
Por que a cultura de estar ocupado é tão prejudicial

Nunca parecemos ter tempo suficiente para realizar todas as coisas que precisamos fazer. A vida está sempre uma loucura. Mas o que isso adiciona às nossas vidas?
A cultura mainstream nos diz que estar ocupado é uma virtude, por isso queremos estar ocupados mesmo que nos queixemos disso. Isso significa que somos produtivos e temos um propósito. Ideias como “tempo é dinheiro” e “mente vazia, oficina do diabo” ajudaram a definir nossa cultura. Ambas ideias andam e sintonia mãos dadas com a economia capitalista global, que depende de nos manter ocupados para aumentar a produtividade, expandir os mercados e incentivar o hiperconsumo. Estar tão ocupado também ajuda a nos impedir de questionar as suposições e valores que impulsionam a própria ocupação.
Estar sempre ocupado faz parte de um conjunto mais amplo de estruturas que limitam nossas escolhas e nossa capacidade de nos sentirmos satisfeitos. O que chamamos de “hegemonia do estar ocupado” refere-se a dois processos inter-relacionados. Primeiro, estar ocupado é uma poderosa pressão cultural. Em segundo lugar, e mais importante, essa ideia perpetua o sistema social que torna os ricos mais ricos e cria pessoas cada vez mais vulneráveis economicamente. Somos impelidos a fazer mais e a querer fazer mais, mas a estar sempre ocupado limita nossa capacidade de melhorar nossa felicidade geral, promover maior equidade ou salvar nosso planeta ameaçado.
Nossa ordem econômica e política global incentiva um estado de atividade constante que prejudica o bem-estar individual e comunitário. Somos bombardeados por tanta informações que simplesmente não sabemos por onde começar. A falta de tempo limita nossa capacidade de conversar com vizinhos e nutrir comunidades. Se tempo é dinheiro para alguns, é também o que dá sentido às nossas vidas. Estar sempre ocupados nos desconecta de nossos habitats sociais, preocupando-nos com tarefas intermináveis e informações muitas vezes sem sentido.
O problema começa com crianças antes mesmo de entrar no jardim de infância
O resultado é que tanta atividade enfraquece nossa saúde física e mental, bem como nossa capacidade de pensar e aprender. A sociedade moderna transformou o homo sapiens no que a ex-profissional de tecnologia e fundadora da Consciously Digital Anastasia Dedyukhina chama de homo distractus - pessoas que são continuamente inundadas de informações e perpetuamente distraídas.
Cada vez mais, estudos mostram que a nossa realidade de estar sempre online e cheios de atividades mina nossa capacidade de nos concentrar e pensar profundamente. Com os olhos focados nas minúsculas telas que carregamos, nos habituamos a "leitura dinâmica", e nossa capacidade de atenção estão limitados a 40-60 caracteres. Embora isso beneficie as empresas que disputam pelo nosso espaço mental, isso enfraquece nossas capacidades de escuta e empatia.
O tempo que passamos olhando para a tela do celular também está relacionado com o aumento das taxas de ansiedade e depressão. Tudo isso é um mau presságio para o funcionamento de democracias saudáveis, restringindo nossa capacidade de abordar as profundas divisões sociais e as urgentes crises ecológicas de nossos tempos. Perdemos nossa capacidade de realmente nos ouvirmos e nos concentrar o suficiente para entender e analisar questões complexas, deixando-nos despreparados para lidar com os problemas urgentes que enfrentamos.
A velocidade da comunicação digital, aliada a sistemas de distribuição de informações voltados para a empresa, solapou as normas e práticas democráticas de maneiras profundas. Apesar da capacidade da internet de democratizar o acesso à informação, as pessoas estão se tornando cada vez mais segregadas, tanto online como offline, o que nos torna alvos fáceis de notícias falsas, as famosas fake news. Estamos sendo classificados de acordo com nossos gostos, preferências e inclinações ideológicas.
As plataformas digitais precisam nos manter clicando em novos conteúdos, e pouco importa se isso promove uma interação social saudável. O resultado é que estamos menos em contato com pessoas de diferentes convicções políticas e com diversos interesses e experiências. No entanto, a democracia exige que as pessoas compartilhem um senso de propósito comum e o compromisso com o diálogo e a capacidade de chegar em acordos. Estes aspectos são essenciais para lidar com conflitos sociais e garantir igualdade e justiça para todos.
Além disso, a hegemonia de estar ocupado tem privado a esfera pública de seus principais ingredientes: cidadãos atentos com vontade e tempo de se engajar em projetos comuns. A economia moderna extrai atenção e energia da esfera pública, reduzindo nossa capacidade de responsabilizar os líderes políticos por prioridades e normas definidas publicamente.
O que é que nos leva a estar tão ocupados? Vemos três fatores principais do nosso estado frenético de atividade: mercados de trabalho competitivos, tecnologia, e cultura de consumo. Estamos sobrecarregados de trabalho e gastamos demais, segundo a economista Juliet Schor. E para compensar, estamos "nos divertindo até a morte" - ou seja, nos sedamos com entretenimento eletrônico e cultura de consumo. A tecnologia acelera e intensifica continuamente essas tendências.
