
Milhares de participantes usam os seus telemóveis como lanternas enquanto ouvem Okean Elzy, uma das bandas de rock mais populares e bem-sucedida da Ucrânia durante uma manifestação pró-UE na Praça da Independência, em Kiev (2013). AP Photo / Sergei Grits.
Coincidindo com a Cimeira de Comunicação Política celebrada em Buenos Aires entre os dias 8 e 10 de Junho na qual participou como orador convidado, a DemocraciaAberta entrevistou Antoni Gutiérrez-Rubí, um dos consultores políticos de referencia em Espanha, impulsor de apps4citizens, ponto de encontro entre diferentes agentes (organizações, empresas, administrações e cidadania) com o objetivo de identificar, promover e desenvolver aplicações móveis para o compromisso social e participação cidadã e, juntamente com o Google, da Go App 2016. O seu ultimo livro publicado intitulasse Tecnopolítica.
Antoni Gutiérrez-Rubí define a tecnopolítica como “ação política, comunicação política e, parcialmente, gestão política através da tecnologia”. Refere-se à tecnologia da proximidade, dos dispositivos pessoais: dos telemóveis, dos computadores, dos tabletes. Uma tecnologia extraordinariamente potente, flexível, amigável e versátil. Cada vez menos barreiras de entrada e cada vez mais potencial. O poder tecnológico destes dispositivos é o que permite a ação, a comunicação e a gestão política. Mas a tecnopolítica são mais coisas:
Antoni Gutiérrez-Rubí: É também um conjunto de práticas associadas a uma forma de entender a comunicação política, as práticas políticas. A tecnopolítica supõe colocar no centro da ação política o indivíduo e as suas comunidades, algo bastante diferente da ideia de ação política que representa um conflito de classes. Uma comunidade não é uma classe: a tecnologia descobriu novos territórios e geografias do social, porque ao comunicar com pessoas e com os seus interesses, evidencia que ditos interesses são mais relevantes para a ação política que as condições económicas, educativas ou sócio laborais. A transição da condição ao interesse é uma alteração essencial na concepção política. A tecnopolítica baseia-se fundamentalmente nos interesses das pessoas, e não tanto nas suas condições – ao contrário da comunicação política analógica. Coloca o indivíduo, a sua comunidade e os seus interesses no centro da ação política”.
Oleguer Sarsanedas: É a tecnopolítica a “nova política”?
AG: Uma vez que toda etiqueta implica uma simplificação, que pode ser útil, mas também confusa, prefiro falar de novas práticas políticas. Encontramo-nos numa fase de construção cultural de práticas política, de uma forma de fazer política que já teve alguns êxitos, em processos eleitorais e de participação.
OS: Mudar a forma de fazer política altera a política?
AG: Este é o tema central. Quando a comunicação deixa de ser sequencial (uns pensam, outros analisam, outros comunicam) encontramo-nos perante um novo ecossistema – um ecossistema digital que altera as regras do jogo. Tratasse duma comunicação muito rápida e indiferenciada, onde não existe uma separação em função das competências, como nas redes sociais (nas que um pensa, diz e faz ao mesmo tempo). Hoje existe uma nova forma de comunicar e de fazer política, de faze-la e comunicá-la – ambas coisas são inseparáveis. Esta capacidade de transformação das formas e do conteúdo é enorme. Se a política é a construção de maiorias, a representação de interesses, a articulação do bem comum compatibilizando-o com os interesses particulares, é preciso construir maiorias legitimadas e, para isso, a comunicação é essencial. Converte-se no terreno natural para a construção de maiorias. É por isso que nas novas práticas comunicativas, nas novas práticas de ação política, a grande alteração produz-se na comunicação, na maneira de fazer, na maneira de comunicar.
OS: Mas pode existir a tentação, por parte dos partidos tradicionais, de mimetizar as formas sem alterar o conteúdo. Uma das características básicas da tecnopolítica consiste em que os cidadãos passam a ser ativistas...
