
Montagem de Bolsonaro e Whats app logo. Imagens: reprodução de Internet. Alguns direitos reservados.
“O trágico paradoxo da rota eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia - gradualmente, sutilmente e até mesmo legalmente - para matá-lo”.
Steven Levitsky and Daniel Ziblatt, How Democracies die.
Como pode um Whats Zapper vencer uma eleição presidencial?
Como destacado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, o sistema é o culpado por deixar demagogos chegarem ao poder. “Autoritários não devem ser tratados como parte do sistema; eles devem ser parados por ele”. No entanto, diferente do que aconteceu nos EUA, o sistema político brasileiro tentou evitar a ascensão de Jair Bolsonaro de alguma forma.
Mas não foi eficiente o bastante. Bolsonaro não concorreu à presidência com o apoio de um partido estabelecido, nem com a ajuda da mídia tradicional. Evidentemente, sua eleição não se deve apenas ao uso das mídias sociais, mas a mídia social foi de fato fundamental para permitir que um discurso de ódio, violência e discriminação fosse difundido.
Qual é a narrativa das mídias sociais?
Não há dúvida de que vivemos em um momento revolucionário em relação à comunicação, em que uma narrativa linear nas mídias sociais ainda não foi estabelecida.
Quando o cinema foi inventado, também não contava com uma narrativa, audiência ou propósito específico. Somente em 1915, mais de 20 anos depois de sua invenção, o revolucionário, mas controverso, "Nascimento de uma nação", de Griffth, deu uma notável contribuição à contação de história usando a narrativa visual.
A montagem dramática de Sergei Eisenstein e as sequências poéticas de Leni Riefenstahl ajudaram o Cinema a se tornar uma forma sólida e estabelecida de comunicação com sua teoria, narrativa e uma resposta efetiva do público que muitas vezes foram usadas para fortalecer discursos totalitários.
O mesmo está acontecendo agora. Nós temos muitas “invenções” em comunicação surgindo aqui e ali. A tecnologia em comunicação de massa está em sua velocidade mais rápida, mas não há base sólida em sua teoria, narrativa e nenhuma avaliação de impacto efetiva. Tendo isso em mente, a contação de história nas mídias sociais e nas novas mídias está próxima de uma “terra sem lei”.
Em seu trabalho, um totalitário é aquele que “para existir nega todas as outras existências”, e as mídias sociais contribuem para esse comportamento ao dar um “curtir” ou bloquear opiniões convergentes e divergentes.
A forma anárquica da mídia social em reportar e explorar a narrativa contribui para o desenvolvimento de uma comunicação estabelecida, como aconteceu no Cinema, porém ainda não chegamos lá. No entanto, também fornece um terreno fértil para extremistas encontrarem seus pares. No caso brasileiro, Levitzki e Ziblatt chamariam esse resultado eleitoral de “ascensão de um totalitário”.
Em seu trabalho, um totalitário é aquele que “para existir nega todas as outras existências”, e as mídias sociais contribuem para esse comportamento ao dar um “curtir” ou bloquear opiniões convergentes e divergentes. Tendo ainda os algoritmos digitais que facilitam ou dificultam seus semelhantes.
Mídias Sociais e Direitos Humanos
Como esses discursos “totalitários” encontraram espaço no Brasil? A revolta sinalizada nas manifestações de 2013 nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo foi convocada pelo Facebook e pelo What’s App.
Eles se formaram como um movimento sem partido e autointitulado “legítimo representante do povo brasileiro”, que se dizia cansado de ser manipulado por políticos profissionais. Tal avanço de uma mentalidade de "extrema-direita" com viés já de algo totalitário seguiu sem ser identificado por partidos tanto de esquerda como de direita.
De certa forma, a ascensão dessa extrema-direita foi facilitada pelo desrespeito dos partidos de direita ao sistema político, quando optaram pelo não cumprimento da constituição ao não reconhecer a vitória pelas urnas de Dilma Rousseff nas eleições de 2014. Essa decisão abriu a “caixa de Pandora” ao não aceitar um presidente eleito e sua legitimidade para governar, orquestrando um impeachment poucos meses depois de sua eleição.
O PT, Partido dos Trabalhadores, durante seus 12 anos no governo, não questionou os sistemas político ou econômico como esperado, mas procurou administrar a estrutura existente, propondo mudanças graduais e programas sociais focalizados. Não há de se negar o importante papel do PT em trazer significativos avanços sociais, educacionais e de saúde a uma massa de brasileiros antes completamente abandonada. Esses avanços também facilitaram o acesso de classes mais baixas ao consumo e um aumento significativo no nível social.
