
Por que a mobilidade social é uma má ideia

Foram muitos os que levantaram as sobrancelhas quando Jeremy Corbyn disse no mês passado que um governo trabalhista substituiria a mobilidade social por justiça social como referência política. Isso vai contra a sabedoria recebida e o consenso bipartidário de que a mobilidade social é uma coisa positiva. Mas Corbyn está certo ao insistir que destacar os poucos sortudos deixa intacta a estrutura da desigualdade, e ele está certo em enfatizar os movimentos de alcance maior, como a renovação do sistema educacional, para alcançar a justiça social. No entanto, o verdadeiro problema da mobilidade social não é que ela não vá longe o suficiente para tornar a sociedade mais justa para todos. Tem, de fato, o efeito oposto – aprofundar e perpetuar a injustiça social.
O discurso público e as narrativas da mídia sempre nos lembram que a sociedade é dinâmica. Ninguém fica parado. Todo mundo está subindo ou descendo escadas, indo de farrapos a riquezas e vice-versa. A mobilidade social serve como uma promessa e como uma ameaça: se jogarmos corretamente as nossas cartas, acumularemos status e riqueza, mas também perderemos tudo se não o fizermos.
Jogar nossas cartas corretamente significa dedicar tempo e dinheiro à educação, ao treinamento e aos círculos sociais, na esperança de que eles possam nos ajudar a garantir melhores empregos. Isso significa investir em propriedades e produtos que possam gerar capital futuro ou contratar planos de aposentadoria e seguro para ter garantia a longo prazo. A ideia de mobilidade social coloca cada um de nós como um indivíduo único entre uma multidão que disputa por concentrar mais recursos materiais que o próximo.
A mobilidade social não é outra coisa senão uma versão capitalista da velha estratégia de dividir e governar
Interpretado dessa forma, a mobilidade social nada mais é do que uma versão capitalista da antiga estratégia de dividir para dominar: consolidar o poder e reproduzir a exploração fazendo com que os impotentes briguem entre si, em vez de desafiar as instituições que os dominam.
A maioria de nós precisa trabalhar para ganhar a vida: precisamos de empregos em período integral para sustentar nossas famílias. No trabalho, onde passamos a maior parte do tempo em que estamos acordados, outros armazenam parte daquele valor que produzimos. Nesse sentido, somos dominados e explorados pelo nosso trabalho. Esta situação intensifica o mais desvalorizado e precário do nosso trabalho. Mas a ideia de mobilidade social nos encoraja a esquecer essa exploração e a concentrar-nos, ao contrário, no que cada um de nós tem em termos de propriedade e capital humano.
Observe a diferença. Por mais diversificados que sejam os nossos empregos e diferentes os nossos salários, temos uma causa comum de nos mobilizarmos caso nossa exploração como trabalhadores se mostre insuportável. Essa comunalidade não é inerente às nossas posses, que nos colocam como competidores. Subestimar as condições do nosso trabalho em favor da nossa busca de propriedade significa substituir o que nos une com o que nos divide.
Enquanto as oportunidades emprego remunerado são escassas, as propriedades lucrativas, recursos públicos e investimentos geradores de renda são abundantes, o que quer dizer que – por forças de mercado de oferta e demanda – seu valor é maior quanto mais escassos eles são (ou, no caso de títulos, seus ativos subjacentes). As credenciais têm menos força no mercado de trabalho uma vez que muitas pessoas as possuem, os bairros tornam-se menos lucrativos quando qualquer um pode se dar ao luxo de morar neles, as redes de segurança se desgastam quanto mais pessoas recorrem a elas. E assim temos um poderoso incentivo estrutural para limitar o acesso popular àquilo que possuímos.
Nossas posses também são degraus para posições cujas vantagens dependem do fato de outras pessoas estarem em desvantagem. Por exemplo, elas ajudam alguns de nós a cobrar os aluguéis que os outros têm que pagar. Em um ambiente competitivo, onde os riscos abundam e as recompensas são difíceis de obter, vemos essas posses como necessárias (e algumas vezes como males necessários) para progredir na vida, em vez de ficar para trás.
