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Intensifica-se o domínio do Facebook

A América Latina parece especialmente vulnerável perante as iniciativas recentes do Facebook, que procuram afiançar a hegemonia global da empresa. Estamos ante um monopólio moral em construção? Español. English.

Matthew Linares
10 Outubro 2015
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Mark Zuckerberg. Demotix/Lino De Vallier. Todos os direitos reservados.

Muitas plataformas on-line querem incrementar a sua quota de mercado através de um maior controlo do que veem os seus usuários. Neste aspecto, quase nenhuma plataforma tem avançado tanto como o Facebook. Duas recentes inovações do Facebook, Instant Articles e internet.org dão-nos uma ideia da capacidade do Facebook para controlar o panorama das comunicações.

Um grande número de análises das redes sociais apontam o aumento da quota de mercado do Facebook. Não é necessário estendermo-nos agora sobre se o termo 'monopólio' é adequado neste caso. A efeitos desta discussão, a hegemónica posição de mercado da que goza na gestão das comunicações dos cidadãos esta empresa é suficiente como para justificar que questionemos a qualificação do serviço que oferece.

Esta é a história de uma hegemonia mediática a uma escala sem precedentes. Tem que ver com o livre fluxo de informação como peça chave da democracia e com as dificuldades que experimentamos como sociedade para o garantir eficazmente.

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Rupert Murdoch exemplifica o controlo dos media num manual para o staff do Facebook. Crédito: Ben Barry. Alguns direitos reservados.

"Historicamente, os que controlavam os meios de comunicação controlavam a mensagem. Se és o único que tem uma imprensa, controlas o que a gente lê. O mesmo passa com a rádio. O mesmo com a televisão. Mas, que sucede quando todo mundo pode expôr a sua mensagem em frente de um montão de gente? Quando o terreno de jogo está nivelado? Quando todo o mundo tem uma imprensa, os que têm as melhores ideias são os que as pessoa ouvem. 

A não ser que Facebook decida determinar aquilo que recebe cobertura e o que não, algo preocupante uma vez que que o terreno de jogo lhe pertence. A não ser que decida mostrar-te algo para alterar teu estado de ânimo. A ideia anterior foi extraída de um manual para o pessoal de Facebook, que anuncia o fim da era Murdoch relativamente ao controlo dos meios. Nega a empresa o seu domínio da 'imprensa digital "? Afetem ou não seus algoritmos intencionadamente o fluxo de informação de seu serviço de notícias na atualidade, nada impede que o possam fazer no futuro. O código fechado que utilizam entranha um enorme poder.

A neutralidade da rede: o direito a um terreno de jogo nivelado

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Mobile World Congress. Demotix/Matthias Oesterle. Todos os direitos reservados.

Nestes momentos, a ‘neutralidade da rede’ é o grande cavalo de batalha que tem sido objeto de recentes acrobacias legislativas nos Estados Unidos e de incessantes mobilizações. A neutralidade da rede remete-se à ideia de uma internet como espaço nivelado e público: exige que se possa aceder a uma peça de conteúdo (por exemplo, de um blogger sem recursos) com a mesma velocidade e disponibilidade a qualquer outra peça de conteúdo (por exemplo, de uma corporação de pagamento), independentemente do que prefiram os provedores de serviços de internet (Internet Services Providers – ISP).

Ao examinar algumas das novidades de Facebook e sua importância para a informação livre, é preciso ter em mente a recente classificação de internet como serviço público cujo núcleo é a neutralidade da rede. Isto confirma que a expressão pública livre e acessível é uma condição lógica e razoável para a prestação de serviços na rede.

O presidente da Comissão Federal de Comunicações de Estados Unidos, Tom Wheeler, assinalou que o status da internet como "núcleo da liberdade de expressão e dos princípios democráticos" é a razão pela que há que manter a neutralidade da rede. O facto de que esta ideia tenha implicações legislativas tinge políticamente o debate sobre o tipo de "gigante" no que que se converteu o Facebook. Se é verdade que assume tanto controle como para alterar significativamente quem vê o quê e como, o efeito sobre a acessibilidade da informação será parecido ao dos ISP que dosificam o conteúdo em troca de dinheiro. Se o problema legislativo tem que ver com as condições do jogo, então o efeito Facebook não pode ser ignorado. Ainda que se produzam mudanças que afetem os grandes monopólios, a rede tem por característica converter os grandes atores em algo mais que uma empresa num mercado. O Facebook pode forçarmos a repensar o que pode considerar-se como serviço público e o que não.

Instant Articles faz mais rápida a rede… no Facebook

Um produto recente de Facebook, Instant Articles, consiste numa integração de peças inteiras de diferentes editores diretamente dentro de Facebook. O usuário pode clicar um artigo no seu feed de notícias e vê-lo imediatamente, enriquecido e em cores, no Facebook, sem perder 8 segundos em sair e carregar no site do editor.

À primeira vista, isto é uma bênção para todos. A façanha técnica do Facebook faz que seja mais fácil e agradável aceder às notícias e aos meios. Isto é o que fazem as grandes empresas: melhorar o serviço tanto para os editores como para os anunciantes e os usuários.

