
Soldados do exército mexicano queimando marihuana confiscada. Susana Gonzalez DPA/PA Images. Todos os direitos reservados.
Perante a profunda crise de legitimidade à que se enfrenta o México, devem surgir vozes criticas. A chegada de Trump ao outro lado da fronteira deve acelerar a urgência de enfrentar as mudanças necessárias, num país que celebrará eleições presidenciais em 2018, no meio dum ambiente incerto. A série México na encruzilhada pretende dar voz a estas visões críticas.
São amplamente conhecidos os números que nos deixaram uma década de guerra contra o crime organizado no México: cem mil mortos e trinta mil desaparecidos. Apesar da história negra que contam, faltando inclusive os nomes e apelidos detrás de cada um desses números, não entendemos os grupos criminosos geralmente responsáveis por diferentes tipos de violência que vive o país. Assim, no México, adotámos uma perspetiva principalmente maniqueia, segundo a qual o crime organizado está formada por uma série de “cartéis” liderados por um ou uns poucos cabecilhas que aparentemente são capazes de supervisionar todos os aspetos operativos do negócio e pertencem a uma categoria genérica: o narco.
Alguns dirão que o México não é o país mais violento do mundo, nem sequer da América Latina, e que em todos os lugares há crime e mortos – o que, com alguns matizes, é verdade. Mas ainda que se tratem, em qualquer caso, de atos cometidos por criminosos, não são iguais. Mais além das comparações com outras sociedades violentas, o que importa é que o México de 2017 é um país fundamentalmente diferente do México com anelos democráticos de 2000. Obviamente, não tudo foi negativo, mas, em matéria de segurança, a pergunta relevante é: que aprendemos depois de 10 anos de luta aberta contra o crime? A realidade sugere que muito pouco.
Alguns dirão que o México não é o país mais violento do mundo, nem sequer da América Latina, e que em todos os lugares há crimes e mortos.
Um dos exemplos mais claros é a estratégia destinada a capturar e extraditar aqueles que se acreditam serem os lideres das organizações criminosas, com o objetivo de debilitar ou pôr termo às suas atividades. Durante o sexénio de Felipe Calderón no poder (2006-2012) o México prendeu ou matou 25 dos 37 supostos lideres de organizações criminosas (Beittel, 2013) e durante a administração de Peña Nieto, o caso mais famoso, ainda que não o único, foi o de Joaquim Guzmán Loera, El Chapo. Mas, apesar de extraditar ao país vizinho os supostos lideres criminosos, e da nova ordem executiva assinada pelo presidente dos Estados Unidos para combater organizações criminosas transnacionais, os incentivos para abastecer o maior mercado de drogas ilícitas do mundo persistem.
De acordo com o Relatório Anual sobre as Drogas (2014) publicado pela Oficina as Nações Unidas contra a Droga e o Delito (UNODC), em 2013 el consumo de drogas ilegais nos Estados Unidos por parte de pessoas e 12 anos de idade ou maiores, alcançou o nível mais alto da década, recorde que ia acompanhado por uns preços de retalhista igualmente altos – os mais caros do mundo, – o que vem demonstrar que um mercado de drogas ilegais flutuante dificilmente se verá alterado pelas supostas capturas de chefes de organizações criminosas.
Que fazer então se a captura e a extradição dos cabecilhas não for a solução? Supor que existe uma resposta inequívoca seria o mesmo que ignorar a complexidade do problema ao que nos enfrentamos. Existem aquelas soluções que oferecerão resultados a longo prazo (mais além do argumento apresentado aqui) e aquelas que implicam, hoje, dar um passo atrás e repensar o narcotráfico. Para isso, é preciso abandonar as histórias de narcos e deixar de atribuir ao crime organizado todos os atos violentos que ocorrem no país, com o objetivo de eximir o Estado de responsabilidades.
Que fazer então se a captura e extradição dos cabecilhas não é a solução?
Repensar o narcotráfico é um convite para refletir sobre o facto de que as organizações criminosas não são atores homogéneos e unitários, envolvidos somente no tráfico de drogas ilícitas. Quer dizer, não todos os indivíduos dentro duma organização criminosa trabalham com o mesmo ímpeto nem seguem as mesmas ordens da organização com o mesmo interesse. De forma similar a outras organizações, os grupos criminosos apresentam, por uma parte, áreas de sofisticação, e, por outra, elementos ordinários semelhantes aos das organizações legais. Em consequência, é necessário entender quais são as áreas de sofisticação assim como as suas características comuns, com o objetivo de poder desenhar políticas que debilitem o crime a longo prazo.
Por exemplo, apesar dos relatórios públicos sobre a fragmentação de grupos criminosos, não se entende porque algumas organizações são mais proclives a separar-se que outras. Quer dizer, por que motivo os Cavaleiros Templários se separaram da Família Michoacana, e estes dos Zetas, que por sua parte, abandonaram o Golfo. Neste sentido, mais além dos supostos conflitos entres indivíduos, as variáveis de interesse são a politica de captura e extradição de lideres e a estrutura dos grupos.
É preciso entender quais são as suas áreas de sofisticação, assim como as suas características comuns, com o objetivo de poder desenhar politicas que debilitem o crime a longo prazo.
Na medida em que as políticas públicas para limitar as atividades criminosas se centraram em prender ou eliminar os cabecilhas, nos grupos criminosos isto gerou incentivos para descentralizar a toma de decisões. Quer dizer, a descentralização pode proteger a viabilidade das operações ao distribuir o risco através duma rede que tem flexibilidade e, também inteligência limitada – quando uma célula é desmantelada, a informação que pode partilhar não afeta a sobrevivência de todo o grupo.
Uma estrutura celular oferece flexibilidade, mas também é mais instável. Tendo em conta que as células se comunicam pouco entre elas – por motivos de segurança – também carecem de oportunidades para aprender “boas práticas” que evitem a sua captura. Igualmente, geram uma maior tolerância ao risco, o que incentiva a diversificação de atividades criminosas. Esta combinação de instabilidade e incentivos a diversificar leva os grupos a fragmentar-se e a procurar ingressos através de extorsões e sequestros – de tal forma que a violência se torne num componente essencial do modelo de negócio das organizações celulares. Assim, a violência que vive Michoacán, por exemplo, vai mais além dos relatos de meros capangas convertidos em cabecilhas.
Em resumo, se o que queremos é um país menos violento, então chegou a hora de re-conceitualizar os argumentos que nos levaram a estratégias com resultados sub-óptimos. É necessário pensar nos grupos criminosos como organizações em sim mesmas, mais além das histórias de narcos, e realizar uma aproximação séria que procure entender o funcionamento dos grupos que, ainda que sendo todos criminosos, são diferentes uns dos outros.
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