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Eleições 2016 no Brasil: quem controla mais recursos locais a partir de 2017?

O poder que adquiriram determinados partidos nas recentes eleições municipais, assim como a queda do PT, antecipa mudanças importante a nível estatal e federal. English Español

Leandro Monteiro Humberto Dantas
23 Novembro 2016
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Ato da campanha eleitoral no Rio de Janeiro, Brasil. 26 setembro 2016. AP Photo/Leo Correa. Todos os direitos reservados.

Não são poucas as interpretações, acerca do que move um partido político no mundo enquanto organização, que dão conta de mostrar a dependência dessas instituições em relação a dois recursos essenciais: cargos nas máquinas públicas que controlam e orçamento público. O primeiro ponto está associado, principalmente, à possibilidade de uma legenda acomodar seus filiados, que muitas vezes mesclarão as funções de servidores públicos e cabos eleitorais. Aqui se torna importante olharmos, sobretudo, para os cargos de livre provimento, ou os comissionados – a despeito da relevância de tantos outros espaços. Nesse caso, existe espaço pra todo tipo de função: das mais básicas às mais elaboradas, do sujeito que efetivamente vai trabalhar àquele que será conhecido como funcionário fantasma e pairará em outros espaços, dos mais altos salários da administração aos menos portentosos.

Ademais, que fique claro: essas posições não serão ocupadas apenas pelo partido que ganhou a eleição – e a palavra “partido”, em algumas cidades, sequer faz sentido. Consideremos que muitos desses espaços assentam gente técnica, que vem até mesmo da própria máquina e coloca a mão na massa pra avançar com políticas públicas. Segundo porque parte dessas vagas são ofertadas a aliados eleitorais, bem como servem para promover cálculos futuros com vistas a outros pleitos, que transcendem a própria prefeitura.

Cruzar candidatos não eleitos com espaços ocupados nas máquinas controladas pelos partidos em outras localidades é um ótimo começo para entender esse fenômeno. Quando ele volta como candidato no pleito seguinte, temos a nítida sensação que os partidos utilizam governos como incubadoras de talentos eleitorais. A Assembleia Legislativa de cada estado é um ótimo termômetro para isso: técnicos desse poder afirmam que gabinetes precisam “ter votos”, ou seja, deputados são assessorados por políticos de suas regiões, em lógica eleitoral que se retroalimenta. É o jogo.

O segundo ponto, o orçamento, está associado à ideia de que o partido se fortalece na possibilidade de impactar realidades e implementar políticas. Mas seria romântico demais acreditar que é apenas isso. Quanto maior o bolo administrado, e mais expressivo o volume de recursos por habitante, mais atraente a máquina se torna para uma série de parcerias, esquemas, trocas e ações que fortalecem o caixa do partido e seu poder de chantagem em eleições futuras. Cruzar fornecedores de prefeituras com prestadores de serviços de campanha é exercício interessante, sobretudo se conseguíssemos debelar a cortina de fumaça imposta pelas empresas fantasmas, em nomes de laranjas etc.

Diante de tais aspectos fica a pergunta central: quem vai controlar mais espaço e mais dinheiro a partir de 2017 nos municípios? O que nos mostram as eleições de 2016 nesse sentido? O intuito aqui é fugir das análises mais convencionais, a despeito de os bancos de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do Tesouro Nacional carregarem inconsistências, que nos levaram a perder algumas pouquíssimas centenas dos 5.568 municípios. Mas ainda assim, os principais orçamentos e espaços estão mapeados. Vejamos quem é efetivamente o grande vencedor dessas eleições.

Com mais de mil prefeituras conquistadas o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) é o principal controlador de cargos no Brasil. A eleição municipal se fortalece como o grande espaço de atuação política dessa legenda, que desde pelo menos 1992 elege mais de mil prefeitos no Brasil, e controla fortemente uma verdadeira horda de apoiadores, cabos eleitorais e servidores locais que dependem da vitória para manterem-se empregados. Lembremos que partes expressivas das prefeituras do Brasil são os maiores “patrões locais”, e muitas delas possuem 25%, 30% ou até mais postos nas mãos da livre nomeação técnica e, sobretudo, política do prefeito.

