
Familiares dos 43 alunos desaparecidos durante uma manifestação na Cidade do México. 26 de Dezembro de 2015. AP Photo / Marco Ugarte. Todos os direitos reservados.
Tendo em conta a profunda crise de legitimidade à que se enfrenta o México, devem surgir vozes criticas. A chegada de Trump ao outro lado da fronteira deve acelerar a necessidade de mudanças criticas, num país que realizará eleições presidenciais em 2018, no meio duma grande incerteza. A série México na Encruzilhada pretende dar voz a esta visões criticas.
A situação dos direitos humanos no México deteriorou-se de forma extraordinária. A guerra contra o narcotráfico teve um efeito decisivo no aumento da violência originada pelos grupos criminosos, mas também nos crimes cometidos pelas forças estatais. Apesar de reconhecido o problema pelo governo mexicano e das medidas tomadas para resolvê-lo, a realidade demonstra que as violações dos direitos humanos e a ausência duma resposta adequada por parte das instituições de administração de justiça, continuam a ser a regra e não a excepção.
Neste contexto, na noite do dia 26 de Setembro de 2014, desapareceram quarenta e três estudantes da Escola Normal Rural Isidro Burgos de Ayotzinapa, Guerrero. Ainda que este não tenha sido o primeiro nem o último caso de pessoas desaparecidas no México, o número de desaparecidos, o facto de serem estudantes, o envolvimento de forças estatais de diferentes níveis e a persistência dos familiares fizeram deste caso um momento de ruptura, que desencadeou a indignação cidadã a nível nacional e internacional.
No contexto das medidas cautelares que se tramitaram perante a Corte Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) em relação a este caso, e como fruto dum acordo entre esta instituição, o Estado Mexicano e os representantes das vitimas, criou-se o Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), ao que foi atribuída a missão de levar a cabo uma verificação técnica das acções tomadas pelo Estado mexicano logo a seguir ao desaparecimento dos estudantes, não só em relação à sua localização, mas também em relação ao esgotamento das linhas de investigação assim como em relação à atenção e reparação às vitimas.
O GIEI foi uma experiencia única de colaboração entre o Estado e o CIDH, de monitorização dum caso em tempo real. Formado por cinco especialistas internacionais, o GIEI demonstrou-nos que é possível investigar este tipo de atrocidades tratando as vitimas com respeito e consideração. As suas averiguações sobre o caso – explicados em dois relatórios – foram fundamentais, mas possivelmente o a importância do seu legado encontra-se sobretudo na radiografia que realizou do sistema de justiça penal mexicano e nas recomendações que fez para o melhorar.
Um complemento perfeito ao trabalho feito pelo GIEI, foi o relatório Atrocidades Inegáveis: confrontando os crimes contra a humanidade no México, publicado no ano passado pela Open Society Justice Iniatiative (OSJI) e cinco organizações da sociedade civil mexicana. Este relatório leva a cabo uma análise rigorosa dos crimes cometidos no país durante a ultima década e estabelece fundamentos razoáveis para considerar que se cometeram crimes contra a humanidade, tanto por parte de autores estatais como não estatais, que devem ser devidamente investigados e julgados.
Este relatório também inclui uma série de recomendações dirigidas a diferentes actores destacando a proposta de criar um mecanismo institucional de investigação de crimes atrozes e grandes casos de corrupção no México.
O diagnóstico é claro: o sistema judicial mexicano tem a enorme responsabilidade de dar uma resposta adequada ao legado de graves violações dos direitos humanos cometidas durante a última década. Se as condições actuais não o permitem, é necessário pensar de forma criativa e não pôr de parte o apoio internacional, tal como aconteceu no caso dos estudantes de Ayotnizapa.
A falta de vontade política poderia ser confrontada por um poder judicial decidido a lidar com seriedade com os desafios que a situação actual no México supõe. A história da América Latina tem muitos exemplos deste tipo. É o momento do poder judicial mexicano.
Com o objectivo de contribuir para esta reflexão, mas também para ajudar a entender melhor a situação do país no resto do continente, na Fundação para o Devido Processo acabámos de publicar uma nova edição da nossa revista institucional AportesDPLF, dedicada esta vez à situação actual dos direitos humanos no México.
Neste momento, é essencial proporcionar elementos de análise que permitam fundamentar os argumentos a favor dos direitos e duma justiça digna dum país democráticos que, contudo, vive lastrado por um gravíssimo nível de violência e impunidade, sem precedentes em qualquer democracia moderna.
Leia mais!
Receba o nosso e-mail semanal
Comentários
Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy