Hospital na Colômbia. Wikimedia Commons.
Quando voltar à universidade, o Ministro Alejandro Gaviria terá um extraordinário case-study para analisar com os seus alunos: Saludcoop. Este caso daria para escrever uma tesina ou inclusive realizar um doutorado. Pelo menos para um workshop semestral, tendo em conta que versa sobre temas de regulação, sobre o funcionamento e financiamento do sistema de saúde, sobre a propriedade cooperativa, sobre os instrumentos estatais de resgate e como não, sobre o funcionamento dos órgãos de controlo.
O governo resgatou a maior Entidade Prestadora de Saúde (EPS) do país imediatamente depois de ter conhecimento dos desvios de fundos destinados à prestação de serviços de saúde em benefícios de certos administradores da EPS, ordenando quatro anos depois a sua liquidação.
Apesar da ampla cobertura mediática do caso, há preguntas básicas sobre o caso às quais as autoridades ainda não puderam responder com certeza.
A primeira, e mais óbvia, é se os administradores abusaram dos fundos públicos para deles se apropriarem indevidamente. A resposta parecer ser que sim. Aproveitaram uma espécie de vazio legal, que se extende não só à área da saúde mas também às múltiplas áreas nas quais particulares administram fundos públicos. Casos parecidas deram-se, por exemplo, na administração dos fundos que administram as Câmaras de Comércio ou a Federação de Cafeteiros.
Há um problema de regulação que não permite definir com certeza que podem fazer os particulares com os fundos que recebem como produto de um negócio autorizado por lei. Diz-se muitas vezes que a saúde se converteu num negócio e deixou de ser um direito, que há que dar marcha atrás, mas, por agora, que é um negócio não cabe nenhuma dúvida. Há empresas privadas que prestam um serviço público e como consequência disso recebem benefícios económicos. Que percentagem? Não se sabe, mas imagino que depende do eficientes que sejam. O problema é que neste caso a eficiência vai contra a qualidade da prestação de serviços.
Palacino, o administrador do negócio, que se aproveitou deste vazio legal ou alternativamente, violou a lei, foi sancionado pela Procuradoria e pelo Contralodoría de Estado; mas não foi chamado a responder penalmente. A explicação mais fácil é que enquanto Montealegre esteja na Procuradoria isto não vai acontecer porque o Procurador foi assessor de Saludcoop. Mas quatro anos depois essa explicação é insuficiente. Montealegre declarou-se impedido e não creio que os outros funcionários aceitem correr o risco de encobrir um delito desta magnitude. A pergunta então seria se realmente houve delito, uma vez que Palacino se limitou a aproveitar o vazio legal existente para realizar ditas operações e obter benefícios que não estao proibidos pela lei. Esta é a versão de alguns.
A Contralodoría de Estado, que começou este processo juntamente com o Governo, disse que tinha havido uma fraude no valor de 1.4 bilhões de pesos, tendo sido a decisão apelada pelo governo! Porem, o interventor, que é um funcionário oficial, pediu ao Tribunal Administrativo que anulasse a resolução do Controladoría de Estado. Quer dizer que o governo não acredita que tenha havido um desfalque nesse montante. Mas, além disso, ao mesmo tempo que se tornou pública a decisão de liquidar a Saludcoop, revelou-se durante o processo, através de uma prova pericial pedida pelo Governo, que o presunto fraude não era de 1.4 bilhões, mas sim de 75.000 milhões de pesos!
O enredo é de tal magnitude que o Governo facilitou aos utentes afiliados à Saludcoop, que são mais de quatro milhões, uma vez dada a ordem de liquidação, serem atendidos pela Cafesalud. Preguntei quem era o dono de Cafesalud e disseram-me que era, supreendentemente, a Saludcoop!
Quando, dentro de uns anos, na sua aula, o Ministro explique aos seus estudantes este caso, terá que explicar que a ordem de resgate sobre uma entidade que presta um serviço público, como o realiza a Saludcoop ou a Universidade de San Martín por dar dois exemplos, tem por objetivo salvar a entidade que está em risco e que uma vez que o mesmo é superado, o Estado está obrigado a devolver a administração da mesma aos seus donos. Quer dizer que se a intervenção fosse exitosa o Estado teria que devolver a EPS aos seus donos, assim como teria que devolver a Universidade San Martín à família Alvear, salvo que por motivos penais os donos fossem condenados por algum delito.
Neste caso no qual era politicamente inaceitável devolver Saludcoop aos seus donos, o resgate foi um desastre e a liquidação, inevitável. A liquidação obriga a vender os bens, pelo que o governo não pode dispor das clinicas, nem das máquinas destinadas à prestação de serviços, tendo que convertê-las em dinheiro para pagar aos credores ou chegar a um acordo com os mesmos para que aceitem receber ditas máquinas como pagamento. É absurdo que os instrumentos de intervenção que se usam na área da saúde ou da educação não estejam desenhados de tal forma a garantir a continuidade da prestação de serviços. O governo encontra-se num dilema enorme ao ter que arranjar a empresa e devolvê-la a quem supostamente a está a manejar mal ou usar os bens para continuar a prestar um serviço.
O Ministro disse que acha que o dinheiro chega para pagar as dívidas. Sendo assim ninguém seria penalizado, sendo este um estranho caso de fraude sem vítimas.
Um capítulo aparte, não analisado neste artigo, devería versar sobre quem é realmente o dono de Saludcoop, uma empresa cooperativa integrada por outras cooperativas. Na Colômbia estamos habituados a que as coisas sejam de alguém e por isso o mais fácil era supor que o dono da empresa era Palacino. Mas não. Os donos da Saludcoop são um grupo de cooperativas entre as quais se encontram, entre muitas outras, a cooperativa de professores da Universidade Nacional.
A propriedade cooperativa é um modelo desejável, tao simples como dizer que é melhor que as coisas sejam de muitos do que de poucos. Este tipo de propriedade está regulada na Constituição. E dita forma de propriedade é descrita nos acordos da Havana e em todas as recomendações de desenvolvimento rural como a forma empresarial mais adequada para dar rentabilidade e sustentabilidade à economia camponesa. Mas claro, gera um problema de diluição da responsabilidade que é o que no caso da Saludcoop supõe uma enorme fonte de confusão.
Kafka não teria sido capaz de imaginar um absurdo de tal magnitude: uma pessoa que se enriqueceu e abusou da administração de bens privados e públicos; que, surpreendentemente, não é chamada pela justiça; uma empresa que as pessoas pensavam que era de um particular, mas que os donos são na realidade três milhões e quinhentas mil pessoas; milhões de utentes que eram atendidos por uma EPS que se liquida; um desfalque no qual o dinheiro alcança para pagar aos desfalcados; e um prejuízo que não se sabe se foi de 1.4 bilhões ou de 75.000 milhões.
Esperemos que o Ministro volte á universidade e ali tenha tempo e calma para elucidar-nos sobre o que realmente aconteceu.
Este artigo foi publicado previamente na Silla Vacía.
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