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Por que pessoas indígenas são mais vulneráveis a distúrbios de saúde mental?

Hoje, 9 de agosto, é o Dia Internacional dos Povos Indígenas. O objetivo deste dia é, entre outras coisas, aumentar a conscientização sobre os desafios que os povos indígenas enfrentam para proteger seus direitos e manter suas distintas culturas e modos de vida. English

Sean Roberts
9 Agosto 2019, 12.01
Criança indígena do rio Tapajós, Pará, Brasil
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Francesc Badia

Hoje – 9 de agosto – é o Dia Internacional dos Povos Indígenas. O objetivo deste dia é, entre outras coisas, aumentar a conscientização sobre os desafios que os povos indígenas enfrentam para proteger seus direitos e manter suas distintas culturas e modos de vida.

Portanto, este é um momento oportuno para refletir sobre um dos desafios preocupantes: o fato de que os povos indígenas são significativamente mais propensos a ter distúrbios de saúde mental do que as populações majoritárias.

A vulnerabilidade dos povos indígenas em relação à doença mental foi destacada em um relatório recente do Relator Especial da ONU sobre o Direito à Saúde, Dr. Darius Pūras. Ele enfatizou que, para os povos indígenas, as "estruturas políticas, econômicas e culturais" que dão origem a problemas de saúde mental podem se cruzar de maneiras particularmente prejudiciais.

Essa atenção aos determinantes políticos da saúde mental precária é expressada vigorosamente no resumo das implicações de sua pesquisa pelo Dr. Pūras: “medidas que lidam com a desigualdade e a discriminação seriam muito mais eficazes no combate às doenças mentais do que a ênfase dos últimos 30 anos em medicamento e terapia”.

Pesquisa sobre a experiência dos aborígenes australianos provê uma forte defesa da análise do Relator Especial. Mais de 30% dos aborígenes sofrem de algum tipo de transtorno psicológico, comparado a 20% da população geral; e 12,4% dos aborígenes com mais de 45 anos sofriam de demência, em comparação com 2,6% da população total. Os pesquisadores também encontraram aumentos dramáticos nas taxas entre aborígenes de suicídio juvenil, ansiedade e depressão, bem como problemas cognitivos de incapacidade e transtornos mentais na gravidez.

O reconhecimento da necessidade de abordar as causas políticas e econômicas dos transtornos mentais está se tornando cada vez mais proeminente nos debates sobre a "crise mundial de saúde mental" que enfrentamos hoje. Em particular, vários estudiosos vêm chamando a atenção para como as principais características do neoliberalismo são prejudiciais à saúde mental.

William Davies, por exemplo, argumenta que "o caráter meritocrático do capitalismo contemporâneo [...] afirma que as classes sociais não são mais relevante e, portanto, todos acabam com a posição socioeconômica que merecem. Isso produz um sentimento crônico de culpa, desconforto, ansiedade e auto-recriminação ”.

E para Ruth Caim, "há uma crescente preocupação com as condições e efeitos do neoliberalismo – o turbilhão da privatização implacável, a desigualdade espiralada, o fim de subsídios e benefícios básicos do Estado, exigências de trabalho sempre crescentes e sem sentido, notícias falsas, desemprego e trabalho precário" são parcialmente responsáveis pelo aumento dos transtornos mentais.

O colonialismo continua a se infiltrar no discurso e na prática da saúde mental global através da percepção da aplicabilidade universal dos pressupostos ocidentais

É importante ressaltar que o relatório do Relator Especial também identifica um determinante político talvez menos reconhecido da doença mental, mas que é especialmente relevante na experiência dos povos indígenas: o fato de que a saúde mental é “também profundamente influenciada pelas cicatrizes do passado, como as injustiças históricas, o legado do colonialismo, o racismo, a escravidão e a apropriação da terra”.

Uma das principais maneiras pelas quais o legado do colonialismo continua a se infiltrar no discurso e na prática da saúde mental global é através da percepção da aplicabilidade universal dos pressupostos ocidentais e dos modelos explicativos, como a abordagem ao "tratamento" fortemente baseada na farmacologia. Essa globalização das abordagens ocidentais tem o efeito de marginalizar a articulação dos entendimentos locais sobre o sofrimento mental nas línguas indígenas (que, considerando que o tema desse ano paro o “Dia dos Povos Indígenas” é a língua dos Povos Indígenas, torna o foco na saúde mental ainda mais apropriado).

Outra característica crucial das abordagens de saúde mental do Ocidente é uma visão individualista do ser. O método cientifico neoliberal reducionista, favorecido pelo Ocidente, tende a reduzir fenômenos inteiros em partes menores, incluindo a maneira como os seres humanos são entendidos. O individualismo e a abordagem científica estão associados a ideologias de consumismo, escolha individual e realização individual. Esta abordagem reducionista contrasta fortemente com a de muitas culturas não-ocidentais, incluindo as dos povos indígenas.

Nessas culturas, as crianças são socializadas com base em uma ideia diferente sobre o ser, em que a prioridade é dada às conexões e à inter-relação com os outros como a base do bem-estar psicológico. A saúde dos indivíduos é dependente e não separada das relações saudáveis com os ambientes sociais, culturais e naturais mais amplos – os ancestrais, a comunidade e a terra.

Nos últimos anos, vimos um reconhecimento muito bem-vindo, ainda que tardio, de que uma prioridade muito maior precisa ser atribuída à promoção da saúde mental global. Nesse contexto, uma reflexão sobre as experiências dos povos indígenas, e sobre as razões políticas, econômicas e culturais para essas experiências, transmite uma mensagem muito clara: para que as aspirações do movimento global sobre a saúde mental sejam realizadas, é importante que o aumento do financiamento da saúde mental seja sustentado por um compromisso com abordagens culturalmente adequadas.

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