AG: Efetivamente. E os ativistas não são somente supporters, não desempenham um papel secundário, de meros seguidores ou repetidores. Em Espanha, por exemplo, as campanhas de Manuela Carmena em Madrid, nas eleições municipais de maio de 2015, tiveram três características. Em primeiro lugar viu-se desbordada pelos ativistas. Em segundo lugar, os ativistas não pediram autorização para fazê-lo. Em vez disso atuaram por sua conta, à margem da direção de campanha. Em terceiro lugar, demonstraram que há sempre muito mais talento fora que dentro. No mundo ativista, não que há esperar ou pedir autorização: apropriamo-nos de Carmena, é nossa, não só do partido ou da coligação. A tecnopolítica libertou-nos de pedir autorização e, por tanto, gera umas dinâmicas de emancipação, de criação e inovação muito interessantes relativas à nossa vinculação com o político, que são mais ativas, mais protagonistas e mais fortes emocionalmente. Por que motivo se apropriam os ativistas das campanhas, por que são tão potentes e estão tão motivados? Porque não é o mesmo cumprir uma ordem, uma instrução, uma sugestão, que criar um movimento, uma dinâmica, uma ação. Voltando à tua pregunta, os partidos políticos tradicionais podem acreditar, efetivamente, que somente se trata de levar a cabo um aggiornamento, que o que tem que fazer é “modernizar-se” instalando uma app e usar as redes sociais. No fundo, no que estão a pensar é numa atualização técnica.
OS: Bem, técnica e estratégia. Porque quem controla a discussão nas redes sociais controla a opinião, certo?
AG: Sim, mas eles, no fundo, não acreditam que se produzirão novas formas de organizar-se nem novas formas de criar conteúdo ou ideias. Consideram que o formato organizativo não pode estar submetido ao âmbito digital. Na realidade, demonstram um desconhecimento da tecnologia ao serviço dos processos de criação e inovação. As empresas sim que sabem como isto funciona. Há mais conhecimentos tecnopolíticos no mundo empresarial que nos partidos políticos. Compreenderam mais e melhor como a tecnologia está a mudar as organizações, qual é o seu protagonismo e a sua vinculação com marcas e serviços. E compreenderam que esta nova vinculação é muito importante. A demoscopia tradicional mede opiniões, mas as novas medem procuras, interesses, consumos – um mundo mais rico em termo de análise de tendência, de medição das coisas, mais completo, complexo e diverso. Tratasse de uma visão da realidade muito mais rica e interessante.
OS: É um partido como Podemos um laboratório tecnopolítico?
AG: Evidentemente tem muitos aspetos de laboratório, de ensaio, de inovação. Está a aproveitar bem as ferramentas, está a aprender e ao mesmo tempo a usar boas práticas.
OS: E os partidos tradicionais aprendem?
AG: É o que mais lhes custa. Não estão desenhados para aprender, senão para colonizar, para ocupar o espaço. Os partidos tradicionais acham que a maneira de resolver os problemas é através da ocupação das instituições. Não acreditam que o comportamento dos cidadãos, dos consumidores, dos usuários seja mais importante que, por exemplo, a regulação dos mercados. Tendem a sobre dimensionar o potencial da regulação.
OS: Podemos falar de choque de visões políticas?
AG: São visões muito diferentes, sim. Existe um contraste muito forte na forma de entender o poder, sobre como alcançá-lo e como utilizá-lo. Mas, como fiz, Moisés Naím, os poderes tradicionais fundamentados no tamanho e na posição perdem frente aos novos poderes baseados na relação e no conteúdo. É a primeira vez na história da humanidade que juntamos as pessoas e as jerarquizamos através de padrões ano físicos – através de buscadores como o Google por exemplo. Esta nova ordem fundamentada em relações e conteúdos constituiu o novo padrão de construção do poder que está a competir com o velho. Hoje, um pequeno rápido pode ganhar a um grande lento, um pequeno ligado pode ganhar a uma grande isolado. Estamos a assistir à emergência do poder relacional, da transversalidade, da participação. Está-se a construir um ecossistema que tem práticas culturais e comportamento muito diferente do velho. Quem entenda bem isto, tem possibilidade de negócio se é uma empresa, de audiência se é um meio de comunicação, e de legitimação se se trata de uma organização política.
OS: Nestes momentos estamos a viver uma polarização em toda a América Latina com o fim do chamado ciclo progressista. Mas, ao mesmo tempo, está a aparecer uma nova onda de sensibilidade política. Tu que conheces tão bem a América Latina, como explicas esta situação?
AG: Existe um deslocamento do eixo esquerda-direita tradicional na direção do eixo renovador-conservador, que não é a mesma coisa. E o eixo velho-novo desloca-se também na direção do eixo cima-baixo. São deslocamentos importantes, que mudam a visão das coisas. O que está a acontecer na América Latina é que as forças políticas que se chamavam de esquerda, mas que não entenderam o novo ecossistema, estão a sofrer da mesma forma que as forças tradicionais de direita, que também não o entenderam.
