Mecanismos de proteção temporária não são uma invenção latino-americana. Eles existem há pelo menos vinte anos, sendo atualmente adotados em diferentes regiões do mundo, da Turquia aos Estados Unidos. Criados como uma resposta a contextos de deslocamento massivo, onde os procedimentos de determinação da condição de refugiado são considerados inviáveis, os mecanismos de proteção temporária funcionam sob o pressuposto de que algumas crises têm duração limitada, e que a concessão de refúgio, seria, portanto, desnecessária. No entanto, diversos estudos têm mostrado como essas novas autorizações e vistos vêm, na realidade, substituindo o refúgio e criando uma nova classe de refugiados precários, condenados a viver no limbo por períodos indeterminados.
Na América Latina, esses mecanismos são extremamente instáveis, sendo em grande parte regulados por instrumentos ad hoc, como decretos presidenciais, resoluções normativas, e às vezes até mesmo atualizações de páginas web, o que os tornam particularmente propensos a mudanças abruptas. Esse fenômeno faz parte de uma tendência contemporânea mais ampla, na qual a governança da mobilidade vem se baseandoem políticas fragmentadas e contraditórias, processos desobreposição de diretrizes e combinação de normas formais e informais.
A maioria dos analistas parece concordar que é extremamente improvável que o próximo governo colombiano, que tem reiterado seu compromisso com os direitos humanos, revogueou restrinja substancialmente os direitos das pessoas detentoras de autorizações de proteção temporária. No entanto, não há clareza sobre se seria "legalmente" possível fazê-lo. Ou seja, se um decreto tem o poder de criar uma autorização de permanência, poderia outro decreto extingui-la? Além disso, ao contrário do refúgio, a proteção temporária não impede a deportação, o que significa que, pelo menos em teoria, o direito de permanência em território nacional ainda é amplamente suscetível a decisões discricionárias. Para além da precariedade de seu status, o silêncio sobre as propostas para a política migratória colombiana durante a corrida presidencial também contribuiu para ampliar a hesitação das pessoas migrantes com respeito ao seu futuro no país.
Ao final da nossa conversa, Eduardo disse que havia enviado uma carta ao Ministério das Relações Exteriores da Colômbia (Cancillería), perguntando se seria possível manter o PPT enquanto ele esperava a resolução da sua solicitação de refúgio. Caso esta fosse aprovada, ele elegeria o status de refugiado. A solução de Eduardo é razoável, já que não pressupõe uma escolha, sendo semelhante ao que é atualmenteaplicado nos Estados Unidos com a TPS. Entretanto, a resposta mais direta seria a conceção de refúgio prima facie a pessoas venezuelanas, com base na Convenção de Cartagena — política que só foi adotada no Brasil e no México. Ao invés disso, a palavra refúgio parece estar lentamente desaparecendo do vocabulário dos formuladores de políticas públicas latino-americanos. As novas categorias utilizadas, embora muitas vezes acompanhadas por belos adjetivos como“humanitária”, "especial" e "democrática", designam formas significativamente mais precárias de proteção. Dessa forma, as transições de poder nos países de destino — para além de seus resultados políticos — potencializam uma sensação de incerteza que é muito anterior e que deriva da aguda percepção, como no caso de Eduardo, de que as regras do jogo, a qualquer momento, podem mudar.
*Seu nome real foi alterado para proteger sua identidade
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