
Cartaz em apoio à comunidade LGBTQ na Turquia depois da repressao levada a cabo pelo governo Turco em junho de 2016. Berlin, 2016. Todos os direitos reservados.
Apesar de que os nossos movimentos e lutas coletivas carecem dos recursos suficientes para determinar o estado atual do no meio operativo, diversas investigações apontam a um facto preocupante: os espaços democráticos estão a converter-se no alvo da repressão dos governos e dos atores não estatais violentos. E o pior de tudo é que há muito pouca prestação de conta em relação aos riscos, às ameaças e à violência a que se enfrentam aqueles indivíduos, inspirados e comprometidos, que à volta do mundo lutam por um objetivo comum: viver em sociedades livres, igualitárias e justas, e em comunidades onde as nossas identidades não só são aceites incondicionalmente, mas também celebradas.
As ameaças e as restrições às liberdades civis tornaram-se públicas quando o Concelho de Direitos Humanos da ONU nomeu um Enviado Especial para a Liberdade de Reunião e Associação em 2010 e 2013, deixando claro que as liberdades reconhecidas e garantidas internacionalmente, as mesmas que permitem a todos os cidadãos participar nos processo democráticos, estavam em perigo. Além disso, no ano passado, a organização Freedom House informou que 2015 foi o décimo ano consecutivo no qual se produziu uma diminuição da liberdade global no que às liberdades civis diz respeito. Esta analise foi corroborada pela CIVICUS, que identificou uma lista de 96 países – lista essa que não para de crescer – nos quais existem “sérias ameaças” para as operações da sociedade civil.
Os dois somos ativistas, e vimos da Turquia e Brasil respetivamente. Ambos países puseram em andamento ataques contra aqueles que exigem aos seus governos prestar contas pelas violações dos direitos humanos, assim com aqueles que trabalham ativamente com movimentos para alcançar um mundo livre de violência e discriminação. Contudo, a resiliência dos movimentos nos nossos países permite-nos ser menos pessimistas sobre a nossa capacidade coletiva para conseguir uma mudança significativa.
Dando-nos conta de como os movimentos à volta do mundo estão a repensar as suas estratégias e a estabelecer contactos com as lutas de diversas regiões e temas, estamos a rever ligeiramente o enquadramento da repressão à que diversas formas de ativismo em todo o mundo estão a ser expostos. Os movimentos de todo o mundo estão a reclamar espaços democráticos e estão a responder.
Infelizmente, o Estados mais poderosos do mundo, incluído os Estados Unidos, a China, a Rússia e a África do Sul – com imensos recursos económicos, equipamentos tecnológicos sofisticados e poderosos exércitos – têm medo de uma coisa por cima de todas as outras: das pessoas, organizações e movimentos que documentam as violações dos direitos humanos e a incapacidade dos governos para fazer valer a justiça e igualdade. Numa tentativa de proteger os interesses dos governos ilegítimos ou dos seus lideres, o ativismo converteu-se numa questão de segurança nacional. Aos olhos dos governos nós somos os vândalos, e trazemos connosco um dissentimento indesejável que questiona a sua legitimidade e os obriga a prestar contas.
Nos Estados Unidos, o movimento #BlackLivesMatter desafia o racismo enraizado, enquanto exige responsabilidade às forças de segurança pelos ataques sistemáticos contras as vidas dos cidadãos negros. Na Rússia, a repressão contra o ativismo LGBT não é mais que uma patética tentativa de defender uma narrativa hétero-normativa e patriarcal necessária para manter de pé o regime de Putin. Neste país, o ativismo homossexual é interpretado como uma ameaça iminente ao status quo. Na China, apesar da imensa vigilância e intimidação a que estão sujeitas, as organizações de direitos das mulheres desafiam a discriminação e a violência de género, e, coletivamente, a defesa dum espaço publico livre de acosso sexual. Na África do Sul, um forte ativismo indígena em defesa da terra, do território e da vida resiste às associações público privadas que se dedicam sobretudo ao extrativismo. Apesar da aparição de novas forças de opressão, crescem as gretas nos velhos sistemas de poder devido aos esforços de aqueles que lutam por recuperar os espaços democráticos.
