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Secessão democratizada na Escócia e na Catalunha

A democracia não acaba com o secessionismo, senão que o transforma, proporcionando-lhe uma base sociopolítica, a capacidade de durar, e as ferramentas que lhe permitem circunvalar o Estado para dedicar-se à construção da nação. English. Español.

Ryan Griffiths
17 Setembro 2015
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Bandeiras Escócia e Catalunha. Edinburgo, 2014. Flickr: alguns direitos reservados.

Os movimentos secessionistas são numerosos e apresentam-se em todas formas e tamanhos. Nas minhas investigações identifiquei 55 movimentos secessionistas em ativo em todo mundo, segundo dados de 2011. Estas nações aspirantes a ter um Estado existem num amplo espectro de países, desde regimes autoritários repressivos até democracias avançadas. Muitos destes movimentos têm sido violentos, e são responsáveis por aproximadamente quase da metade das guerras civis desde 1945.

Poderíamos pensar que a democracia deveria apaziguar o secessionismo ao outorgar um maior peso político aos grupos minoritários ao proporcionar-lhes vias políticas não violentas. Isto é, em parte, verdade. Os dados mostram que o secessionismo violento é menos provável em democracias avançadas, mas não sabemos exatamente por que isto é assim. Em sociedades democráticas ricas, os secessionistas são simplesmente menos propensos a tomar as armas, e inclusive a tomar-se sua própria opção secessionista seriamente.

Mesmo assim, para o secessionismo, a democracia raramente representa uma panaceia. Existe alguma evidência de que o secessionismo é mais provável em regimes em transição que caminham para a democracia. A introdução de instituições democráticas estabelece um meio sociopolítico onde os líderes das minorias podem jogar a carta nacionalista, fazer campanha em questões baseadas na identidade, e procurar a saída do Estado através da secessão. Pensa-se que as democracias maduras podem superar este problema cooptando as elites, mostrando-lhes como a opção de ter peso político é melhor que a de sair do Estado. Esta perspectiva parece-se muito à que está geralmente admitida nos círculos académicos, e alguns têm concluído que, à medida que a sociedade realiza a sua transição para uma democracia avançada, o secessionismo deveria desaparecer.

Mas a democracia não diminui o secessionismo, senão que o transforma. De facto, o conflito violento é menos comum, e isto é positivo. No entanto, como se vê nas experiências recentes da Escócia e da Catalunha, o secessionismo nas democracias modernas é persistente. De facto, diferencia-se de outras formas de secessionismo de maneira significativa, e isso tem consequências para esta forma de “secessionismo democrático”.

Um dos aspectos mais importantes da secessão democratizada é seu carácter de movimento social, de abaixo acima. Em sociedades menos desenvolvidas e menos democráticas, o secessionismo é quase sempre um projeto liderado pela elite, e seus líderes políticos são cooptados pelo Estado. Diz-se que Artur Mas, o presidente de Catalunha e líder do movimento independentista, só se fez secessionista no ano 2012, quando o governo central não lhe concedeu certas demandas e a Assembleia Nacional Catalã (ANC), uma organização cívica dedicada a promover a secessão, persuadiu-o para que se somasse à sua causa.

Este caráter de abaixo acima do secessionismo democratizado não é negativo. Após tudo, o sentimento nacionalista flui desde a gente, e parece mais sincero que o tipo de projetos de acima abaixo, em que as elites tentam manipular a identidade nacional. No entanto, desde a perspectiva do Estado, o secessionismo de abaixo acima é mais difícil de manejar porque está mais profundamente arraigado, e a estratégia de cooptar às elites resulta insuficiente. Agora trata-se de cooptar as pessoas.

Este arraigo profundo proporciona durabilidade aos partidos políticos e às organizações cívicas que promovem a independência. Muitos disseram que quando os nacionalistas escoceses perderam o referendo no ano passado, o assunto ficava em suspenso por uma geração. Mas, agora que o Partido Nacionalista Escocês (SNP) tem aumentado sua popularidade e domina a política escocesa, já não o diz ninguém. A líder do SNP aguarda pacientemente, e só espera a que Londres presente um casus belli para legitimar a convocação de um novo referendo.

Além disso, os secessionistas nas sociedades modernas contam com numerosas ferramentas para defender sua causa. Há um dito antigo que diz que uma língua é um dialeto que conta com um exército e com uma armada. Mas Vicent Partal, um jornalista, empresário e defensor da independência de Catalunha, tem atualizado o dito assinalando que hoje em dia uma língua é um dialeto que conta com cobertura em Google. A Catalunha tem domínio próprio (.cat) e foi a primeira nação sem estado em obter cobertura em Google. Este fato, segundo Partal, tem aumentado dramaticamente o alcance e o uso do catalão, um elemento vital para o desenvolvimento do nacionalismo.

