
Presos em Cuba: violações de direitos humanos

Em Cuba, eram esperadas mudanças. A abertura econômica criada por Raúl Castro, que estabelece diferentes tipos de propriedades, o empoderamento de trabalhadores por conta própria e o restabelecimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos em 2014, trouxe esperança de mudanças políticas. Mas essa abertura econômica não venho acompanhada por mudanças políticas ou pelo estabelecimento de liberdades civis.
A reforma da Constituição, aprovada em 24 de fevereiro de 2019, admitiu, sem renunciar à primazia do Partido Comunista e do modelo socialista de gestão pública, reformas que incorporam a limitação a dois mandatos consecutivos do presidente, de cinco anos cada, a idade de sessenta anos a idade para ser eleito presidente, o empoderamento dos governadores, assim como a criação de um Conselho Nacional Eleitoral. A propriedade privada e a promoção de investimentos estrangeiros são reconhecidas. Além disso, o texto estende a proteção dos direitos humanos e garantias constitucionais. Ainda existe falta de regulamentação para essa nova legislação e, entretanto, a perseguição política aumenta e há uma afronta constante à liberdade de expressão e de movimento.
Nos últimos anos, aumentaram as detenções injustificadas de jornalistas independentes, artistas ou ativistas sociais, bem como obstáculos à mobilização de reuniões em nível local, nacional ou internacional e encarceramento sem julgamento.
O que protege o governo de protestos internacionais é que em Cuba as violações não são enormes. Não há evidências de desaparecimentos ou genocídios. Acreditamos que isso explica por que as denúncias da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Human Rights Watch, Repórteres Sem Fronteiras e imprensa independente sobre as restrições persistentes aos direitos políticos, de assembleia, associação e liberdade de expressão não mobiliza governos democráticos da América Latina ou da Europa e, portanto, não impede detenções arbitrárias ou prisões domiciliares.
Enquanto, a Constituição de 2019, por primeira vez, declara o termo direitos humanos e declara que as pessoas não podem ser sujeitas a desaparecimento forçado, tortura ou punição cruel (artigo 51), têm liberdade para entrar, permanecer, transitar e sair do território nacional (Artigo 52) e que o Estado reconhece respeitos e garante a liberdade de pensamento, consciência e expressão (Artigo 54), a realidade mostra que os cidadãos sofrem assédio diário, intimidação e detenção arbitrária. As autoridades lidam com parcialidade e opacidade sobre as causas das sentenças.
Um caso cada vez mais difundido é o dos regulados. Essa "figura" legal permite que as autoridades restrinjam a livre circulação de ativistas, jornalistas e opositores em geral. Não decorre de nenhum registro ou documento legal que justifique a impossibilidade de viajar de Cuba para o exterior. É uma ameaça verbal que não é sustentada em um regulamento ou em um processo judicial. Apenas um aviso paralisante que esses cidadãos recebem quando passam pela janela da imigração.
Segundo o Observatório Cubano de Direitos Humanos, mais de 200 detenções arbitrarias foram registradas em janeiro de 2020
A Constituição cubana não tipifica este julgamento, nem a Lei de Migração (Lei nº 1312). Na realidade, o "regulamento" é baseado em um critério contido no Código Penal. O código estabelece um perigo pré-criminal que permite parar ou punir um crime antes de ser cometido.
Não existem motivos de defesa e segurança nacional, ou de interesse público, que justifiquem "regular" um cidadão cubano. Não há regulamentação acessória que identifique essas causas. Portanto, tudo permanece nas mãos de uma decisão arbitrária das autoridades de imigração, que respondem ao Ministério do Interior (MININT).
A pessoa regulamentada não sabe as razões de sua impossibilidade de se mudar para o exterior, a duração dessa medida ou as consequências que ela acarreta. “A atual Constituição cubana tem um instrumento que não é habeas data [embora se assemelhe], mas pelo qual se pode pedir ao Estado as informações que possui sobre ele. Pedi à Imigração o motivo da minha 'regulamentação'. Claro que não houve resposta", disse o jornalista Boris González Arenas a publicação 14ymedio.
Um “regulado” pode ser direcionado à Diretoria de Identificação, Imigração e Imigração (DIIE), no mesmo prédio em que o Cartão de Identidade é concedido, ambos pertencentes ao MININT. Mas a experiência desse jornalista ilustra claramente a irrelevância desse procedimento.
A situação é mais incompreensível e incoerente se lembrarmos que o próprio código, estabelecido no Capítulo IV, Crime Contra a Livre Expressão de Pensamento, através do artigo 291, parágrafo 1, diz: “Quem, de qualquer forma, impedir que outra pessoa exerça o direito à liberdade de expressão ou imprensa garantido pela Constituição e pelas leis será punido com prisão de três meses a um ano ou multa de cem a trezentas cuotas ou ambas.”