Nós enfrentamos pressões cada vez maiores no trabalho. Alguns de nós lutam contra o desemprego ou subemprego, enquanto outros têm vários empregos ou trabalham mais e mais horas. A categoria de trabalhadores que mais cresce é o “precariado” - trabalhadores que carecem de segurança no emprego e benefícios tradicionais e que frequentemente trabalham por muito menos que um salário digno. A vulnerabilidade no ambiente de trabalho intensifica a competição e a pressão de ser bem-sucedido, e essa pressão afeta pessoas tanto em faixas etárias mais jovens quanto mais velhas.
O processo começa com as crianças antes mesmo de entrarem no jardim de infância. Os pais sentem-se pressionados a usar quaisquer vantagens que tenham para garantir que seus filhos tenham o capital cultural e os números para serem bem-sucedidos no futuro. E enquanto as gerações mais jovens vivem um tempo de mobilidade econômica decrescente, cortes nos benefícios dos trabalhadores e salários estagnados significam que os trabalhadores mais velhos de hoje são obrigados a se aposentar mais tarde com menos benefícios.
A nível individual, precisamos sair das nossas bolhas ideológicos, desacelerar, desconectar, e conversar com pessoas que talvez não compartilhem nossos pontos de vista
É possível sair desta situação?
Ao aceitar narrativas dominantes que priorizam a riqueza e transformam o tempo e outros recursos (incluindo relacionamentos) em formas de acumular mais, perpetuamos um sistema que gerou crises ecológicas e sociais sem precedentes. Somos cúmplices ao estar tão ocupados, e permitimos a extração contínua de energias sociais do bem-estar da comunidade e o acúmulo de coisas que acabam em nossos aterros sanitários.
Precisamos declarar o ato de estar sempre ocupados como uma patologia social. É hora de desafiar as narrativas dominantes e criar espaço para que mais pessoas se envolvam em conversas significativas sobre como a sociedade é organizada. Para fazer isso, precisamos mudar nossa história compartilhada sobre o tempo. Isso significa envolver-se em conversas mais críticas com grupos de pessoas mais diversificados sobre nossos usos da tecnologia e o caráter de nossas comunidades e organizações políticas. Criar espaços onde essas conversas podem ocorrer exige ações deliberadas da parte de todos. Essas conversas podem ocorrer em locais públicos, livrarias, lanchonetes ou igrejas. Mas primeiro, criar esses espaços e interagir com nossos vizinhos exige nosso tempo.
A nível individual, precisamos sair das nossas bolhas ideológicos, desacelerar, desconectar, e conversar com pessoas que talvez não compartilhem nossos pontos de vista. Precisamos ser intencionais sobre pausar e ouvir verdadeiramente as palavras dos outros, evitando pensar em nossa próxima resposta. As conversas não devem ser espetáculos de mídia social: são exercícios essenciais para lidar com conflitos e para construir comunidades. Recuperar nossas capacidades de conversação e empatia é o que nos ajudará a enfrentar os desafios críticos de hoje.
Mas o trabalho também deve acontecer em organizações e movimentos sociais para desafiar a normalização da saturação digital e ajudar as pessoas a se lembrarem de habilidades de comunicação perdidas ou atrofiadas que nos ajudam a conversar com pessoas que são diferentes de nós. Governos e escolas podem e devem ser líderes importantes no apoio a iniciativas para promover diálogos democráticos e reconstruir valores e práticas culturais mais voltados para a comunidade.
Desacelerar nos ajuda a ver mais além. Nos ajuda a pensar, e o pensamento nos ajuda a analisar as questões sociais, econômicas e políticas que enfrentamos tanto local quanto globalmente. É claro que pensar também é perigoso, principalmente para aqueles em posições de poder. Portanto, não é de surpreender que aqueles que estão no topo continuem a encorajar que estejamos sempre ocupados, incessantemente nos inundando com tarefas, divertimentos e insinuações que interferem em nossa capacidade de pensar profundamente e agir juntos para benefício mútuo.
Assim, a mudança requer trabalho não apenas a nível individual, mas na política, na sociedade civil e na economia. Precisamos criar políticas e práticas para controlar a chamada “economia da atenção”. Por exemplo, Tim Wu, autor de The Attention Merchants, argumenta em prol de um “projeto de recuperação humana” para restaurar o controle sobre nossas vidas. Nos Estados Unidos, o candidato presidencial pelo Partido Democrático Andrew Yang propôs um Departamento de Economia da Atenção. E as feministas há muito pedem o reconhecimento e o apoio material para o trabalho de cuidado necessário para reproduzir famílias e comunidades.
O uso mais consciente do nosso tempo preservaria mais desse precioso recurso para o trabalho essencial de construir uma sociedade mais justa, sustentável e democrática, que é a base de todo o nosso bem-estar.
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