Todos estes são aspectos da secessão democratizada, e todos eles podem ser contemplados positivamente. Este secessionismo não é simplesmente um projeto das elites. Arraigado na cultura local, tem a capacidade de conformar agendas políticas, e os partidos que assumem estas agendas utilizam métodos democráticos para defender os interesses de seu eleitorado. A comunicação moderna ajuda a estas vontades, ao criar um meio aberto em que as ideias podem ser expressadas sem a interferência do Estado. Manifestamente, a secessão democratizada tem o seu lado positivo.

O inconveniente jaz no seu potencial para gerar instabilidade. Os projetos secessionistas criam divisão, não só entre a região e o Estado, senão também dentro da própria região, entre aqueles que querem a independência e aqueles que não a querem. Uma queixa habitual entre escoceses e catalães é a divisão que gera dentro da comunidade, e entre os amigos e a família. A secessão é um assunto de muita envergadura, e não existem regras claras ou precedentes sobre com que facilidade e com que frequência possam ser organizados referendos sobre a independência. Em grande parte, os acontecimentos em Escócia e na Catalunha representam experiêncas de secessão democratizada.

Preocupa do mesmo modo a forma em que a secessão democratizada muda as condições da negociação entre o Estado e a região. O SNP pode ter sequestrado o resto do Reino Unido sobre determinadas questões –como por exemplo sobre se o Reino Unido deve permanecer ou não na União Europeia, ameaçando com convocar um novo referendo sobre a independência. Desta maneira, a mera ameaça de uma secessão política pode ser utilizada para adquirir um maior peso político.

É por isto que secessão democratizada representa um dilema tão relevante. Por um lado, as fronteiras soberanas são meros acidentes da história, produto da conquista e do intercâmbio de territórios entre governos. A correspondência entre territórios e identidade nacional é raramente a talha perfeita que os líderes dos Estados querem nos fazer crer. Parece intrinsecamente democrático e moderno que às nações minoritárias há que lhes conceder o direito a autodeterminar-se e inclusive a optar pela independência baixo certas condições.

Mas por outro lado, existe uma verdadeira inconstância e volubilidade na identidade nacionalista, e seus críticos acertam ao assinalar que referendos fáceis de convocar e autodeterminação sem restrições podem conduzir à instabilidade. Este tipo de democracia direta é de alto voltagem e altamente fragmentaria. É uma maioria simples dos votos suficientes para romper um país em dois e, se isso é assim, pode a outra metade convocar seu próprio referendo contra a independência?

Junto com outros investigadores, tenho argumentado que o direito à secessão põe em evidência uma tensão básica entre o princípio liberal de autodeterminação e o direito soberano à integridade territorial. Trata-se de um conflito situado no coração das relações internacionais contemporâneas, ao perguntar-se que é o que tem precedência: o direito do Estado a manter seu território, ou o direito de um povo a escolher seu destino político? Em realidad, os movimentos secessionistas põem sobre a mesa esta questão.

Mas existe outra tensão, quiçá mais importante, que surge com a secessão democratizada. A soberania e a integridade territorial do Estado não seriam agora o obstáculo, pelo menos não na mesma medida, já que em sua forma mais pura o secessionismo democratizado reconhece a importância da autodeterminação. Aqui a tensão existe entre duas noções diferentes da democracia liberal, entre a liberdade de escolher e a busca de estabilidade política. Quem conta como nação? Com que frequência podem convocar um referendo? Qual é a número de votos considerado suficiente para a vitória? A secessão democratizada põe de relevo estes assuntos tão espinhosos e, para além dos departamentos de filosofia, muito poucos têm começado a contemplá-los.

Parte do problema arraiga no caráter inovador da secessão democratizada. É menos aceitável para os governos suprimir o secessionismo em um meio global que a cada vez é mais liberal e democrático, desde que o secessionismo persiga seus fins de maneira pacífica e democrática. Junto a este caráter inovador está a apreensão dos governos a sentar as bases dos procedimentos adequados, a criar precedentes e, potencialmente, a favorecer a criação de movimentos secessionistas domésticos.

Os acontecimentos na Escócia e na Catalunha estão a estabelecer um precedente. Estão a escrever o guião da secessão democratizada e vão influenciar o comportamento futuro, tanto dos governos, como dos próprios secessionistas.

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