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Corrida do ouro verde: maconha 'creepy' vira grande negócio na Colômbia

Apesar da Colômbia ser conhecida por seus vastos campos de coca, as encostas da região do Vale do Cauca estão cobertas por outro cultivo ilícito: uma maconha altamente potente. Español English

Seth Robbins
14 Agosto 2019, 6.08

Apesar da Colômbia ser conhecida por seus vastos campos de coca, as encostas da região do Vale do Cauca estão cobertas por outro cultivo ilícito: uma maconha altamente potente.

Essas variedades lucrativas de cannabis - conhecidas coletivamente como “cripa”, “cripy” ou “creepy” - estão sendo cultivadas em grandes quantidades por fazendeiros, vendidas por gangues locais e traficadas por poderosos grupos criminosos que controlam seu cultivo e transporte para os países vizinhos.

O que distingue a maconha "creepy" são os altos níveis da droga psicoativa THC. Enquanto as concentrações de THC da maconha normal costumam ser de um dígito, a "creepy" contém entre 15% e 25%, disse Juan Daniel Gómez, professor de neurociência da Pontifícia Universidade Javeriana em Bogotá. E isso produz um efeito diferente: "Seu efeito é muito maior, mas também dura menos", disse Gómez.

Embora ainda não esteja claro se essas variedades poderosas da maconha são prejudiciais, sabe-se que o THC tem o potencial de agravar as condições psiquiátricas. Gómez disse que o uso de "creepy" disparou localmente, com clínicas de dependência na Colômbia recendendo mais pacientes que abusam da droga.

"O que me surpreende é que você praticamente não encontra maconha normal agora", disse Gómez. O boom da maconha na Colômbia está em grande parte centrado em Cauca, um departamento (como os estados são denominados na Colômbia) que toca o Oceano Pacífico e inclui a cidade colonial de Popayán.

As cidades montanhosas afastadas ao norte fornecem o solo fértil para a colheita. Cauca foi responsável por 233 hectares de maconha em 2016, segundo o Observatório de Drogas da Colômbia (ODC).

Esse número, no entanto, é provavelmente maior, dado que nenhum método de pesquisa foi desenvolvido na Colômbia para plantações de maconha, segundo afirma o Sistema Integrado de Monitoramento de Cultivos Ilícitos das Nações Unidas (SIMCI) no seu relatório de 2016.

Mais de 6.000 agricultores cultivam maconha em Cauca

Mais de 6.000 agricultores cultivam maconha em Cauca. Essas fazendas podem variar de parcelas familiares de algumas centenas de plantas a quatro ou cinco hectares controladas por grupos de narcotraficantes, disse um engenheiro agrônomo que trabalha no cultivo de maconha ao InSight Crime.

O terreno médio tem cerca de 2.000 plantas, e um quilo de maconha custa entre 30.000 e 100.000 pesos colombianos (US$ 9 a US$ 45), dependendo do rendimento das lavouras, disse ele.

Grupos indígenas locais foram os primeiros a cultivar cannabis na região, e as leis de sua comunidade permitem que eles o façam. As variedades potentes que mais tarde se tornaram conhecidas como "creepy" começaram a chegar da Europa no início dos anos 80, mas foi somente nos anos 2000 que o cultivo realmente decolou, graças ao investimento de traficantes. "Saiu de controle", diz o engenheiro agrônomo.

A bonança do "creepy" tem atraído atores criminosos de todos os tipos. Gangues locais traficam maconha para cidades colombianas, enquanto grupos armados ilegais como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (ex FARC) cobram "pedágio" pelo transporte e venda de armas e droga. Segundo a Semana Rural, uma célula de dissidentes das FARC no norte do Cauca tem cerca de 200 homens.

Grandes traficantes transportam caminhões com mais de 1.600 quilos de maconha, diz a fonte. "Os narcotraficantes compraram quase tudo".

Grupos criminosos também trouxeram violência para a região ao lutar pelo controle de cultivos ilícitos, que também incluem coca e papoula. Em 2019, mais de 30 líderes indígenas foram mortos no norte de Cauca, e panfletos - assinados por diferentes atores - apareceram com ameaças contra eles.

"Tudo isso tirou a nossa paz", diz um líder indígena no relatório da Semana. "Crime, roubo, assassinatos todos disparados."