Não muito atrás do PMDB e seus pouco menos de 90 mil cargos está o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) com mais de 85 mil vagas. Os tucanos se fortalecem de maneira expressiva, ocupando posição relevante. Em nível abaixo, mas com força, quatro partidos estratégicos em qualquer lógica nacional de análise: PSD (Partido Social Democrático), PSB (Partido Socialista Brasileiro), PP (Partido Progressista) e PDT (Partido Democrático Trabalhista). Absolutamente desoxigenado nessas eleições, o PT (Partido dos Trabalhadores) ficará com algo em torno de 20 mil cargos, muito pouco para quem controlava, apenas na Presidência da República, número superior a esse em posições do tipo DAS (Direção e Assessoramento Superiores), a despeito de outras milhares de posições e das diferentes utilizações de tais posicionamentos em termos técnicos, ideológicos e partidários.

Figura 1 – Total de cargos comissionados controlados pelos partidos

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Fonte: IBGE (MUNIC, 2015) e TSE (dados ainda incompletos)

Na segunda figura chama a atenção o volume orçamentário a ser controlado com base nos dados de 2015 do Tesouro Nacional – onde infelizmente existem apenas pouco mais de 4,9 mil cidades. Ainda assim, é possível notar o destaque do PSDB, impactado pelo maior cofre do país: a prefeitura de São Paulo. Considerando que o partido amealhou 28 das 92 cidades com mais de 200 mil eleitores, ficar com o dobro do volume orçamentário do segundo lugar (PMDB) era algo esperado. O PT, nesse caso, ficou na décima primeira posição, e o destaque é o PRB (Partido Republicano Brasileiro), tendo em vista a conquista de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro.

Aqui merece atenção o fato de o PMDB ter muitos cargos e “pouco” recurso, revelando como hipótese a capacidade de o partido chegar ao controle de cidades muito pequenas. Ficará, em termos de eleitorado, com 14% dos cidadãos comandados localmente enquanto o PSDB vai governar 24% dos cidadãos brasileiros em suas realidades locais. O PT, mais uma vez, foi o grande perdedor. Não apenas pela derrota em São Paulo, mas pela redução de 60% no total de cidades. Ademais, o partido que controlava, a partir dos resultados de 2012, cerca de 20% do eleitorado do Brasil passará a ter pouco menos de 3% em 2017.

Figura 2 – Volume orçamentário controlado pelos partidos

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Fonte: Tesouro Nacional, IBGE e TSE

O cruzamento dessas duas variáveis analisadas acima torna absolutamente clara a legenda que sai fortalecida em termos de recursos do pleito municipal. O PSDB é, efetivamente, o grande vencedor e terá recursos políticos de sobra em relação aos demais partidos. Algo parecido em termos de dimensão ocorre apenas com o PMDB. O quarteto destacado anteriormente – PSB, PSD, PP e PDT – se firma estrategicamente em boa posição, e o PT, mais uma vez, revela sua aguda desoxigenação.

Gráfico 3 – Relação Cargos Comissionados municipais (2015) x Orçamentos Municipais (2015)

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Gráfico 3 – Relação Cargos Comissionados municipais (2015) x Orçamentos Municipais (2015)

Em termos políticos, resta saber o quanto um partido consegue articular todo esse recurso em voos maiores nas eleições estaduais e federais. Ademais, é relevante buscar compreender se esse cenário acomodará com tranquilidade os dois gigantes municipais dentro de um mesmo governo federal a partir de 2017, lembrando que o PSDB e o PMDB são as maiores legendas do governo Temer. Os tucanos, por exemplo, têm suas diferenças internas para as definições de 2018, enquanto o PMDB sequer teria um nome para se mostrar forte. Se a política, como muitos afirmam, começa pelos municípios, o desafio é entender se o PMDB aceita, com naturalidade, perder o seu “reinado” de partido local. Especialistas apontam que parte dos conflitos com o PT nasceu depois da expansão municipal dos petistas nas eleições de 2012, “invadindo” território peemedebista. E outros tantos lembram os conflitos entre PSDB e PMDB, por exemplo, na década de 90 – que o diga a pancadaria de 1998 entre defensores e opositores à aliança com o PSDB em torno da reeleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB – 1995 a 2002) em pleno Congresso Nacional, nas convenções do PMDB.

Tendo em conta a fragmentação do “poder real” que se produziu nestas eleições, o calendário eleitoral que se avizinha promete mudanças que podem ser muito relevantes a nível federal e estatal. 

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