Há uns meses, o presidente argentino Maurício Macri, disse que a “política é sair do escritório e atender as necessidades”. O impopular presidente do Brasil, Michel Temer, definiu a política como “um acto religioso” que conduz a sociedade aos “valores fundamentais”. Enrique Peña Nieto, uma vez contou que a sua paixão pela política nasceu quando, sendo ele muito jovem, leu no jornal que “o Governo do Estado do México daquele então entregava tractores aos camponeses”.
Aqueles que presidem os países latino-americanos com maior PIB e maior população, vêm a política uma “ferramenta” capaz de gerar “esperanças”. O seu discurso conclui que se “a política” fizer bem o seu trabalho, se levar a cabo as “acções correctas”, então pode mudar a vida de milhões. Contudo, rara vez se referem a como as mudanças enormes e estruturais na vida quotidiana das pessoas impacta a legitimidade do sistema democrático que temos. Em tempos como estes de revolução cultural, agitada pela omnipresença das TIC, as práticas sociais deparam-se com sistemas de governo criados e pensados no e para o século XIX.
Aqueles que estão no poder nem sequer parecem interessados em lidar com isso. Simplesmente, ignoram-no. De acordo com o confuso “republicanismo”, à sensação de crise institucional há que responder recuperando o prestigio dumas instituições concebidas há dois séculos – algo impossível neste contexto. Para eles, o desinteresse da cidadania produz-se porque “a política” é corrupta: trata-se duma questão, então, de que a política deixe de ser corrupta – algo improvável neste contexto.
Ainda assim, as suas promessas projectam-se no futuro e remetem-nos a um mundo no que “teremos mais”, ou no que as coisas “funcionarão (mais ou menos) melhor” – sem que fique claro como, para quê ou para quem. No seu discurso aparece a ideia dum “futuro melhor” sem a visão dum futuro diferente.
De facto, a decepção social com a política está relacionada com a falta de resultados. Esses resultados, contudo, não vão aparecer enquanto o discurso público estiver ocupado com versões simples do poder, com explicações que não explicam, ou com estratégias discursivas que, com fins eleitorais, exploram as incertezas e a ansiedade das pessoas.
Para que esses resultados sejam possíveis no futuro, a política deve discutir sobre os complexos temas aos que nos temos que enfrentar na região. Que faremos em relação à crise habitacional? Qual é o caminho de adaptação à mudança climática? Como recuperar a mobilidade social ascendente? Qual é o novo modelo produtivo que a nossa região pode adoptar? Como podemos promover o trabalho no tempo do pós-trabalho.
Com instituições do século XIX não poderemos solucionar os problemas do século XXI. A espada de Dâmocles que paira sobre a política partidária e sobre o corpo de funcionários que ocupam os estados, é reproduzir o poder sem reparar na legitimidade.
Para a política, na região e fora dela, são tempos estranhos – tempos de eventos extraordinários. Muitos daqueles que sonhamos com um futuro com participação, inclusão e respeito pelos direitos humanos, sentimos que perdemos a narrativa. E perder a narrativa é perder, também, a nossa história. Tempos estranhos, tempos de eventos extraordinários: um bom momento para narrar os eventos actuais e encaixados na historia das lutas humanas.
A política é o conjunto de acções que se realizam para resolver a incerteza. Para a política que incorpora a perspectiva do bem comum e do desenvolvimento sustentável, a grande missão consiste em tornar verossímil de novo um contracto social para descentralizar o poder e habilitar a coordenação de conhecimentos, destrezas e saberes das pessoas, dentro e fora a estrutura do Estado.
Porque para os desafios que temos pela frente, não será suficiente a acção estatal. Ainda reconhecendo o papel dum estado forte, ainda reconhecendo o seu papel vigente e fundamental, a política deve imaginar instituições que integrem os esforços da sociedade civil. Uma política que desborde as instituições, que garantias oferece? Que oportunidades habilita? Que perigos reconhece? Como é a burocracia do século XXI? Como faremos para descentralizar o poder, sem diluir a responsabilidade?
Com estas inquietudes em mente, fizemos Política Recuperada. Sentámos 11 pessoas, activistas, políticos, de 8 países latino-americanos, a pensar e a contar a suas histórias. Fizemos Política Recuperada para encenar uma fuga das trincheiras ideológicas tradicionais e contruir uma narrativa que integre conhecimentos diversos e convergentes.
Fizemos Política Recuperada para reflectir sobre o papel das tecnologias sociais, digitais e analógicas, neste caminho. Fizemos Política Recuperada para projectar o futuro duma cultura política aberta e colaborativa que construa diferentes formas de viver, consumir e produzir.
Porque o futuro vai ser diferente; já veremos se melhor. E para construi-lo, a política deve ter menos “esperança” e mais vontades.
Política Recuperada apresenta uma série de dez entrevistas a membros destacada de Rede de Inovação Política na América Latina. Aproveitando que se reuniram em Buenos Aires, Agustín Frizzera preguntou-lhes quais são as apostas pelas novas formas de fazer política e como abordam a construção dos direitos da cidadania e o uso inclusivo da tecnologia.
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