50.50: Feature

Cidades dos EUA lideram ações para proibir a 'terapia de conversão sexual'

Apesar da oposição da direita religiosa, ativistas vêm conquistando a criminalização de práticas que buscam "curar" pessoas LGBTQI+

Teddy Wilson
Teddy Wilson
13 Julho 2021, 12.01
A ativista Melissa Moore fala no Trans & Queer Field Day na Carolina do Sul, maio de 2021
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Mahkia Greene, SC United for Justice & Equality

“Quando você força alguém a reprimir quem ele realmente é, ou pelo menos a descoberta de quem ele é, isso não é liberdade, isso não é o Evangelho”, disse Dylan Gunnels, um defensor dos direitos LGBTQI+ e sobrevivente da ‘terapia de conversão’ ao openDemocracy.

No mês passado, Gunnels compartilhou sua experiência com o conselho municipal de Columbia, Carolina do Sul, nos Estados Unidos, onde mora. Ele descreveu seu próprio “trauma psicológico” após os esforços persistentes para mudar sua sexualidade. “A ciência mostra que é mais prejudicial do que útil”, afirmou.

A capital do estado da Carolina do Sul é um exemplo recente de uma tendência que se espalhou pelos EUA – pelo menos 90 cidades, condados e outros municípios já tomaram medidas contra práticas controversas de 'terapia de conversão', que tentam mudar a orientação sexual ou identidade de gênero de uma pessoa. Quase metade (43) o faz desde 2019.

Em 4 de maio, o conselho da cidade de Columbia aprovou, em primeiro voto, um decreto que torna ilegal "fornecer terapia de conversão ou terapia reparativa a um menor [...] quando o provedor recebe compensação por tais serviços". O decreto obteve aprovação final em 16 de junho.

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Essas práticas foram condenadas por dezenas de associações médicas em todo o mundo e são “realmente terríveis, desacreditadas e prejudiciais”, disse Logan Casey, pesquisador sênior de políticas do grupo da sociedade civil Movement Advancement Project (MAP), com sede no Colorado.

Casey atribui a ação contra a 'terapia de conversão' em nível local a "um aumento da consciência pública". Isso “realmente tem um impacto quando as pessoas percebem que este ainda é um problema contemporâneo, e algo precisa ser feito para proteger as crianças”, disse.

“Me parte o coração saber que um jovem seria submetido a tais coisas”, disse o membro do conselho de Columbia, Tameika Isaac Devine, ao openDemocracy.

O Trevor Project, que promove a proibição da 'terapia de conversão', descobriu em uma pesquisa de 2020 que 10% dos jovens LGBTQI+ foram submetidos a essas práticas e "relataram mais do que o dobro da taxa de tentativas de suicídio no ano passado" em comparação com aqueles que não foram.

Ação local e oposição

Movimentos para banir a "terapia de conversão" parecem ter ganhado impulso cidade a cidade, gerando apoio público e poder político. Em 2021, sete governos municipais e de condado aprovaram proibições, e pelo menos um outro (Norman, em Oklahoma) está estudando uma lei semelhante.

Muitas dessas leis locais não previnem 'terapias de conversão' para menores de 18 anos quando realizadas por organizações religiosas

A comissão local de direitos humanos em Norman (uma cidade de aproximadamente 120 mil habitantes) votou recentemente a favor de um decreto que proíbe profissionais médicos de ministrar terapia de conversão a menores.

Essas leis locais normalmente proíbem 'terapias de conversão' para menores de 18 anos fornecidas por profissionais de saúde licenciados pelo estado, mas muitas não previnem tais práticas quando realizadas por organizações religiosas.

Grupos conservadores proeminentes que se opõem aos direitos LGBTQI+, assim como alguns legisladores do Partido Republicano, têm se oposto veementemente a essas proibições.

Em todos os EUA, 20 estados e o Distrito de Colúmbia também aprovaram legislação que proíbe 'terapias de conversão' em menores, sendo as últimas em Utah e Virgínia, no ano passado. A maioria dessas proibições foi aprovada com apoio bipartidário; oito foram assinados por governadores republicanos.

Este ano, pelo menos três dezenas de projetos de lei para proibir ou restringir a 'terapia de conversão' foram apresentados nas legislaturas estaduais em todo o país, mas poucos foram ouvidos.

