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Pós-conflicto na Colômbia (11): Visões e recursos territoriais para a paz

Ao aproximar-se a assinatura do acordo de paz, é sumamente importante favorecer uma maior interacção entre a institucionalidade pública colombiana e determinados territórios do país. Español English

Paulo Tovar
5 Abril 2016

“Quem não deseja ter paz! Mas esta paz consegue-se ao incentivar de forma permanente um futuro melhor, criando empregos, fortalecendo a cultura.... Falando com a guerrilha podemos ver como eles também estão cansados, querem dormir tranquilos, também são pessoas, também precisam de paz. O exército e a polícia também precisam de paz." Entrevista a ator chave na região Macarena-Guaviare (Sul-Oriente Colombiano)

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Membros da comunidade indígena. Raul ArboledaA/AFP/Getty Images

Se o acordo da Havana se assina e se ratifica (a probabilidade de que isso aconteça é alta), presenciaremos uma nova tentativa de aproximação entre a institucionalidade pública colombiana e certos territórios do pais com os quais pouco se têm relacionado. Territórios onde, precisamente, as Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia (FARC) têm maior presença y montada uma maior operação. Esta não será a primeira tentativa de aproximação, já que desde a década dos sessenta diferentes programas foram implementados com esse propósito. Contudo, dá a impressão que estes programas se preocuparam mais em defender uma oferta predefinida do que em entender as demandas locais. Nesse sentido, é de suma importância preguntar-se pelas expectativas e recursos destes territórios tendo em conta o cenário de pós-conflito que cada vez está mais próximo.

Com o objetivo de contribuir para essa pregunta, a Fundação Ideias para a Paz (FIP), em aliança com a Fundação Paz e Reconciliação (PARES) [1], centrámo-nos na análise das capacidades locais para a paz de uma série de municípios com presença histórica das FARC. Nas seguintes linhas destacam-se certos aspectos desta análise que se espera que ajudem a compreender como se interpreta o pós-conflito desde as regiões e o importante capital organizacional com o qual as mesmas contam [2].

Alinhamento de visões e propostas

A nossa aproximação aos territórios incluiu uma pregunta aparentemente ingénua, mas que na prática acabou por ser chave para gerar um clima de confiança com atores locais significativos: “imagine que estamos em 2025, já não existe um conflito armado e a região é como você a deseja. Conte-me o que vê. ” As respostas a estas preguntas foram sistematizadas e categorizadas conforme se detalha na seguinte tabela [3]:

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Esta tabela é indicativa dos temas mais e menos sensíveis para os atores locais chegado o momento de pensar num cenário de pós-conflito e, por tanto, permite dar um sentido à noção de “paz”. Na tabela podemos observar como as categorias “Produtividade e Desenvolvimento Rural”, “Condições básicas de vida” e “Cultura e Educação” reúnem mais do 50% das respostas. Comparativamente, são muito menores as referências a aspectos básicos dum processo de paz como o seriam: o desarme, a desmobilização e reintegração (categoria “Fim de Conflito”) ou a reparação das vítimas (categoria de “transitoriedade”). De certa forma, o refletido na tabela mostra-nos como o interesse nas regiões se encontra menos nos aspetos visíveis da violência e mais nas transformações estruturais que lhe são subjacentes. Tratasse de expressões como a seguinte:

“A paz não é simplesmente um acordo que se assina, consiste em assegurar que as pessoas possam trabalhar, ver satisfeitas as suas necessidades básicas, gerir temas como o saneamento ambiental para que as pessoas tenham acesso a estes serviços. É desde aí que se constrói a paz, tendo todas as necessidades satisfeitas. ” Entrevistas Región Cauca-Nariño (Sul-Occidente).

Agora bem, estas preocupações não são alheias ao pactuado na Havana, em particular ao acordo 1: “Na direção dum novo campo colombiano: reforma rural integral” (RRI). De facto, perante a maioria dos assuntos que se categorizam dentro das primeiras três categorias da tabela, é possível identificar um referente especifico no acordo sobre RRI. A tabela 2 contém alguns exemplos:

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Este alinhamento adquire um carácter ainda mais chamativo, ao constatar o alto desconhecimento que os atores locais tem sobre o pactuado na Havana. Em geral, nos territórios pensa-se que os acordos estão centrados no desarme e na reintegração das FARC; de ai o enfâse de diferentes atores em que o processo de paz não seja “simplesmente” isso. Transformar essa perceção e gerar entusiasmo massivo em volta do alinhamento identificado entre visões do território e propostas acordadas na Havana é uma oportunidade substantiva que os promotores do acordo poderiam aproveitar.

