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Por um pacto social, ecológico, econômico e intercultural para a América Latina

A pandemia é uma tragédia para muitas pessoas, cuja dor compartilhamos. Mas a pausa imposta pela Covid-19 ao capitalismo mundial também representa uma enorme oportunidade de mudança: a de construir nosso futuro a partir do cuidado da vida.

Pacto Ecosocial del Sur
16 Junho 2020, 8.45

Essa iniciativa, lançada em junho de 2020, nasce de um grupo de pessoas e organizações de diferentes países da América Latina. Nos motiva a urgência de construir dinâmicas sociais capazes de responder e combater a dinâmica de rearranjo capitalista, concentração de riqueza e destruição de ecossistemas que vemos emergir no meio da crise da Covid-19. Buscamos construir, com aqueles que desejem se unir, um horizonte coletivo de transformação para Nossa América que garanta um futuro digno. Mais informações e adesões individuais e de organizações: https://pactoecosocialdelsur.com/

Durante muito tempo, as elites nos disseram que nem o mercado nem a grande máquina de acumulação capitalista podiam ser detidos. Mas, sim! É possível puxar o freio de emergência quando a vida está em perigo.

A crise exposta pela pandemia potencializou as desigualdades e mostra que nosso futuro está em jogo. Uma parte da população está trancada, outra parte enfrenta contágio, repressão e fome. Os povos indígenas e afro-americanos estão expostos a uma nova onda de extermínio; a violência patriarcal e racista e os feminicídios aumentaram. Enquanto isso, antigos e novos grupos de poder aproveitam a emergência para garantir que o “retorno à normalidade” ou a “nova normalidade” não os deixe sem benefícios.

A pandemia é uma tragédia para muitas pessoas, cuja dor compartilhamos. Mas a pausa imposta pela Covid-19 ao capitalismo mundial também representa uma enorme oportunidade de mudança: a de construir nosso futuro a partir do cuidado da vida.

Apesar de existirem feridas profundas na natureza, esse freio forçado no capitalismo também significou desacelerar a destruição dos ecossistemas, principalmente devido à diminuição das emissões de CO2. As classes médias mundiais experimentam coletivamente a possibilidade de viver sem esse consumo exacerbado que causa destruição ambiental e ameaça a própria vida no planeta; que a felicidade e a qualidade de vida têm dimensões mais relevantes do que possuir e acumular coisas, como viver em um tecido de relacionamentos afetivos confiáveis.

Tornou-se evidente que a vida camponesa, os sentidos da comunidade, o cuidado e a reciprocidade são fundamentais para sustentar a vida; que, apesar de vivermos no capitalismo, não vivemos pelo e para o capital. Nos conscientizamos de que o comércio direto, as trocas sem dinheiro e as redes fora dos mercados capitalistas hoje resolvem muitas de nossas necessidades básicas; e sentimos também que elas têm espaço e potencial para o futuro.

Mesmo em ambientes formais, ideias anteriormente inconcebíveis ou consideradas inviáveis, ocupam um lugar central na agenda global. Até agências econômicas como a CEPAL propõem uma renda básica universal, e o Fundo Monetário Internacional recomenda que os governos introduzam um imposto sobre a riqueza, para combater a desigualdade escandalosa e reduzir os déficits fiscais. No Norte Global, movimentos sociais e políticos estão lutando por um novo pacto ecossocial global para salvar o planeta, que articule justiça social e justiça ambiental.

Propostas do Pacto Social, Ecológico, Econômico e Intercultural para a América Latina

Retomando propostas elaboradas coletivamente em diferentes contextos, propomos um Pacto Social, Ecológico, Econômico e Intercultural para a América Latina. Este pacto não é uma lista de demandas que dirigimos aos governos em exercício. Em vez disso, é um convite a criarmos imaginários coletivos, acordarmos uma direção compartilhada da transformação e uma base para plataformas de luta nas mais diversas áreas de nossas sociedades. Convoca movimentos sociais, organizações territoriais, sindicais e de vizinhos, comunidades e redes, mas também governos locais alternativos, parlamentares, magistrados ou servidores públicos comprometidos com a transformação a mudar as relações de força, por meio de plebiscitos, projetos de lei ou muitas outras estratégias com um impacto real para impor essas mudanças às instituições existentes por parte de uma sociedade organizada e mobilizada.

Este pacto não é uma lista de demandas que dirigimos aos governos em exercício. Em vez disso, é um convite a criarmos imaginários coletivos

Nesse sentido, os pontos abaixo buscam articular justiça redistributiva, de gênero, étnica e ambiental. Alguns preveem um maior protagonismo para as instituições públicas e outros se referem mais a práticas e mudanças de fato tecidas a partir de baixo e que estão se expandindo horizontalmente.

  • Transformação tributária solidária. Propostas nacionais de reformas tributárias de acordo com o princípio: “Quem tem mais, paga mais – quem tem menos, paga menos”. Inclui-se aqui o imposto sobre herança, grandes fortunas, megaempresas, rendimentos financeiros e, como medida transitória, danos ambientais. Em vez de todxs pagarem impostos universais e apenas alguns terem proteção social, propomos que apenas aqueles que têm mais impostos paguem impostos, mas que todos estejamos protegidos.
  • Anulação das dívidas externas dos Estados e construção de uma nova arquitetura financeira global. Nesses momentos extraordinários, justifica-se parar de pagar a dívida externa, como foi feito em 1931/32, e conforme proposto pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o próprio Presidente da França Emmanuel Macron ou o Papa Francisco. A anulação da dívida externa dos países do Sul Global constitui um primeiro passo de reparação histórica, tendo em vista a dívida ecológica e social contraída pelos países centrais desde o período colonial.
  • Criação de sistemas locais e nacionais de cuidado que coloquem a sustentabilidade da vida no centro de nossas sociedades. O cuidado é um direito e, como tal, deve incluir um papel mais ativo do Estado e das empresas na consulta e na corresponsabilidade permanente com os povos e as comunidades. Isso permitirá combater a insegurança no emprego e obter uma melhor distribuição das tarefas de cuidado, em termos de classes sociais e gênero, uma vez que incidem de maneira desigual sobre as famílias e, nelas, sobre as mulheres. Devemos promover políticas públicas que vinculem o cuidado à proteção social, atendendo às necessidades dos idosos em situações de dependência, crianças, pessoas com deficiências graves e outros indivíduos que não conseguem atender às suas necessidades básicas.