A corrida desvairada por vantagens relativas nos obriga a trabalhar mais, investir mais e assumir mais dívidas – mais do que seria necessário para atender às nossas necessidades presentes. Isso vale mesmo quando temos pouca noção do valor futuro de nossos investimentos. A familiar realidade do colapso dos valores de propriedades nos alertam para o fato de que investimos em retornos incertos e esporádicos.
Estamos tão hipnotizados pela riqueza e status que os outros estão perdendo ou acumulando, que deixamos de questionar as forças sociais, econômicas e políticas que determinam seu valor
Mesmo assim, continuamos investindo e assumindo dívidas em prol da propriedade. Fazemos isso com medo de sermos menos protegidos ou termos menos chances de avançar, se não o fizermos. Nós nos convencemos de que, se tivermos mais coisas, habilidades ou conexões do que nossos colegas, nos sairemos melhor do que eles. Além disso, imaginamos que em situações de crise, aqueles com menos posses provavelmente cairão primeiro, ajudando a amortecendo a nossa própria queda.
A mobilidade social limita assim a nossa perspectiva ao compará-la com as suas fortunas ou infortúnios dos outros. Estamos tão hipnotizados pela riqueza e status que os outros estão perdendo ou acumulando , que deixamos de questionar as forças sociais, econômicas e políticas que determinam seu valor. Os custos de vida, salários e flutuações de moeda afetadas por convulsões do mercado imobiliário, crises financeiras e lutas de poder geopolíticas, chegam a nós de maneiras obscuras e indiretas. Mas nossos esforços individuais e seus resultados parecem ter consequências mais diretas.
As conexões que criamos entre nossos investimentos (ou a falta deles) e seus resultados nos convencem de que, se somos pobres ou lutamos de outras formas, não temos ninguém para culpar além de nós mesmos. Provavelmente não tentamos o suficiente ou não investimos com sabedoria suficiente. E, por outro lado, nos orgulhamos de nossas realizações como se fossem geradas por nossos esforços e investimentos sozinhos. Apesar da nossa falta de controle sobre as circunstâncias dos nossos empregos e o valor das nossas posses, a mobilidade social nos incentiva a pensar em nós mesmos como indivíduos autodeterminados.
Essa perspectiva mina as possibilidades de organizar movimentos amplos e duradouros para a mudança social. As alianças que somos mais propensos a forjar são contingentes e oportunistas: nos unimos a outras pessoas que possuem as mesmas coisas que nós, a fim de limitar o acesso a elas. Tememos que esse acesso possa reduzir seu valor e negar os esforços que fizemos para obtê-los. Leis de zoneamento excludentes que mantêm pessoas de baixa renda – desproporcionalmente pessoas de cor – fora de bairros mais ricos é um exemplo. O mesmo se aplica aos requisitos exigidos para ter acesso à educação, pontuação de crédito, critérios de seguros e apólices, como limites de benefício, que retêm recursos públicos de pessoas cujas contribuições podem ficar aquém do que elas recebem de volta.
A mobilidade social, em suma, serve como incentivo para trabalhar mais e gastar mais, como uma distração da dominação e da exploração, e como uma barreira para a formação de movimentos políticos duradouros que visam a mudança social. Manter uma certa quantidade de mobilidade social é, portanto, uma ferramenta útil nas mãos dos agentes de acumulação. Uma grande quantidade de capital é gerada pelos nossos incessantes esforços para avançar socialmente e se proteger contra o declínio. Aqueles que detêm esse capital não têm nada com o que se preocupar, desde que tenhamos um olhar cauteloso sobre nossos colegas e concorrentes. Por força da mobilidade social, o capital pode continuar sendo acumulado global e distantemente e às nossas custas, deixando-nos competindo por vantagens relativas nos espasmos de nossa dominação comum.
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