Migrant Futures

Qual será o destino dos migrantes venezuelanos no Peru?

O apoio a migrantes e refugiados não é apenas um dever moral de outros países de destino, mas também essencial se quisermos mitigar com sucesso a transmissão do vírus.

Marta Luzes Feline Freier
15 Julho 2020, 12.01
Andrith, Santiago e Patricia em Tumbes, esperançosos na fronteira Equador-Peru em abril de 2019
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Picture by Feline Freier

Na luta contra a Covid-19, a América Latina apresenta um conjunto de desafios importantes: sistemas de saúde mal financiados, mercados de trabalho amplamente informais, extrema pobreza e vulnerabilidade e uma crise de deslocamento humano que forçou quase 5 milhões de venezuelanos ao exílio.

O Peru abrigava cerca de 1 milhão de cidadãos venezuelanos quando declarou estado de emergência em 16 de março, fechando fronteiras internacionais e impondo isolamento social obrigatório. Essa medida foi prorrogada quatro vezes e durou até 30 de junho (o confinamento continua em vigor em sete regiões com altas taxas de infecção).

Sem dúvida, o estado de emergência teve um impacto negativo para a população peruana e, especialmente, para os trabalhadores informais (o setor informal representa mais de 70% da economia do Peru). No entanto, o fardo carregado por imigrantes ou refugiados venezuelanos é ainda mais grave devido às condições informais de trabalho, status legal precário e falta de redes de apoio.

Em um estudo recente realizado na Universidad del Pacífico, descobrimos que 93% dos nossos entrevistados trabalha informalmente. Além disso, o Peru concedeu inicialmente perto de 500 mil autorizações de residência temporária (PTP). No entanto, essas autorizações expiram após um ano, deixando aos venezuelanos opções incertas para maior regularização. Das 500 mil solicitações de asilo, apenas uma fração minúscula foi analisada. O pior é que menos de 100 mil documentos de identificação foram entregues a requerentes de asilo venezuelanos e menos de mil a refugiados.

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A exclusão da população de migrantes e refugiados do sistema público de saúde do país não só é discriminatória, mas também é prejudicial os esforços para conter a disseminação da Covid-19

Conhecemos Andrith, um ex-policial, sua companheira Patricia e seu filho de 3 anos na fronteira entre o Equador e o Peru em abril de 2019. Tendo andado e pegado carona desde a Venezuela, chegaram sem passaporte e com recursos financeiros extremamente limitados. Quando o confinamento foi declarado, Andrith estava vendendo pulseiras em ônibus e foi completamente pego de surpresa: “nos pegou desprevenidos. Vivemos um dia após o outro. Não tínhamos dinheiro nenhum guardado… Essas semanas foram muito difíceis. Houve dias em que não tínhamos o que comer".

Apesar do apoio público inicial às medidas de emergência, incluindo o apoio dos venezuelanos, altos níveis de pobreza e vulnerabilidade dificultaram a conformidade. De acordo com uma pesquisa realizada por Equilibrium CenDe em 23 de março, uma semana após começar o confinamento, 37% dos migrantes venezuelanos declarou que suas casas estavam sem comida.

Em uma segunda pesquisa, realizada em 18 de abril, apenas 5% dos migrantes tinha dinheiro suficiente para comprar comida para suas famílias. A mesma pesquisa, realizada em 15 de junho, mostrou que 43% havia perdido o emprego.

De acordo com um estudo de rastreamento em andamento sobre a integração socioeconômica dos imigrantes venezuelanos que estamos realizando na Universidad del Pacífico, juntamente com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cerca de 10% passou fome durante a quarentena.

Além disso, o acesso a serviços públicos, incluindo assistência médica, é altamente limitado e os migrantes carecem de redes de apoio social. Pouco antes do surto de Covid-19, três em cada quatro entrevistados estavam preocupados em não ter acesso ao sistema público de saúde. É importante ressaltar que, devido ao status legal irregular ou precário, 65% dos entrevistados temia procurar assistência médica em caso de doença.

Também houve relatos de venezuelanos que, ao entrar em contato com as unidades de saúde locais para solicitar exames, tiveram sua atenção negada por não portar um documento específico de residência (carné de extranjería). A exclusão da população de migrantes e refugiados do sistema público de saúde do país não só é discriminatória, mas também é prejudicial aos esforços para conter a disseminação da Covid-19.

As medidas governamentais para fornecer apoio social e econômico às famílias peruanas em condições vulneráveis ​​não incluíram imigrantes e refugiados

O desespero dos imigrantes venezuelanos no Peru aumenta a cada dia. Quase metade deles hoje tem medo de despejo, a maioria deles sem ter para onde ir. De acordo com nosso estudo de rastreamento, 95% não recebeu nenhuma ajuda institucional desde o início do confinamento.

As medidas governamentais para fornecer apoio social e econômico às famílias peruanas em condições vulneráveis ​​não incluíram imigrantes e refugiados. Em vez disso, o Ministro das Relações Exteriores apelou ao apoio financeiro de organizações internacionais para ajudar migrantes e refugiados no Peru, mas sem nenhum esforço sério para coordenar eficientemente a ajuda internacional.

No momento da redação deste artigo, e depois de terem tido todos os seus documentos roubados, incluindo a precária certificação de ter iniciado o processo de asilo no Peru, Andrith e Patricia haviam embarcado na perigosa jornada de volta para casa. Eles decidiram regressar exatamente como vieram, atravessando o Equador e a Colômbia a pé e sem comida ou dinheiro – apesar do confinamento, três fronteiras militarizadas e o colapso do sistema de saúde na Venezuela.

Depois de seis semanas, eles finalmente chegaram à cidade fronteiriça de Cúcuta, na Colômbia. Dadas as rígidas restrições de entrada da Venezuela, mesmo para os nacionais, não está claro quando eles poderão voltar para casa.

A crise da Covid-19 provavelmente constituirá um fator adicional de deslocamento forçado da Venezuela e levará a novos fluxos migratórios na região. Após a reabertura das fronteiras, é crucial que os países facilitem o acesso e a residência legais aos imigrantes e requerentes de asilo venezuelanos.

Nestes tempos sem precedentes, apoiar migrantes e refugiados não é apenas um dever moral do Peru e de outros países de destino, mas também essencial se quisermos mitigar com sucesso a transmissão do vírus.

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