Tornou-se evidente que a vida camponesa, os sentidos da comunidade, o cuidado e a reciprocidade são fundamentais para sustentar a vida

  • Uma renda básica universal que unifique a política social através da introdução de uma renda básica para todxs e que substitua as transferências condicionais focalizadas, herdadas do neoliberalismo, a fim de sair da armadilha da pobreza. A própria CEPAL acaba de recomendar isso aos governos latino-americanos. Reduzir a jornada de trabalho sem reduzir os salários, para distribuir tanto o emprego formal como as tarefas de cuidado.
  • Priorizar a soberania alimentar. Em um momento em que a América Latina possui o maior grau de concentração de terra no mundo, é prioritário o desenvolvimento de políticas que visem a redistribuição de terras, acesso à água e uma profunda reforma das políticas agrárias, afastando-se da agricultura industrial de exportação com seus terríveis efeitos ambientais e sociais. Trata-se de priorizar a produção agroecológica, agroflorestal, pesqueira, rural e urbana, promovendo o diálogo de saberes. Fortalecer os mercados camponeses e locais. Criar redes de distribuição de sementes para garantir sua livre circulação, sem propriedade intelectual. Fortalecer redes de distribuição campo-cidade e certificação comunitária entre consumidores e produtores. Promover a propriedade social, coletiva e comunitária da terra, gerando soberania para quem dela cuida e nela trabalha, e protegendo-os da especulação.
  • Construção de economias e sociedades pós-extrativistas. Para proteger a diversidade cultural e natural, precisamos de uma transição socioecológica radical, uma saída planejada e progressiva da dependência do petróleo, carvão e gás, da mineração, do desmatamento e das grandes monoculturas. É necessário avançar rumo a matrizes energéticas renováveis, descentralizadas, desmercantilizadas e democráticas, com modelos de mobilidade coletiva, segura e de qualidade. O risco de colapso climático deve ser reduzido, uma ameaça mais séria do que a pandemia, como mostram as inundações, secas, deslizamentos de terra e incêndios.
  • Recuperar e fortalecer os espaços de informação e comunicação a partir da sociedade, atualmente dominados pelas mídias corporativas e redes sociais corporativas que estão entre as empresas mais poderosas de nosso tempo. Disputar os sentidos históricos da convivência, a partir de meios cidadãos e populares, mas também da rua, da praça e dos espaços culturais.
  • Autonomia e sustentabilidade das sociedades locais. A pandemia mostrou a fragilidade das cadeias globais de produção e a riqueza dos esforços locais e nacionais. A enorme criatividade dos povos latino-americanos deve ser a base de mudanças políticas que promovam a autonomia e a sustentabilidade dos territórios e sociedades locais. Significa fortalecer a autodeterminação de povos indígenas, camponeses, afro-americanos e experiências populares de comunidades urbanas em termos econômicos, políticos e culturais; desmilitarizar os territórios e a sociedade como um todo; apoiar mercados locais; democratizar o crédito, apoiar pequenas e médias empresas, a soberania energética local comunitária com base em modelos sustentáveis e renováveis.
  • Por uma integração regional e mundial soberana. É imperativo favorecer os sistemas de intercâmbio local, nacional e regional em nível latino-americano, com autonomia do mercado mundial globalizado que estimulem alternativas ao monopólio corporativo. A introdução de moedas paralelas ao dólar em diferentes escalas, deve permitir uma desconexão relativa da perigosa dinâmica do mercado mundial, fortalecendo as trocas entre os países da região e sua diversificação econômica complementar.

Adesões e contatos

* Quem somos? 1.400 pessoas e mais de 300 organizações apoiam o Pacto em sua semana de lançamento. As primeiras assinaturas podem ser consultadas aqui: https://pactoecosocialdelsur.com/quienes-somos/

* Adesões: As adesões individuais e de organizações podem ser feitas diretamente no site do Pacto Latino-americano: https://pactoecosocialdelsur.com/

* Contatos de imprensa, comentários e propostas podem ser enviados às pessoas de contato do Pacto:

Argentina: Maristella Svampa ([email protected]) e Enrique Viale ([email protected])

Bolívia: Mario Rodríguez Ibáñez ([email protected])

Brasil: Breno Bringel ([email protected]), Rudrigo Rafael de Souza ([email protected]) e Vanessa Dourado ([email protected])

Chile: Lucio Cuenca ([email protected]) e Antonio Elizalde ([email protected])

Colômbia: Arturo Escobar ([email protected]) e Tatiana Roa Avendaño ([email protected])

Equador: Alberto Acosta ([email protected]), Esperanza Martínez ([email protected]ógica.org) e Miriam Lang ([email protected])

Peru: Jaime Borda ([email protected]) e José de Echave ([email protected])

Venezuela: Edgardo Lander ([email protected])

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