OS: Por exemplo, no Brasil?
AG: Sim, seria um exemplo. Quando se produziu um problema de transporte, o partido no Governo achou que tinha que falar com os sindicatos. Mas as novas políticas que surgiram de ditas protestas ampliaram o olhar, ampliaram as soluções. Ampliaram a forma de ver os problemas, passando das duas dimensões da política tradicional, duma logica incremental, a três dimensões – à tecnopolítica. A tecnopolítica introduz volume, atmosfera, profundidade, territórios, mas não tem nada que ver como as geografias estabelecidas. No caso do Brasil, há quem acredite que não se podem resolver os protestos através dos sindicatos e Estado e quem acredita que os usuários, em colaboração com indivíduos com talentos diversos, são capazes de resolver problemas complexos.
OS: Outra dimensão da tecnopolítica é a sua capacidade de criar novas perspectivas tradicionais, ligações globais, entre por exemplo o Sul Global e o precariado e outros sujeitos políticos do Norte. Estamos a criar uma geopolítica do comum?
AG: O século XX foi o século dos Estados Nação e dos partidos nacionalistas, dos partidos identitários (O Partido Socialista, o Partido Comunista). Hoje, o ecossistema digital permite-nos viver com várias identidades e explorar uma identidade múltipla. Somos muitas coisas ao mesmo tempo e esta é uma alteração brutal, a grande alteração. Que limites tem? Que fronteiras? Que mapas? Que rotas? Que intersecções, que capitais, que fluxos? Trocar a geografia pelo território é uma transformação radical e profunda. O interessante deste momento é que a nova política não depende da realidade de um lugar concreto, mas sim que pode formar parte de outras realidades.
E não se trata dum processo tradicional de aprendizagem, de importação/exportação, mas sim de um processo de criação múltipla, transnacional, transversal, além-fronteiras. Por este motivo a nova política pode enfrentar-se ou pode imaginar-se com capacidade para lidar com os obstáculos da geografia política. É evidente que os instrumentos de ação política desde os Estados Nação se revelaram insuficientes para lidar com os desafios aos que nos enfrentamos, como a mudança climática ou a imigração. Foi um erro histórico e político de grande magnitude pensar que tal solução seria possível. A nova política, ao comtemplar como sujeitos os cidadãos e o seu comportamento, está melhor orientada para lidar com os desafios globais e dispõe de melhores ferramentas para fazer-lhes frente. A nova política dá-se conta de que o comportamento das pessoas é a melhor forma de obter uma regulação democrática. O grande terreno por conquistar por parte da nova política é como converter o poder cidadão em poder usuário e poder consumidor, porque dito poder é o que altera as equações. Acredito que existe uma oportunidade política para a harmonia global e para as oportunidades locais. Quando as pessoas decidem ser a mudança que querem ver no mundo, como aconselhava Gandhi, isto é sumamente importante. Através de aplicações, disponho de ferramentas que me permitem ser consciente da minha realidade, dos meus atos e das suas consequências, que me permite tomar decisões, fazendo valer a minha responsabilidade. Esta mudança de comportamento, e a tecnológica que permite medi-lo, oferecem-nos soluções quotidianas e permitem converter a política em algo quotidiano. A minha forma de viver converte-se na ferramenta central, que ao mesmo tempo me permite assumir a minha responsabilidade e criar comunidades. A tecnopolítica, como já dissemos, articula políticas em função dos interesses das pessoas.
OS: És promotor de apps4citizens. O que é e que objetivos tem?
AG: Foi uma intuição que tivemos há um par de anos, fundamentada em três princípios: existem dispositivos, tecnologias e aplicações especificamente orientadas à ação politica e social? Existem. Por isso, o primeiro que apps4citizens é, é uma biblioteca de iniciativas e recursos tecnológicos para a ação social e a mudança política. Em segundo lugar, têm ditas ferramentas capacidade transformadora? Podem ajudar-nos tanto nos protestos como para resolver os problemas? Também. Encontrámos muitas soluções, tecnologias, aplicações, práticas e experiencias que permite esta transição, com capacidade para agregar conhecimento e inteligência compartilhada. Terceira, há suficiente matéria-prima no contexto da América Latina e de Espanha? Os resultados foram satisfatórios: encontrámos muitas comunidades de trabalhadores cívicos, muitíssimo talento cívico e tecnológico e muitíssimas práticas inovadores que resolvem problemas que permite às pessoas sentir-se protagonistas do seu destino.
