular irrompeu contra o programa de austeridade neoliberal do governo, apoiado pelo FMI, resultando nos maiores protestos no país em décadas. O governo apenas recuperou o controle da situação depois de reprimir brutalmente os protestos: 11 pessoas morreram, pelo menos 1.500 ficaram feridas e mais de 1.200 foram presas. Seguiu-se uma onda de prisões de figuras da oposição, incluindo funcionários eleitos. Vários legisladores buscaram refúgio na embaixada mexicana e foram transferidos para um local seguro meses depois.
A pressão popular e o escrutínio internacional, surpreendentemente ausentes até agora, serão necessários para pressionar o governo Moreno a desistir de mais perseguições
Em 2020, a dramática má gestão de Moreno da crise da Covid-19 tornou-se notícia mundial quando as ruas de Guayaquil se encheram de cadáveres abandonados enquanto os serviços de saúde e mortuários da cidade entraram em colapso. A pobreza e a desigualdade também aumentaram nos últimos dois anos. E uma série de escândalos de corrupção estão causando estragos no governo de Moreno. O próprio presidente enfrenta acusações de ter usado uma conta offshore no Panamá para receber subornos.
Moreno pode contar com a proteção dos Estados Unidos assim que terminar seu mandato. Afinal, em um claro esforço para garantir o apoio do governo do país, mudou radicalmente de posicionamento em muitos assuntos internacionais: a saída do Equador da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), que Washington sempre viu como rival da Organização dos Estados Americanos (OEA) e contrária aos seus interesses; a remoção do direito de asilo de Julian Assange na embaixada do Equador em Londres; o reconhecimento de Juan Guaidó, apoiado pelos Estados Unidos, como presidente da Venezuela; a participação em um programa renovado de cooperação militar dos Estados Unidos e do FBI, incluindo o treinamento de militares equatorianos pelos Estados Unidos; e o alinhamento inabalável do Equador com a administração Trump em praticamente todas as votações no Conselho Permanente da OEA.
Depois de prender e forçar muitos membros da oposição ao exílio, suprimindo brutalmente protestos e proibindo Correa e seu partido político de concorrer nas próximas eleições, o governo de Moreno cruzou mais de uma linha na violação de direitos políticos essenciais no Equador.
Até agora, a mídia local e os Estados Unidos deram carta branca a Moreno, uma aquiescência que pode levar Moreno a acreditar que tem muito a ganhar com seu deslize autoritário e muito a perder se permitir uma vitória cada vez mais provável para Arauz, em fevereiro. Como resultado, o rumor que circular nos círculos políticos do Equador sugere que o governo já está tramando uma estratégia para impedir que Arauz concorra. A pressão popular e o escrutínio internacional, surpreendentemente ausentes até agora, serão necessários para pressionar o governo Moreno a desistir de mais perseguições e dar a aparência de eleições livres e justas.
A perseguição política e a manipulação das eleições pelo governo de Moreno já convenceram um grande segmento, talvez até a maioria, da população equatoriana de que as eleições não são livres e justas. Se o governo proibisse ou prejudicasse ainda mais a candidatura de Arauz, as pessoas gritariam fraude. O conflito político pode atingir níveis sem precedentes e comprometer a estabilidade democrática do Equador em um futuro próximo. Este é um território desconhecido; não apenas antidemocrático, mas também perigoso e irresponsável.
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