
Palácio Nacional da Cultura. Cidade de Guatemala. Public domain.
Tal como muitos outros países latino-americanos, o Guatemala tem uma historia politica intensamente repressiva. Mais além dos anos da ditadura e de um conflito armado intenso, que supôs o desaparecimento e a morte de perto de 190.000 pessoas, criaram-se “aparelhos clandestinos de segurança” que ainda usam práticas violentas e violam os direitos humanos – muitas vezes com a participação ativa de agentes públicos.
Nos anos 90 assinou-se um acordo de paz. Contudo, as práticas violentas continuaram a ser comuns, permanecendo presentes no imaginário guatemalteco. Em 2007 foi criada a CICIG, uma Comissão Internacional contra a Impunidade no Guatemala, com o intuito de apoiar o Ministério Público no seu combate e desarticulação de grupos violentos ilegais. Nos últimos anos, contudo, a Comissão começou a investigar também a corrupção no país. Em 2015 acabou por denunciar o vice-presidente (e depois o presidente) por corrupção.
As acusações contra os membros da presidência foram a gota que fez transbordar o copo da indignação cidadã, em especial dos jovens, reprimidos por um presidente que foi acusado de ordenar assassinatos políticos durante os anos 80.
Convocaram-se – ainda que de forma tímida – diversos protestos exigindo a renuncia do vice-presidente. Os fundadores do movimento Justicia Ya não esperavam mais de 100 pessoas: assistiram 25 mil. Desde esse momento o movimento cresceu de forma exponencial, chegando a alcançar quase 100 mil pessoas. Pese ao historial repressivo no Guatemala, durante as manifestações não houve nem violência nem confrontos.
Mas desde esse momento sucederam-se os protestos exigindo a renuncia do vice-presidente e do presidente. E, contra todas as expetativas, os protestos tiveram êxito: hoje, depois de terem renunciado ambos aos seus cargos, estão presos. É importante lembrar que isto aconteceu durante as eleições presidenciais e que, no final, acabou por ser eleito um outsider: um comediante que negava ser político.
Iniciativas da sociedade civil
A união à volta de uma causa comum e a perceção do resultado dos protestos geraram uma motivação cidadã muito forte, assim com um ressurgimento do interesse pela política. Graças a isso, fortaleceu-se um jornalismo independente (fundamental para informar sobre os protestos e dar visibilidade aos movimentos), um jornalismo de profundidade (como o meio online de análise Plaza Pública, um referente na região), iniciativas de informação sobre política em diversas línguas (como Nómada) e práticas de verificação do discurso (há também projetos como Ojo con Mi Pisto, criado para oferecer formação sobre a fiscalização das contas públicas a jornalistas no interior do país).
Mais além destas iniciativas, existe um consenso entre os jovens guatemaltecos sobre a necessidade de aumentar o seu conhecimento sobre a política para continuar a contribuir para melhorar o seu país. Neste sentido potenciam-se práticas de formação política e cidadã, formação sobre fiscalização de contas para jornalistas nos municípios e diversas iniciativas que pretendem informar sobre o funcionamento das instituições, dos direitos civis e dos direitos políticos dos cidadãos. Destacam o Congresso Transparente, Guatemala Visível e a Escola Cidadã (na qual os jovens ativistas promovem os cursos e as formações).
Os protestos geraram uma onda de esperança que se concretizou em articulações sociais e na consciencialização por parte da cidadania sobre o seu poder e as suas responsabilidades. Exemplo disso mesmo é o Coletivo Jovens de Guatemala, situado na cidade de Antigua. Dedicam-se ao apoderamento cidadão, ao diálogo com os representantes e à promoção da cidadania. Estão a emergir também novos movimentos chamados a converter-se em partidos políticos, num país onde existe consenso sobre a debilidade dos partidos e a sua incapacidade (e desinteresse) por representar os cidadãos.
É importante lembrar que, em 30 anos, dois presidentes do Guatemala abandonaram o cargo antes de tempo. Que a pobreza em municípios como Alta Verapaz e Sololá superam 80% e que o Guatemala é o país latino-americano com mais desaparecidos políticos. Apesar de tudo isto, muitas pessoas e organizações estão a contribuir para a criação de práticas políticas atualizadas às possibilidades e realidades do século XXI.
Este artigo forma parte do projeto de investigação Emergência Política (UPDATE). Beatriz Pedreira e Rafael Pouço viajam por 12 países da América Latina para conhecer de perto indivíduos, organizações e governos que estão a oferecer soluções para a emergência de uma politica mais atual e acorde com os desafios do século XXI.
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