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Ameaças ao rio Curilla na Amazônia colombiana

Nas margens do rio Curilla, um pequeno afluente do Putumayo, no coração da floresta amazônica colombiana, um grupo de indígenas Murui Huitoto entra no coração da floresta para combater o tráfico ilegal de madeira com uma única arma: a palavra. English

César Molinares Edilma Prada
2 Dezembro 2019, 12.01
Vista aérea do Rio Amazonas durante o pôr-do-sol.
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Foto: Pablo Albarenga. Todos os direitos reservados.

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Este artigo foi finalista do concurso de jornalismo indígena organizado pela Survival International, democraciaAbierta e El Espectador.

Em 2 barcos, um grupo de 15 indígenas Murui fica olhando por um momento a foz do rio Curilla. Naquele momento, Martín Charry, um de seus líderes, recorda a recomendação feita dias atrás por seu avô Braulio Okainatofe, a mais alta autoridade tradicional da Associação de Comunidades Indígenas do Alto e Médio Putumayo, Acilapp.

"Devemos ser cautelosos", enfatiza Martín, repetindo as palavras do ancião. Dias antes, os nativos se reuniram na maloka (casa comunitária) de Puerto Leguízamo para mambear coca e ambil (tabaco local). Cada um tomou a palavra e em Murui (sua língua indígena) discutiu os preparativos para realizar uma expedição, para verificar a queixa feita por várias comunidades de que os colonos estavam cortando e roubando madeira de seus territórios.

Equipados com botas de borracha, barracas, mangas arregaçadas, duas espingardas de caça e um dispositivo de posicionamento global (GPS), os nativos ainda têm medo de enfrentar essas ameaças em seu território. A desmobilização das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - as FARC - ainda é recente e novos grupos ilegais estão chegando a esses territórios.

As mortes deixadas pelo narcotráfico e pelo controle da guerrilha por décadas, que chegaram ao fim com sua recente desmobilização e a assinatura do acordo de paz com o governo colombiano, ainda estão latentes.

Mas por trás desse processo, essas comunidades ainda enfrentam vários problemas, como o plantio de coca para fins ilegais e a exploração de madeira. Esses são alguns dos fatores, juntamente com o gado e a mineração ilegal, que estão acabando com as florestas. E com elas, o modo de vida dessas comunidades originárias.

Esta não é a primeira vez que estranhos entram em seus territórios, como foi o caso da bonança madeireira nas décadas de 1970 e 1980, que acabou com o cedro entre as décadas de 1990 e 2000.

O Curilla é um rio de águas escuras, solitário e sinuoso, que nasce floresta adentro da área de proteção ambiental Predio Putumayo (a maior do país) e que deságua no Putumayo. Fica a 36 quilômetros de Puerto Leguízamo e é o limite de várias comunidades indígenas Murui e Quichua.

Nesse braço, é comum ver canoas com indígenas e colonos jogando suas redes de pesca. Assim como rebocadores que remetem para a Amazônia profunda se aproximam da costa quando os moradores locais têm algo para vender, como peixe e madeira.

Naquele braço, os madeireiros entregam as toras cortadas dos lados colombiano e peruano aos rebocadores, que obtém salvo-condutos emitidos pela autoridade ambiental Corpoamazonia, com a qual podem levar a madeira rio acima.

Essa prática é, historicamente, uma maneira de branquear a madeira neste local remoto.

Esta não é a primeira vez que estranhos entram em seus territórios, como foi o caso da bonança madeireira nas décadas de 1970 e 1980, que acabou com o cedro entre as décadas de 1990 e 2000

Durante meses, os nativos planejaram verificar se estranhos estavam entrando em seus territórios, aproveitando para extrair seus recursos ilegalmente e sem autorização. Também queriam verificar que não estivessem modificando as fronteiras entre as comunidades, gerando conflitos entre elas.

Depois de uma hora, Curilla acima, os barcos com os indígenas encontram carroças de madeira que se projetam por centímetros de água. "É achapo", gritou um deles que se aproxima cautelosamente. Esse tipo de árvore (conhecida no Brasil como Cedrorana, Cedro-agono, Cedro-branco e Taperibá-açu) é uma das madeiras mais valiosas e exploradas da Amazônia, utilizada na construção de móveis, portas, vigas e colunas. Eles contam cerca de 90 blocos que podem chegar a custar um milhão de pesos (cerca de US$ 285) em Puerto Leguízamo.

Vale recordar que, em julho de 2017, a guarda indígena encontrou no mesmo rio vagões de achapo, extraídos ilegalmente. Dizem que ninguém tem permissão para cortar árvores, mas mesmo assim o fazem. Por serem autoridades territoriais, podem confiscar a madeira, assim como o barco. A carga de madeira ilegal está localizada no limite das comunidades de Puntales e Quebraditas.