No entanto, parece-se também à tendência de “jardim emparedado”, tão comum entre os provedores comerciais, para controlar os usuários. Instant Articles reduz os motivos para sair do Facebook. Os usuários permanecem mais tempo no Facebook, consumindo meios ao mesmo tempo que se relacionam socialmente. O Facebook atua como intermediário de todo o conteúdo de internet. Esta função pode ver-se também noutros lugares à medida que as plataformas editoriais se vão estendendo, mas o Facebook é sem dúvida o principal ator neste momento.

Vozes a preços proibitivos

Pequenos editores, bloggers, organizações benéficas, organizações comunitárias e qualquer pessoa sem demasiado dinheiro para pagar pela publicidade têm uma relação problemática com Facebook como plataforma de comunicações. Há tempo que se sabe que Facebook é onde se podem encontram usuários de maneira eficaz. Muitos lançaram-se sobre o Facebook com entusiasmo quando parecia uma arena livre, mas as coisas têm mudado. No Facebook continua a ser mais caro comunicar-se com aqueles usuários que pediram seguir a nossa atividade. O Facebook julga que o nosso conteúdo é digno de visibilidade, e garante sua visibilidade se pagarmos.

"É fantástico ver que Facebook está a abrir novas vias para que o desenvolvimento do jornalismo de qualidade esteja disponível nos smartphones", afirma exultante Tony Danker, diretor internacional de Guardian News and Média. Os grandes atores do sector estão a começar a usar a nova ferramenta que, potencialmente perjudica a internet em aberto. Esperando a reciprocidade entre produtor e plataforma de distribuição, o articulista do Guardian acrescenta: "É vital que, com o tempo, os artigos Instant produzam benefícios recorrentes para os editores, cujo contínuo investimento em conteúdo original é o que sustenta o sucesso da ferramenta." Está claro quem comanda esta operação.

Desenvolvimentos como os do Instant Articles aumentam a dependência dos meios em relação ao Facebook como plataforma de distribuição. À luz das recentes transgressões e em termos mais gerais, consideremos a sua adequação à função que desempenha.

“Tudo é uma questão de rendimento! ”

Pode-se argumentar que o que Facebook está a fazer não é mais que uma optimização de rendimento. A introdução de ferramentas como esta melhoram a internet e funcionam como acicate para que outros aumentem o rendimento de seu lugar. No entanto, este argumento deve contrapesar-se com o facto de que os artigos instantâneos são especialmente tentadores para os editores porque são muitos os usuários que começam a sua navegação pelos lugares de notícias já desde Facebook. O domínio de Facebook implica que os editores não têm mais remédio que aceitar a oferta.

Alguns comentaristas tomam já como premissa a consolidação da distribuição de meios em Internet, com diagnósticos nos que afirmam que "se a você lhe preocupa que o Facebook acolha conteúdos informativos... esqueça-se, já está morto." Os processos pelos que dita consolidação se produz continuam a evoluir. Todos temos a prerrogativa de considerar de que maneira se defende o interesse público neste processo.

A “supermercadizaçao” dos meios electrónicos

Até há pouco tempo, os media recebiam diretamente os seus visitantes on-line, o que significava que um modesto blog podia atrair tanto tráfico como uma megacorporação.

A concentração e consolidação de plataformas on-line é comparável à propagação dos supermercados. Esta jogada faz que Facebook se pareça mais ao Wal-Mart, Tesco e Lidl, que armazenam produtos de outros nas suas estantes. Para os produtores de conteúdo, é, portanto, mais importante que nunca fortalecer suas marcas e exibir o seu valor nas prateleiras.

Se levamos a comparação mais além e nos preguntamos "se o Facebook fosse um supermercado. Que tamanho teria”? Na medida em que a rede aberta é como uma grande avenida, o Facebook está a caminho de adquirir bens imóveis (locais comerciais) a maior escala que qualquer corrente de supermercados alguma vez o fez. Os efeitos próprios da rede e outras senhas de identidade do reino digital possibilitam dito impacto.

É esta uma realidade que os produtores de meios têm que aprender, e à que devem se adaptar-se. Não parece uma reconfiguração do mercado muito saudável, e como tal, deve ser questionada.

Uma 'Internet' bastarda, livre para todos, desde o Facebook

O segundo desenvolvimento que temos sobre a mesa é “internet.org”, um portal no que o Facebook, em aliança com redes de telefonia móvel, oferece acesso livre, mas muito limitado, às populações dos países pobres.

 A quem pertence a internet(.org)?

Domínio privado ou público? Internet.org é um nome imponente para tudo o que não é internet - a internet real. Atribui-se ao Facebook a autoria do nome ou da ideia (a página oficial nao o clarifica)? Se isto é assim, deveria ter uma reclamação pública. Se não, deveríamos poder usar esta marca e a ideia como um bem público.

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Qualquer pessoa com um telefone, mas sem contrato de dados móveis, tem livre acesso a um subconjunto da rede no qual se ofereceo  Facebook, a Wikipédia e um reduzido pacote de serviços determinados pelo provedor.