Ao faze-lo, os esforços dos diversos movimentos para repensar as estratégias e aprender das experiencias de outros, utilizam-se como uma tática deliberada para fortalecer as respostas às ameaças, aos riscos e às violações. Um exemplo recente foi a criação em março de 2015 da WHRD MENA Coalition (Coligação Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos no Médio Oriente e no Norte de África) para responder à violência e às restrições. Ainda que MENA tenha uma longa historia de colaboração regional, este esforço formal para reunir as WHRDs (Mulheres Defensoras de Direitos Humanos) de diferentes movimentos para elaborar uma estratégia comum, desenvolver novas ideias e aprender uns dos outros é coerente, está adequadamente estruturado e permite fortalecer as respostas regionais. Deve ter-se em conta que a coligação foi criada num momento no qual a região foi abalada pela guerra, pela violência sectária e por interesses antagónicos e altamente polarizados.
Em dezembro de 2015, a Coligação MENA uniu esforços com a iniciativa IM-Defensoras – uma rede WHRD que opera na Cidade do México e em Oaxaca – para aprender das suas experiencias únicas e partilhar estratégias. Falando do valor desde intercambio, Sara Abughazal, de WHRD MENA, afirmou que a colaboração WHRD-MENA foi uma experiencia de aprendizagem única, uma vez que se deram conta que as “redes podem proporcionar um apoio vital, e, mais importante, desmitificar a ideia que a WHRD esta sozinha. Como aportam um sentido de permanência e funcionam como uma ponte na direção de movimentos maiores, demo-nos conta que nenhuma WHRD é uma ilha”. Ana María Hernández, do Consorcio Oaxaca, apoia esta ideia, dizendo que “este tipo de experiencias nos fazem mais fortes e ampliam a nossa perspetiva sobre as múltiplas formas de trabalhar. Estamos cheios de energia para continuar a trabalhar numa nova forma de convivência social”.

Protestos em Sao Paulo no dia 22 de maio, 2014, exigindo melhores casas e políticas. Laura Daudén. Todos os direitos reservados.
O valor da colaboração entre movimento é incalculável num mundo onde o estado recorrem constantemente a estratégias que tentem deliberadamente isolar e desmoralizar os ativistas. Em 2012, na Turquia, uma ampla aliança entre os defensores dos direitos das mulheres, os movimentos LGTB e de outras minorias pressionou o governo e participou ativamente na legislação de uma das leis mais progressistas contra a violência na região, e definitivamente, no mundo, apesar dos problemas que existem chegada a hora de aplicar a mesma. Ninguém pode negar que a Turquia é um país livre de violência de discriminação de género. Contudo, também há que reconhecer as contribuições significativas das alianças entre movimentos, que conseguiram contrariar a repressão contra as identidades e as diferentes lutas. No Brasil, por exemplo, a colaboração entre movimento foi crucial para reduzir o dano provocado por uma draconiana legislação antiterrorista. A intricada aliança de movimentos e organizações, de todos os tamanhos e setores sociais, conseguiu pressionar o governo, fazendo com que varias restrições arbitrarias e desproporcionadas – que de ter sido implementadas teria afetado gravemente o ativismo – fossem retiradas.
Em novembro de 2015, durante uma reunião da sociedade civil global, Maina Kiai, a Enviada Especial para a liberdade de reunião pacifica e de associação, disse o seguinte: “Os velhos métodos não estão a funcionar. Chegou o momento de pensarmos em novas formas de impulsar esta agenda. Temos que pensar de forma inovadora”. E estamos. Devido a esta razão muito particular, o Forum AWID, que terá lugar na cidade de Bahia, Brasil, entre os dias 8 e 11 de setembro, reunirá diversos componentes dos espaços democráticos para coletivamente reavaliar os nossos métodos e proporcionar respostas e estratégias inovadoras para recuperá-lo.
Para fazer frente à repressão e ampliar os nossos espaços para a ação, devemos internalizar uma cultura democrática dentro dos nossos movimentos. Não deve haver espaço para os obstáculos que impeçam a absoluta aceitação e celebração das nossas diferentes identidades e lutas. Movimento de diferentes regiões e exigência complementam-se entre si devido à grande quantidade de experiencia e estratégias. Somente ao proporcionar o espaço e os recursos para que os movimento se conheçam, colaborem e aprendam, seremos capazes de oferecer respostas de uma forma criativa e inovadora. No nosso caminho na direção de estratégias novas e eficazes, todos devíamos aproveitar as experiencias dos ativistas e dos movimentos que nos precederam, e que resistiram a ataques violentos, similares aos que nos enfrentamos atualmente.
Este artigo foi publicado pela primeira vez na openDemocracy 50.50 como parte da série: AWID Forum Feminista Futuros: construindo o poder coletivo de direitos e justiça. Bahia, Brasil 08-11 setembro.
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