Nos últimos oito anos, a Corpoamazonia entregou três licenças de uso florestal referentes a essas reservas indígenas. Isso causou confrontos entre as diferentes comunidades indígenas, já que muitos consideram que as suas florestas estão sendo exploradas além do limite, e com os acordos que fizeram com os intermediários, sobra muito pouco para os locais.

Isso foi confirmado pelo líder dessa reserva, Francisco Charry. "Tínhamos uma licença, mas a comunidade disse que não dá mais". Em Yarinal, onde vivem do plantio de alimentos, sacha inchi (uma planta amazônica da qual extraem óleos e outros produtos) e da pesca, eles cortam a madeira necessária e a vendem para rebocadores.

No entanto, o impacto da falta de controle da extração ilegal de madeira já é sentido. Às 5 da tarde, a expedição indígena instala as barracas e dois deles pegam suas espingardas para caçar.

Os caçadores sabem que os animais na floresta saem para para se alimentar à noite. Lá é normal encontrar antas e pacas, que são fundamentais em sua dieta. Mas pela manhã, os homens voltaram de mãos vazias.

"Agora a caça é uma questão de sorte", disse Fabio Valdez Masicaya, um ancião indígena que orienta a expedição. Para ele, uma das razões da ausência de animais é o som de motosserras. "Isso os assusta", concluiu.

Territórios disputados

Seis horas rio acima, a floresta se torna densa. Nos dois lados do Curilla existem riachos e furos (pequenos rios cobertos pela vegetação), imperceptíveis quando visto de cima.

Aqui, explica Martín, o problema entre as comunidades é que não existem fronteiras claras, o que permite que pessoas de foram entrem sem permissão para explorar os recursos. A distância e esse vazio também facilitam que façam o mesmo com a madeira.

Em uma curva do Curilla, os barcos param em uma de suas margens, onde encontram outra carga ilegal. "É perillo", reconhece um dos nativos, um tipo de madeira muito procurada para móveis e muito comercializada no interior do país (conhecida no Brasil como cumã-uaçu, sorva-grande e sorveira). Enquanto um deles segura o barco, outro grupo entra na floresta para procurar madeireiros nas proximidades.

A meio quilômetro eles encontram um entable, como chamam o lugar onde cortam e armazenam a madeira. Eles calculam que há menos de quatro dias derrubaram dois perillos, um jovem e o outro robusto. Eles sabem porque a casca das árvores está fresca, moribunda.

"Perillo é uma espécie que estão derrubando com agressividade", diz Martín, que afirma que a prática está prejudicando a cadeia alimentar de micos que comem seus frutos e estão desaparecendo dessa região.

A descoberta desse entable traz à tona o conflito entre as comunidades Kaiyano, La Quebradita e La Samaritana. Um indígena que integra a guarda garante que esse a derrubada dessa madeira não foi acordada com eles. “O acordo que temos é que o que é retirado do Curilla deve ser discutido com as três comunidades. Estamos preocupados que o trabalho esteja sendo feito sem a legalização do território”, afirmou.

Para eles, a madeira encontrada naquele entable foi cortada ilegalmente, por se tratar de um território disputado e que, para sua extração, seria necessário realizar um processo de consulta prévia que nunca foi realizado.

Eles sabem que a madeira está acabando, e com ela a floresta. Esta é sua última chance de protegê-la.

Muito perto dali, a uma hora de onde foi encontrado o entable, está o principal campo de exploração madeireira de La Quebradita, aprovado em fevereiro de 2017 pela Corpoamazonia. É uma casa rústica, cercada por blocos de madeira secando ao sol. Lá eles encontram Arcesio Carvajal Hurtado, administrador do campo, e sua esposa.

Luis Alberto Cotte Muñoz, que acompanha a guarda e é responsável pela área dos territórios de Acilapp, explica que muito perto eles encontraram outro entable com madeira que eles supõem ser ilegal. Martín acredita que os blocos que eles retiram dessa área seriam legalizados com salvo-condutos de outros territórios.

Arcesio se defende, assegurando que eles estão vendo perillos e achapos de locais autorizados. "Tudo é legal", ele murmura. No entanto, ele disse que seus trabalhadores encontraram uma grande trilha que vai para La Samaritana, outra reserva, a uma hora de distância, e que eles viram madeireiros ilegais lá.

Martín e Luis Cote alertam para que notifiquem as comunidades sobre as cargas que serão levadas pela foz, porque continuarão com os controles. Enquanto isso, alguns da guarda checam o local e tomam as coordenadas, para verificar o que o madeireiro diz.

Eles saem do local com a intenção de enfrentar os quichua, donos do campo de exploração e informar a autoridade ambiental sobre a atividade ilegal que viram. Eles sabem que a madeira está acabando, e com ela a floresta. Esta é sua última chance de protegê-la.

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Vídeo- https://www.youtube.com/watch?v=ZpChi5TFKQY&list=PL5X4WtwZ_ck3dyiAsAwUq47w96xda4YSZ&index=2&t=14s

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