O plano assume que, com o tempo, os usuários migrarão para o Facebook real, em aberto, onde todos os conteúdos são de livre acesso, em base à neutralidade da rede.

Por suposto, os usuários mais pobres quiçá não poderão nunca sair deste plano. Ainda que o façam, é de supor que sua concepção do Facebook seria assimilável à de um estado benfeitor, ou poderiam inclusive chegar a assimilar o Facebook com a próprio internet – uma vez que o branding não permite distinção alguma.

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Campanha do Facebook na India. Todos os direitos reservados.

"A conectividade é um direito humano?" Pergunta Mark Zuckerberg sugerindo que esta é a principal motivação de internet.org. Mas a ênfase no desenvolvimento e os direitos humanos não tem conseguido contrariar a crescente mobilização global contra internet.org (como pode se ver em internet.not). Organizaram-se marchas e circulam cartas abertas e petições.

Ainda que não se pode ignorar o impulso comercial do projeto, não é preciso seccionar o complexo moral de Zuckerberg para ver que se trata de um esforço para disponibilizar internet aos pobres, pese a que ao mesmo tempo pretenda estender os interesses do Facebook.

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Página de inicio de internet.org. Todos os direitos reservados.

A centralidade das preocupações pela neutralidade da rede neste caso é evidente, uma vez que o Facebook manobra para se converter num super-portador da internet. O seu projeto não só se propõe a criar uma conexão controlada por Facebook com a que dificulta o accesso aos productos da concorrência, senão que planeia fazer que seja esta a única opção provável para milhares de milhões de pessoas a nível mundial. Isto dar-nos-ia um conjunto de usuários aos que de facto se lhes nega o direito à neutralidade da rede, que é algo que consideramos básico para a livre expressão em democracia.

Um discurso conduzido por ideias e não por dinheiro

A openDemocracy tem como missão publicar materiais pluralistas e de livre acesso para informar o discurso público. Nascemos na internet, um terreno então recente, especialmente adequado para fazer chegar ideias importantes a uma audiência, independentemente dos orçamentos de publicidade.

Quando vemos que este terreno está a ser exprimido e reconstituído, temos o dever do defender, pelo bem do discurso público, que dever ser impulsado por ideias em lugar de dinheiro.

Neste caso, temos o dever de observar os acontecimentos que podem causar problemas e apontar alternativas. Todos os meios devem garantir e adaptar-se às novidades (este artigo também está disponível na nova plataforma de publicação Fold) nesta época de reinvenção destrutiva, sem deixar de ser conscientes de como está constituído o mercado. Alguns comentaristas, por sua vez, simplesmente conformam-se com contemplar como se assenta o pó depois do jogo de poder, supostamente inevitável, com o que se estão a reorganizar as nossas autoestradas de informação.

Se finalmente nos virmos obrigados a consentir a opção comercial (openDemocracy, por exemplo, já tem a maioria de seus meios de comunicação social em Facebook), isto deveria ir precedido de uma análise tanto crítico como pragmático. Deve escutar-se a crítica e atuar-se em consequência.

O Facebook poderia ser o sistema tecno-social mais avançado e integrativo jamais conhecido. Tem uma extraordinária influência, a todos e a cada um dos níveis, para decidir o desenho e a estrutura do fluxo de informação. Deveríamos estar a escudrinhar ditas decisões, perguntar-nos se são adequadas e atuar, da maneira mais adequada, a todos os níveis.

Soluções para a hegemonia?

Eu preferiria que isto fosse um grito de aviso, parte de uma civilizada opinião crítica mobilizada em favor de sistemas que assegurem uma organização aberta dainformação, tal como opera por exemplo a rede social Diaspora, que é dirigida pela comunidade.

Alternativamente, seria esperançador assistir a uma união da comunidade de produtores de meios em general, que tomando consciência da ameaça que se cerne sobre a informação livre, exigam a abertura e o controlo compartilhado dos algoritmos que decidem que parte da realidade vemos. Uma união capaz de reter coletivamente os conteúdos até que se cumpram os requisitos democráticos minimos que devem ser exigidos. 

O reconhecimento por parte de Facebook do controlo social que tem, que é demasiado, já seria um bom começo.

Tudo isto são, lamentavelmente, esperanças exageradas no meio do selvagem furacão global do mercado dos meios. No entanto, em defensa do pluralismo e da democracia, algo temos que fazer. Quiçá uma regulação, através de um marco que ainda não posso nem imaginar, terá que fazer frente a este gigante que, tal como os monopólios, tem demasiado controlo sobre algo demasiado importante socialmente. Atrevo-me a apontar esta possibilidade, consciente da insuportavelmente complicada mecânica de qualquer regulação plausível neste sentido.

Infelizmente, considerando a capacidade atual dos governos para atuar com firmeza em defensa do interesse democrático, o mais provável do mencionado até agora é que a Google acabe ganhando a partida ao Facebook e que acabe por gerir as nossas atividades sociais também, junto com os nossos correios electrónicos, buscas e tudo o resto.

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