Em uma sociedade que saiu da escravidão no final do século 19 e nenhuma reforma social significativa foi realizada, a popularização das passagens de avião, medidas para a ampliação do acesso à universidade graças ao polêmico “sistema de cotas” e os direitos dos empregados domésticos trouxeram à tona o desconforto da classe dominante. No entanto, ainda pendente de mudanças cruciais.
Em 2015, logo após a reeleição de Dilma, eclodiu uma crise político-econômica e revelaram-se escândalos de corrupção, apesar de tais investigações só terem sido possíveis graças a reformas abrangendo as ações e a independência do Ministério Publico e Policia Federal durante os governos do PT.

Uma tela inicial de celular mostra uma foto de Bolsonaro fingindo estar apontando uma arma. Imagens: Paula Dias Leite
Nesse período, vários serviços sociais fornecidos pelos Estados entraram em colapso e os salários das polícias estaduais começaram a ser atrasados. Com todas essas questões, a oposição encontrou a desculpa perfeita para culpar o governo dos trabalhadores pela violência nas ruas e pela presença da parte “indesejada da sociedade” que começava a participar da vida cotidiana da elite.
No mesmo ano, Bolsonaro com seu controverso discurso encontrou nas mídias sociais o espaço perfeito para acusar ativistas de direitos humanos e a esquerda de serem responsáveis por não deixar a polícia “fazer seu trabalho” – matando criminosos em vez de “protegê-los”.
Ele aproveitou o clima antissistema iniciado em 2013 e atribuiu todos os fracassos sociais à corrupção da classe política. Ele também adotou uma agenda muito conservadora questionando casamento entre pessoas do mesmo sexo, aprovado pelo Supremo Tribunal Federal, e exigiu a redução da idade de responsabilidade penal de menores.
Com um discurso extremista, evocou a ditadura como um tempo sem corrupção e um exemplo de ordem, moral e respeito à tradicional família cristã. Sua candidatura atacou mães solteiras as colocando como responsáveis por dar à luz criminosos, culpando a homossexualidade por doenças e o secularismo do Estado pela falta de moral.
No início, ele parecia apenas uma pessoa lunática tomando a palavra. Protegido pela imunidade parlamentar, ele expressou todos os seus absurdos, disponibilizando-os para seguidores nas mídias sociais.
Com as sistemáticas crises institucionais lideradas por surtos de corrupção envolvendo a esquerda e a direita, bem como uma sequência de notícias falsas nas mídias sociais envolvendo políticas do governo, ele se tornou o porta-voz antissistema perfeito para liderar as transformações exigidas pelo cristianismo fundamentalista brasileiro e pela sociedade branca dominante e racista. Apoiado pela bancada do triplo "B" ("BBB, bala, boi e bíblia), Bolsonaro acusa todos os que não concordam com ele de comunistas e de não serem brasileiros de coração.
Somos brasileiros, fascistas e não sabíamos?
Como Levitzki e Ziblatt argumentam em suas pesquisas, sempre houve cerca de 35-40% da população, em qualquer país, que em uma crise institucional e política apoiaria demagogos, em alguns casos inclusive antidemocráticos, mas que eram mantidos fora da política dominante pela maioria dos países.
Bolsonaro pode ser entendido como resultado tanto de uma estratégia de mídia social bem-sucedida quanto de um fracasso institucional.
Em um país como o Brasil, onde o voto é obrigatório para 147 milhões de pessoas, sem a ajuda de um partido convencional, sem a mídia convencional e com o Lula, líder da esquerda preso, Bolsonaro venceu a eleição presidencial com quase 58 milhões de votos, o que significa 39 % de todos os eleitores.
Assim, argumento que, se, como mostram as pesquisas de Levitzki e Ziblatt, entre 35-40% da população apoia demagogos, Bolsonaro está dentro dessa faixa, alcançando 39% dos eleitores brasileiros. Como Bolsonaro não concorria com um partido político estabelecido e não tinha tempo suficiente para a campanha política na TV aberta, a mídia social desempenhou um papel central em permitir que esse demagogo alcançasse seus eleitores.
Nesse sentido, a mídia social desempenhou um papel essencial no lançamento desse processo de rebaixamento de direitos humanos no Brasil. Bolsonaro pode ser entendido como resultado tanto de uma estratégia de mídia social bem-sucedida quanto de um fracasso institucional, uma vez que, de acordo com a definição de Levitzki e Ziblatt, nossas instituições não encontraram meios de salvaguardar a autocontenção dos atores políticos e tolerância mútua.
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