Um dos “regulados”, Osmel Ramírez Álvarez, afirma: “Não tenho nenhum processo legal pendente, eles não me dizem exatamente o porquê", e acrescenta que tentaram condicionar o levantamento da proibição de viajar sob a condição de ele "assinar um documento ou gravar um vídeo dizendo que não vou participar da política de oposição no exterior".
Outro método para restringir a liberdade e impor o medo é a detenção de cidadãos por algumas horas. Agentes de segurança do estado também previnem que cidadãos deixem suas casas, violando sua liberdade de tráfego. O relatório da Anistia de 2015 contabilizou 1400 prisões desse tipo. A maioria desses cidadãos ficou detida entre 1 e 30 horas. Segundo o Observatório Cubano de Direitos Humanos, mais de 200 detenções arbitrarias foram registradas em janeiro de 2020. A maioria aconteceu em Havana, Santiago de Cuba e Villa Clara. O reporte também diz que 14 cidadãos foram "regulamentados" no primeiro mês de 2020.
O relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos registrou diferentes casos de perseguição a jornalistas de meios independentes, como Bairro Periodismo, Diario de Cuba, Hora de Cuba, Cocodrilo Callejero, 14ymedio. Entre fevereiro e março de 2018, 16 jornalistas foram impedidos de viajar para o exterior. A Human Rights Watch informou em 2019 que o governo continuou a realizar detenções arbitrárias. O número de detenções arbitrárias de curto prazo aumentou entre 2010 e 2016, de uma média mensal de 172 incidentes para 827.
Em 2018, foram adicionadas as detenções de artistas como Tania Bruguera e integrantes do Movimento San Isidro, que se opõem ao Decreto 349 de abril daquele ano. Com a desculpa de controlar a qualidade cultural do reggaeton, o governo pretendia nomear inspetores para verificar as obras de arte. Muitos dos artistas que reagiram ao Decreto 349 se consideravam apolíticos, e não se apresentavam como opositores.
Um jovem artista comprometido com o Movimento disse: “A oposição enfrenta um governo profundamente opressivo, eles retiram sua identidade de cidadão, criminalizam você, fazem de você um criminoso. Isso tem um custo político e social muito alto, então temos medo. A comunidade está quebrada.” Um jovem jornalista independente nos disse que dissidentes ficam muito isolados. Muitas vezes, por medo, seus amigos ou familiares os isolam. Em outros casos, esses jovens enfrentam os pais que continuam a defender a Revolução. Uma jovem nos disse que acreditava que seus pais se apegavam à ideia da Revolução porque enfrentar o fracasso dessa utopia significa enfrentar o fracasso de suas próprias vidas. De outra perspectiva, um deles nos disse: “é um dano antropológico. Meus pais perderam suas capacidades de pensamento crítico."
Desde a chegada da Internet, o Twitter e o Facebook viraram as principais plataformas em que são comunicadas essas detenções arbitrárias, proibições de viagens ao exterior, espancamentos em manifestações ou intimidação das Damas de Branco. É também online que os cubanos riem da falta de jeito de seus líderes e zombam de suas próprias lutas diárias.
As constantes violações dos direitos humanos parecem indicar que o governo já está longe de querer preservar ideais revolucionários
As violações dos direitos humanos em Cuba são diárias. Os cidadãos que discordam do governo vivem com medo. Expressar uma opinião diferente, reunir-se com associações ou movimentos de oposição tem um custo: perder o emprego, perder os poucos benefícios que podem ter alcançado, prejudicar um membro da família, não poder entrar na universidade, ficar preso ou não conseguir sair do país. Um dos jovens que conhecemos em Havana sintetizou perfeitamente: "eles não matam você, mas não deixam você viver".
Os defensores do regime argumentam que em Cuba nunca houve violações de direitos humanos semelhantes às de outros países da América Latina. Insistem, por exemplo, que o regime nunca torturou massivamente cidadãos nem se apropriou dos filhos de detidos ilegais. As forças armadas e de segurança não roubaram os bens daqueles que prenderam.
Ao analisar violações de direitos humanos, sua contextualização é crucial. Para isso, três dimensões devem ser levadas em consideração: o tipo de violação, a frequência e o número de pessoas sujeitas à violação. No caso de Cuba, atualmente não estamos enfrentando genocídio ou crimes contra a humanidade. Isso não justifica ignorar violações de direitos humanos, direitos reconhecidos pela própria Constituição cubana.
Para preservar a revolução, o regime estigmatiza qualquer opinião contrária aos preceitos do governo como um ataque à estabilidade e segurança de Cuba e, assim, justifica a aplicação de medidas definitivamente repressivas.
As constantes violações dos direitos humanos parecem indicar que o governo já está longe de querer preservar ideais revolucionários. Pelo contrário, apenas tenta se perpetuar no poder.
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