De fato, conforme ressalta Camila Asano, o Brasil não defende o status quo internacional em sua política externa. No entanto, também é verdade que o Brasil tem sido especialmente meticuloso em reiterar o princípio de não-intervencionismo nos assuntos internos de outros países. Trata-se de uma tarefa árdua conciliar este não-intervencionismo e respeito à soberania com qualquer postura que se assemelhe a uma política ativista em direitos humanos no âmbito internacional. Embora seja plausível supor que uma liderança coordenada por parte da Presidência da República possa mudar esta postura, isso é altamente improvável.
Diplomatas brasileiros são bem respeitados nos círculos internacionais, extraordinariamente bem preparados, e vistos como negociadores eficazes no cenário global. Ao mesmo tempo, estes diplomatas estão imersos em anos e anos de tradição, dado que o Brasil tem adotado uma política externa consideravelmente consistente após-Segunda Guerra Mundial, tanto no atual período democrático, quanto durante o governo militar. A política externa brasileira tem mantido de maneira consistente uma postura agnóstica em face da política interna de outros países, principalmente com vistas a evitar que outros países intervenham em suas próprias questões internas.
Brasil tem promovido uma agenda do “sul global” em sua política externa, em especial a partir do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dito isso, esta política não é inteiramente nova, e em muitos aspectos vem apenas a confirmar posições em política externa há décadas adotadas pelo Brasil. Certas abordagens mudaram, mas em geral a orientação da política externa brasileira continua a mesma. Brasil tem se identificado como uma potência emergente muito antes de se integrar ao grupo BRIC, e tem evitado se aliar a qualquer “bloco”. O Brasil tem buscado fundar o seu próprio bloco.
Em sua defesa do sul global, Brasil tem constantemente enfatizado a importância da negociação intergovernamental, em especial na esfera comercial. Diplomatas brasileiros têm cultivado uma imagem de defensores dos países pobres danificados pelo sistema global de comércio, em especial por países afetados por subsídios agrícolas praticados por países mais ricos. Ao mesmo tempo, dada a confiança do Brasil no intergovernamentalismo, é difícil imaginar que o Brasil estaria disposto a extrapolar seus próprios limites, de acordo com os quais sua diplomacia no cenário internacional se restringe a relações com outros países e negociações no âmbito de organizações internacionais. Denunciar violações de direitos humanos – e criticar outros governos por violações de direitos humanos – seria uma grande mudança para o Brasil.
A única forma de vislumbrar uma mudança na política externa brasileira com vistas a dar primazia aos direitos humanos seria por meio de uma mudança imposta de cima – em especial do escalão mais alto. Nas últimas décadas – tanto durante o governo do ex-presidente Lula, quanto durante o governo de seu antecessor imediato, Fernando Henrique Cardoso – presidentes têm desempenhado, cada vez mais, um papel proeminente em levar adiante novas agendas na política externa. No entanto, o tipo de mudança que a Sra. Asano sugere exigiria que a Presidente Rousseff exercesse grande pressão. A Presidente estaria disposta a reverter a tradicional inclinação da política externa brasileira? É difícil imaginar sequer se isto seria vantajoso para a Presidente do ponto de vista político.
Ademais, pode-se perguntar ainda: organizações da sociedade civil seriam capazes de levar o governo Rousseff (ou um outro governo futuro) a prestar mais atenção a direitos humanos? Em teoria, isso seria possível, uma vez que está claro – como demonstrado por protestos recentes – que a sociedade civil brasileira despertou.
Não obstante, há dois motivos para concluir que a pressão da sociedade civil não alterará o direcionamento da política externa brasileira em direitos humanos: em primeiro lugar, grande parte da pressão popular, de base, que temos visto atualmente no Brasil diz respeito principalmente a questões econômicas cotidianas. Os protestos recentes foram incialmente motivados por um aumento nas tarifas de ônibus e, em geral, os protestos tratam especificamente de questões internas e prioridades do orçamento público.
Mais importante ainda é o fato de que política externa é uma das políticas públicas menos influenciada por pressão interna e pela sociedade civil no Brasil. Embora tenhamos testemunhado nos últimos anos um enfraquecimento (leve) da autonomia tradicionalmente desfrutada pela elite influente em política externa no Brasil, isto tem ocorrido principalmente na esfera econômica. Seria um salto considerável – e uma grande mudança nos processos decisórios em matéria de política externa – se esta tendência se estendesse também a direitos humanos, em especial de forma a efetivamente provocar uma mudança efetiva no direcionamento da política externa brasileira.
Em última análise, o futuro da política externa brasileira continuará provavelmente a ter a mesma inclinação verificada há décadas: respeito à soberania e indisposição a intervir em ou criticar assuntos internos de outros países. Talvez trate de questões internas de direitos humanos – e bem deveria – mas é improvável que a promoção de direitos humanos passará a ser o cerne da política externa brasileira.

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