Durante sua campanha presidencial, Joe Biden se comprometeu a apoiar a Lei de Prevenção de Fraude Terapêutica, que proibiria a 'terapia de conversão' comercial em nível federal. Outro projeto de lei proibiria o financiamento federal por meio do programa Medicaid, usado para pagar por esses programas. Mas a ação real, ao que parece, ainda está no nível local.

“É extremamente importante que continuemos a buscar a proibição federal da terapia de conversão”, disse Casey, do MAP, mas “os ativistas estaduais continuarão pressionando por proibições locais e a adoção de proteções enquanto lutamos por uma lei federal que capte a atenção pública.”

“Vemos muitas leis locais surgindo, à medida que os residentes assumem a responsabilidade de criar proteções quando o estado não intervém”, explicou Casey.

Resistência e resiliência

O vereador Devine descreveu como o conselho examinou decretos aprovados por outras cidades, com a ajuda do LGBTQ+LO, um bloco da Liga Nacional das Cidades (NLC), bem como texto fornecido pela Human Rights Campaign (HRC), a organização de defesa dos direitos LGBTQI+ mais proeminente dos EUA.

Embora a política reacionária na Carolina do Sul seja familiar real, "Há outra história aqui, que é a rica história de resistência e resiliência”

“Por favor, faça o que é certo para os nossos jovens. Por favor, faça o que é certo para nossas populações mais vulneráveis”, disse Dylan Gunnels ao conselho. “Ao fazê-lo, vocês enviam a mensagem” de que a equidade e a proteção da juventude são “prioridade para a cidade”.

Gunnels é o fundador da Agape Table, um grupo que apoia pessoas LGBTQI+ de fé que passaram por traumas, incluindo 'terapia de conversão'. Depois de não conseguir ganhar uma cadeira no conselho da cidade em 2018, Gunnels trabalhou com seu ex-oponente – e atual membro do conselho –, Howard Duvall, em questões LGBTQI+ e de inclusão.

Embora o conselho da cidade de Columbia tenha agido como “defensor e um aliado”, de acordo com Gunnels, as igrejas locais e grupos religiosos uniram forças para se opor à proibição.

A Palmetto Family Council – uma filial da Carolina do Sul da Family Policy Alliance, um grupo nacional de lobby cristão e de direita – e as igrejas evangélicas conservadoras lançaram uma campanha de telefonemas aos vereadores da cidade para se opor ao decreto proposto.

“Eles estão enviando a mensagem [...] de que você não é bem-vindo na conversa, de que farão tudo em seu poder para lutar contra a equidade verdadeira”, disse Gunnels.

O senador estadual republicano, Josh Kimbrell, também enviou uma carta ao procurador-geral da Carolina do Sul pedindo-lhe que "revogasse" o decreto-lei de Columbia. Kimbrell descreveu o decreto como “um descontrole do politicamente correto”.

Kimbrell “não representa os cidadãos aqui em Columbia”, disse Devine ao openDemocracy. “Não dou muita atenção à carta dele.”

No início deste ano, Kimbrell patrocinou um projeto de lei malsucedido para incluir profissionais de saúde mental nas leis de 'direito de consciência' do estado, que fornecem proteção legal para aqueles que se recusam a fornecer procedimentos que violam suas crenças religiosas (como aborto ou prescrição de anticonceptivos). Kimbrell afirmou que o projeto de lei "substituiria qualquer decreto municipal", incluindo a proposta de Columbia de proibir a 'terapia de conversão'. Ele também patrocinou um projeto de lei para proibir mulheres trans de praticarem esportes no ensino médio.

“Se nossas vozes não fossem poderosas, aqueles que se opõem a nós se esforçariam tanto para nos silenciar”, disse Melissa Moore, coordenadora regional da Women's Rights and Empowerment Network e veterana defensora dos direitos LGBTQI+ na Carolina do Sul:

“A narrativa mais conhecida sobre a Carolina do Sul costumar focar em seus legisladores fanáticos e as coisas terríveis que acontecem a pessoas queer, negros e pardos e pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza”, disse Moore.

Mas, embora a política reacionária na Carolina do Sul seja familiar para Moore, "Há outra história aqui, que é a rica história de resistência e resiliência”, afirma.

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