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O tráfico

No mês de junho, as autoridades colombianas apreenderam mais de 500 quilos de "creepy". Várias dessas operações foram realizadas na cidade caribenha de Barranquilla. A droga estava escondida em cargas de calçados, roupas e produtos agrícolas.

Os traficantes também esconderam 75 quilos da droga em armações de metal que continham maionese, molho de tomate e café para encobrir o cheiro de maconha, mas um cão treinado desmascarou o truque.

A maconha estava em grande parte destinada para uma gangue conhecida como "Los Costeños", que controla os pontos de tráfico de drogas na cidade e seus arredores, como indicado por uma matéria de El Heraldo. Por outro lado, em Medellín, segundo o El Colombiano, as máfias locais concentradas na federação criminosa conhecida como Oficina Envigado são responsáveis pela venda e distribuição de maconha "creepy".

Grandes quantidades da droga começaram a ser traficadas. Em abril de 2018, mais de 3.500 quilos foram descobertos em um caminhão-tanque em um posto de controle ao norte de Cauca. O departamento apreendeu recentemente 1,5 tonelada de maconha, envolta em fita marrom e carimbada com os rostos de Osama Bin Laden e Pablo Escobar.

Grandes remessas viajam para outros países ao longo de rotas estabelecidas de cocaína, como aquelas dominadas por grupos de tráfico de drogas na cidade de Santa Marta, na costa caribenha. A partir daí, a maconha é enviada de navio para Trinidad e Tobago e para a América Central, onde é vendida por até US$ 4.000 o quilo. Os traficantes inclusive também transportam a droga junto com cocaína. Na Bolívia, as autoridades descobriram quase 200 quilos de maconha "creepy", junto com cerca de 120 quilos de pasta de cocaína, rastreando um helicóptero até uma pista de pouso clandestina.

Todo mês, cerca de uma tonelada de maconha da Colômbia cruza a fronteira da Venezuela. A droga é geralmente escondida em sacos de açúcar ou dentro de máquinas, e é transportada a bordo de caminhões de carga que chegam na costa norte da Venezuela, onde são transportadas em pequenos barcos para outras partes do Caribe.

A maconha enviada para o Brasil a partir de Cauca viaja leste através da região amazônica. Em julho, as autoridades desmantelaram um grupo criminoso, conhecido como Los Puntilleros, que transportava três toneladas de droga por caminhão todos os meses nesta rota, para finalmente entregá-lo à poderosa gangue brasileira Família do Norte (FDN).

A "creepy" colombiana se extende até o sul, tendo chegado até o Chile, passando pelo Equador e pelo Peru, segundo o Relatório de Estratégia Internacional de Controle de Narcóticos de 2019, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, país onde o quilo chega a custar US$ 5.000.

Cidades agrícolas

No norte de Cauca existem quatro cidades que ocupam uma área de cerca de 80 quilômetros com plantações de maconha. Em conjunto, as cidades de Miranda, Corinto, Toribío e Jambaló têm uma população de cerca de 100.000 pessoas, quase a metade das quais vive em áreas rurais.

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O engenheiro agrônomo consultado pela InSight Crime afirma que até 70% das famílias e dos povos indígenas que vivem nas áreas rurais dessas cidades vivem do cultivo de maconha.

Cultivar essa potente variedade de cannabis não é fácil, mas com o tempo os agricultores de Cauca se especializaram em seu cultivo, diz o engenheiro. As luzes noturnas que favorecem o crescimento das plantas são tão comuns que, quando escurece, as colinas parecem cheias de “luzes de Natal”, diz ele.

Para impedir o cultivo de maconha ilegal, autoridades colombianas ordenaram que o serviço de eletricidade da região seja cortado de um dia para o outro.

No entanto, no final do mês passado, os moradores de Corinto e Miranda protestaram contra os apagões, bloqueando as estradas e impedindo que os funcionários das subestações de energia chegassem ao local de trabalho. Eles inclusive enfrentaram a polícia local.

O engenheiro indica que seria melhor para o governo encontrar uma maneira de trabalhar com os agricultores, seja por meio do cultivo de maconha para usos legais ou por meio de programas de substituição de cultivos.

Desligar as luzes não vai mudar muito as coisas, diz ele. "A maconha está em toda parte."

Este artigo foi originalmente publicado no Insight Crime e pode ser lido aqui.

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