Contexto adverso, mas não vazio

O acordo sobre RRI não é em si mesmo inovador, senão que comtempla uma serie de assuntos sobre os quais se chamou a atenção de forma repetida e desde diferentes âmbitos (universidades, organizações da sociedade civil, cooperação internacional). As entrevistas do projeto mostram também que a transformação do campo é uma necessidade profundamente sentida pelos atores locais. Revelam além disso, através destes atores, a existência duma vibrante estrutura social nos territórios, da qual faz parte uma amplia diversidade de associações de mulheres, jovens, pequenos produtores, entre outros.

Isto desafia a percepção externa de que estes territórios são espaços vazios, ou paraísos fiscais com paupérrimos níveis de capital humano e sem tecido social algum. Neste sentido, identificaram-se mais de 1400 organizações civis, comunitárias e produtivas nos 35 municípios incluídos no segundo ano de investigação; uma média de 40 por município. Com a intenção de conhecer mais de perto estas organizações, sistematizou-se a experiência de 58 delas. Esta aproximação permitiu constatar que a grande maioria destas organizações usam estratégias de comunidade para enfrentar-se a contextos adversos de violência e exclusão do desenvolvimento. Algumas delas tem um horizonte político mais definido que outras, inclusive podem ter ideológicas muito semelhantes às da FARC, se bem que manifestam um claro distanciamento da violência.

Várias delas aplicam de forma constante a oferta estatal, que chegou aos territórios, principalmente através de programas nacionais do Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural, o Serviço Nacional de Aprendizagem e o Departamento da Prosperidade Social. O acesso aos recursos facilitados por estes programas foi uma fonte importante de financiamento destas organizações e permitiu a sus sustentabilidade. Contudo, a vinculação a estes programas (alguns mais exitosos que outros) coexiste com uma alta desconfiança para com a institucionalidade pública; assim, ao mesmo tempo que se critica o Estado pela sua ausência e pelo seu incumprimento crónico, aplicam a convocatórias dos programas oficiais e a partir destes recursos materializam-se êxitos da organização tais como: a construção duma sede, o acesso à formação técnica. Devido a tudo isto, grande parte destes lideres falam tanto com as FARC como falam com as autoridades públicas, e utilizam estes canais de comunicação procurando o bem-estar das comunidades às que pertencem.

Sem dúvida, desde os territórios mais afetados pelo conflito há muito que dizer numa eventual implementação dos acordos de paz: talvez os atores locais não tenham a última palavra em todos os temas, mas será fundamental que as partes na atual negociação estejam dispostas a dialogar com eles, reconhecendo o seu role como motivadores de processos comunitários e gestores da convivência local. O espaço chave desde dialogo serão os exercícios de participação previstos nos acordos. Na FIP identificamos 61 referências a mecanismos específicos de participação cidadã no até agora acordado (sem contar com as referências gerais à participação, por exemplo como “principio”). Rodear estes exercícios, desde diferentes sectores, e velar pela sua qualidade e eficácia, são temas fundamentais nos quais a FIP já se encontra envolvida.


[1] Organização não-governamental colombiana, com sede em Bogotá.

[2] Em particular, usam-se exemplos do segundo ano de investigação, o qual se concentrou em diferentes regiões da Colômbia: a) Pacífico Cauca/Nariño, b) Sarare (norte-oriente) y c) Macarena/Guaviare (sul oriente). Estes resultados estão em sintonia com o encontrado no primeiro ano do projeto cujos detalhes se podem consultar no seguinte link: http://www.ideaspaz.org/especiales/capacidades-locales-para-la-paz/

[3] No total realizaram-se 224 entrevistas, contudo as respostas não se categorizaram de forma exclusiva uma vez que um mesmo entrevistado, ou uma mesma resposta, podia fazer referência a diferentes categorias. Devido ao anterior, no conjunto de entrevistas identificaram-se 861 referencia a visões sobre os pró-conflito que é o total incluído na tabela.

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