OS: Dá-me algum exemplo.
AG: As aplicações para denunciar a discriminação de qualquer tipo – de género, por exemplo. A quantidade de aplicações que existem para ajudar as mulheres a enfrentarem-se à violência machista é extraordinária. A quantidade de aplicações que existem para alertar e cooperar em ditos casos é enorme. Somente para esta questão existem umas 30 aplicações de alta gama, muito operativas, muito intuitivas, muito resolutivas e muito inovadoras. A solução dos problemas sociais implica tanta inovação como a solução dum problema industrial ou tecnológico, ë possível criar uma inovação de alta gama, escalável e que possa resolver problemas a diferentes níveis. Um bom exemplo disto é a iniciativa Go App, um projeto que impulsámos juntamente com o Google Espanha, para promover a criação de tecnologia na perseguição dum desafio social concreto. O desenvolvimento é feito através da participação dos agentes sociais do desafio estabelecido, pessoas ou coletivos interessados em propor uma iniciativa e em permanente dialogo com os atores políticos e técnicos da Administração Publica que apoia o processo. No caso de Madrid, com mais de trinta equipas participantes, já completámos o processo e os resultados sobre a área do trabalho: meio-ambiente e mobilidade foram relevantes. E agora seguimos para Sevilha, com vontade de promover a ocupação a partir das oportunidades que oferece a economia circular. E proximamente somaremos mais cidades espanholas… É uma experiencia de aprendizagem.
OS: Para que servem estas apps? Para que as utilizaria a Camara Municipal de Madrid?
AG: Por exemplo, para solucionar problemas de trans-mobilidade, para os quais não existem boas aplicações. Há pessoas que querem combater a mudança climática, a contaminação na sua cidade e quer soluções para que o seu comportamento de mobilidade contribua positivamente para resolvê-los. De que me serve saber a minha pegada de carbono? Para muitas coisas. Sabê-lo não é só um direito, mas também um estímulo para um determinado comportamento. Isto é o importante: a sua vinculação com a mudança social e a sua influência sobre o comportamento, que é a ponta da lança da mudança social.
OS: Que projetos estão a desenvolver na América Latina?
AG: Na América Latina trabalhamos como consultores no México, Panamá, República Dominicana, Argentina, Equador e Chile em comunicação pública e política e também desenvolvemos iniciativas tecnopolíticas, em questões como a participação social e cidadã. Existe uma nova fraternidade muito envolvente, que não é cultural e que não está relacionada com a geopolítica, mas sim com as pessoas, com afinidades. Esta nova fraternidade é uma poderosa semente para a mudança, porque nos torna mais conscientes de que não há futuro individual senão há futuro coletivo – a ideia de que não há espaço que possas proteger se à tua volta o ar está contaminado. Esta nova fraternidade é uma grande oportunidade. Reduz as distâncias entre as pessoas, os seus horários, os seus interesses e isto está a produzir mudanças que é de esperar que tenham consequências a nível social.
OS: Em Espanha realizam-se novas eleições no dia 26 de junho. Que papel desempenhará a tecnopolítica na campanha e nos resultados?
AG: Há muitos indecisos, aproximadamente 30%, que só decidirão o seu voto 24/48 horas antes do dia das eleições. Estes votantes atrasaram o momento da sua decisão, desempenhando a tecnopolítica um papel muito importante neste caso, uma vez que a sua decisão será influenciada pelas últimas mensagens recebidas, pelo boca/orelha digital. Por outra parte, nesta campanha em particular, a mobilização converte-se num elemento central. A sociedade espanhola na sua grande maioria rejeitava a possibilidade de novas eleições, o que implica convencer os eleitores para ir votar contra o seu desejo. O partido que saiba mobilizá-los melhor e passar das redes às urnas, o que saiba realizar esta transição, este caminho, terá vantagem. Por último, tendo em conta que o ambiente vital destes eleitores é um ambiente multi-ecrã e que se passam quase 4 horas ao dia em frente ao ecrã, aquele que tenha um melhor desenho de comunicação multi-ecrã para esta audiência, ganha. O que saiba conciliar o que aparece na televisão com a procura e com o conteúdo associado, ganha. Conseguir através dos ecrãs focalizar a escassa atenção dos votantes e converter em vinculante uma oferta de conteúdo é o tema chave nestas eleições.
Leia mais!
Receba o nosso e-mail semanal
Comentários
Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy