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Pós-conflicto na Colômbia (8): Da Havana às aulas

Educar para a paz implica transformar os imaginários que justificam a violência, gerar um ambiente onde a solução pacífica dos conflitos seja a regra e as diferenças coexistam harmonicamente. Español English

Carolina Meza Botero
12 Março 2016
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Crianças numa biblioteca na Colômbia. Blend Images/Getty Images. All rights reserved

As negociações entre o Estados e as FARC, e a possibilidade de assinar um acordo – e, em consequência, de alcançar um pós-conflito – pôs muitos de nós na Colômbia a sonhar com num novo país. Para atingir este sonho, grande parte das esperanças depositam-se na educação. Contudo, chegada a hora de estabelecer um caminho claro para a educação no contexto do pós-conflicto, surgem mais preguntas que respostas. Como pode a educação contribuir para o fim negociado do conflito e alcançar uma paz estável e duradoira para a Colômbia?

As pessoas passam dentro das aulas grande parte da sua infância, adolescência e sobretudo, em países desenvolvidos, parte da sua etapa adulta. É por este motivo que tudo o que acontece nas escolas tem um papel decisivo nas futuras gerações. A tarefa de construir um país em paz passa pela revisão das diversas formas de violência cultural, entendida seguindo Galtung (1990), como todas aquelas formas de relacionar-nos que ajudam a manter vivo o conflito. Neste sentido, qualquer esforço de construção de paz deve incluir o sector educativo como alavanca para as transformações culturais que o país precisa no contexto da assinatura dos acordos de paz. Aqui, são expostas algumas ideias que nascem do trabalho realizado em colaboração com muitos centros educativos na Colômbia.

Uma primeira aportação ao setor educativo, definitiva e imediata, relaciona-se com acreditar que uma saída negociado do conflito é a melhor via para construir um país em paz. Apesar de que muitas pessoas vêm na saída negociado a melhor opção, no país existe uma amplia desconfiança em relação a ambos negociadores, as FARC e o Governo, e sobre o cumprimento dos acordos de paz. Isto deve-se em certa medida a uma longa história de incumprimento de acordos por parte de ambos atores, mas também ao desconhecimento do processo e sobre o que se está a negociar; confusões que foram reforçadas por aqueles setores da sociedade que se opõem ao processo. Adicionalmente, para muitos colombianos este é um processo feito pelo Governo, que nessa medida deve ser levado para a frente pelo mesmo. Isto traduz-se numa baixa participação local e do cidadão frente às muitas oportunidades que oferece.

O desafio encontrasse em que as crianças e jovens se enfrentem a estas dúvidas e processem a desconfiança em relação ao Estado e à política, mas sobretudo que compreendam o papel que pode ter o diálogo como via para resolver conflitos. Não se tata de possibilitar o proselitismo político na sala de aula, mas sim de fazer da mesma um espaço de conversação sobre a atualidade nacional, onde os avanços nas negociações sejam debatidos, onde sejam analisados de forma reflexiva as implicações dos acordos para o país, e sobretudo onde se discuta o que pode supor o acordo para as suas vidas. Mas isto deve ir mais além. As instituições educativas têm nas suas mãos um grande exemplo de resolução pacífica de conflitos, que faz parecer simples qualquer discussão quotidiana. Se é possível pôr termo a um conflito que ceifou milhares de vidas sentando-se a dialogar, porque não faze-lo também em casa ou no recreio para resolver conflitos menores? Pelo contrário, se optarmos como sociedade pela via armada, devemos refletir sobre o exemplo que estamos a dar às futuras gerações.

As negociações de paz também desafiaram os Colombianos chegada a hora de sonhar e ter esperança. Tantos anos de conflito e tantas tentativas falhadas de paz deixaram uma marca muito profunda na capacidade dos colombianos de imaginar um país diferente. Esta capacidade é fundamental para a mudança social e para conseguir atingir as metas que cada um se propõe. Pode gerar esperanças positivas nos jovens frente ao futuro do país e permitir-lhes sonhar e ser os motores de mudanças importantes no seu contexto, desde as suas paixões e capacidades. Esta é uma das contribuições mais importantes que pode oferecer o sistema educativo. Esta contribuição implica também acompanhar as crianças, jovens e futuro professionais, chegada a hora de criar projetos de vida no marco da legalidade e da paz, que contribuíam à construção do país renovado com o qual sonhamos. A educação deve ampliar as oportunidades de todos os colombianos, facilitando ferramentas pessoais e professionais que viabilizem os sonhos, não só individuais, mas também coletivos. Isto não pode ser conseguido somente com o esforço do setor educativo, uma vez que implica criar oportunidades reais, laborais e educativas para todos os jovens do país.

Os países que conseguiram pôr termo a conflitos bélicos complexos como o nosso incorporaram aos seus sistemas educativos uma revisão crítica da sua história. “Compreender a história para não a repetir”. Isto implica reconhecer o que nos manteve unidos como país, e o que nos levou aos piores níveis de barbárie. A educação pode ajudar a gerar uma reflexão crítica do papel que todos tivemos nessa história. Não se trata de que os estudantes aprendam as datas e nomes dos milhares de massacres que tiveram lugar, mas sim de analisar com as possíveis causas e os roles dos diversos atores no conflito. Também é importante rever com eles os casos de resistência à violência e de construção de paz de tantas pessoas e povos, que nos mostram do que somos capazes como colombianos. Tratasse de usar a história como plataforma para analisar o role que podem ter as crianças e os jovens na construção duma vida quotidiana e em paz, em última instancia, dum novo capítulo na história da Colômbia. Programas internacionais como o do “Enfrentando a história e a nós mesmos” [1], deixa importantes lições que podem ajudar o sistema colombiano a reflexionar sobre melhores formas de ensinar o nosso passado, o nosso presente e os nossos possíveis futuros.  

O ponto anterior relaciona-se com uma das contribuições mais importantes que pode oferecer o sistema educativo: criar uma cultura de perdão e de reconciliação nas novas gerações. O conflito deixou todos os colombianos feridos emocionalmente, tenham ou nãos sido vítimas diretas do conflicto. Perdoar passa por construir una nova intepretação dos factos que nos permita superar os impactos negativos que os mesmos tiveram na nossa vida. Tratasse de ajudar a cicatrizar as feridas emocionais que nos deixou o conflito, as nossas formas de ver os outros, de criar relações, de escutar vozes diferentes, de confiar nos outros e nas instituições democráticas. Para Danesh (2008), as instituições educativas podem converter-se em espaços de cura, quando se transformem em espaços onde as pessoas falem abertamente sobre como as marcou o conflito, uma vez que neste processo começam a descobrir que as suas dores são partilhadas, que a clara linha divisória entre as vítimas e perpetradores não é tão clara, e que os mais chamados a pedir perdão e reconciliação somos os adultos, que não devemos passar os nosso medos, ódios e ressentimentos às novas gerações. Criar uma cultura de perdão e reconciliação na escola implica ensinar as crianças e jovens a compreender as suas emoções e a maneja-las, a ser empáticos e assertivos, e a aprender a perdoar, a pedir perdão e a reparar.

Os centros educativos devem comprometer-se com a formação de cidadãos para a paz. Isto implica começar a transformar os imaginários que justificam a violência, gerar ambientes onde a solução pacífica dos confeitos seja a regra, e onde a diferença coexista harmonicamente. Martin Baró (1990), mártir da guerra salvadorenha, dizia que a “militarização da vida social vai gerando uma progressiva militarização da mente”. Na Colômbia isto evidencia-se nos aspetos mais sutis do nosso dia a dia. Na forma de solucionar os conflitos em família, em casal, no contexto laboral, comunitários e, claro, educativos. Revela-se no nosso uso da linguagem e na forma de conceber como inimigos aqueles que pensam de forma diferente. É por este motivo que um grande desafio para a escola colombiana de hoje é desafiar esta cultura, e ensinar que podemos conviver de forma pacífica apesar das diferenças. A educação deve servir para que os estudantes aprendem caminhos alternativos à violência para resolver conflitos.

A escola também deve permitir-nos viver na primeira pessoa as vantagens da democracia como via para a construção de acordo e condiciones de justiça para todos Para isso, as instituições educativas devem dar o exemplo. Aprende-se do que se vive e do que se faz, não tanto do que se escuta ou memoriza. Por isso, o mais importante é aprender como participar através da ação. Criar uma cultura de paz supõe fazer uma aposta política pela não-violência e pela justiça, reconhecendo no diálogo e na participação uma via para obter melhores condições de vida para toda a comunidade.

O conflito propagou práticas de abuso contra diversos grupos. A escola pode ter um papel decisivo na desconstrução dos roles de gênero tradicionais, que a guerra reforçou. O conflito deixou marcas profundas na identidade da nação, em aspetos como a relação dos colombianos com a sua história, e a das suas famílias, municípios e regiões de origem. É preciso formar novas gerações de colombianos que se sintam orgulhosos de ter nascido cá. Isto passa por reconhecer os recursos e as experiências de paz que nos permitiram manter-nos como país, mas também por falar diretamente de que se viveu, e em muitos casos não se quis ver: e por criar estratégias para a não repetição desde a perspectiva duma educação emocional explicita.

Por último, a construção dum pais em paz implica também fazer dos espaços educativos ambientes protetores para as crianças e jovens frente a futuros casos de violência, potenciais mercados ilegais e frente à delinquência. Nos períodos posteriores a um conflito as sociedades passam por uma fase de transição que pode trazer iguais ou piores casos de violência, uma vez que se criam grupos que aproveitam os vazios de poder deixados pelos grupos armados; havendo grupos que ao perder privilégios aproveitam os vazios de poder deixados pelos grupos armados; havendo grupos que ao perder privilégios recorrem a vias de facto para recuperá-lo. Existem também outros que, guiados pelo sentimento de impunidade ou vingança, procuram fazer justiça pela sua própria mão. A escola deve servir como um espaço de proteção contra futuros recrutamentos, fazendo da mesma um lugar de paz e um espaço atrativo para as famílias, crianças e jovens, onde valha a pena estar.

Em conclusão, a educação deve ser una variável chave para o sucesso dos acordos e para a construção dum país em paz. As grandes mudanças estruturais que se estão a discutir na Havana não terão sucesso no futuro se não se põe desde já em marcha um grande processo de transformação cultural. As comunidades educativas devem e podem ter um papel decisivo para alcançar este objetivo, para tornar possível uma nova Colômbia com a qual todos sonhamos.  

Bibliografía

Baró, M. (1990). Psicología social de la guerra. San Salvador: UCA Editores.

Danesh, H. B. (2008). Creating a Culture of Healing in Mutiethnic Communities: An Integrative Approach to Prevention and Amelioration of Violence - Induced Conditions . Journal of Community Psychology, Vol. 36 (6), 814-832.

Galtung, J. (1990). Cultural Violence. Journal of Peace Research,Vol. 27, No. 3, 291-305.

[1] Ver www.facinghistory.org

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