50.50: Feature

Sua performance anti-estupro viralizou me 2019. O que segue para LASTESIS?

O coletivo feminista integrou o movimento progressista no Chile. Mas os eleitores rejeitaram a constituição. E agora?

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Naomi Larsson Piñeda
27 Março 2023, 10.00
Sibila Sotomayor, Dafne Valdés e Paula Cometa, membros da LASTESIS, em Valparaiso, Chile
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Courtesy of Maca Jo

Em novembro de 2019, um grupo de mulheres tomou as ruas de Valparaíso, no Chile. Movendo seus corpos em coreografia simples, elas entoaram palavras que ressoariam com centenas de milhares de pessoas em todo o mundo.

A performance do coletivo LASTESIS (As Teses) se tornou um hino feminista global em poucos dias. Com os olhos vendados e usando os lenços verdes do movimento latino-americano pelo direito ao aborto, elas denunciaram a violência patriarcal e estatal contra as mulheres. “E a culpa não era minha, nem de onde estava, nem como me vestia. O estuprador é você. É a polícia, os juízes, o Estado, o presidente”, gritaram.

Essas palavras são “totalmente globais”, LASTESIS disse ao openDemocracy. “Quando as pessoas nos perguntam por que achamos que essa performance viralizou, dizemos que não sabemos, mas provavelmente porque a violência patriarcal, e especificamente a violência sexual que denunciamos nesta performance, está em toda parte”, explicaram.

"Um estuprador no seu caminho" se espalhou pela América Latina e muito em breve pelo resto do mundo. As performances foram encenadas na Polônia, no Quênia no Reino Unido e até mesmo na frente do tribunal onde estava acontecendo o julgamento do agressor sexual Harvey Weinstein. Acredita-se que a performance foi realizada em cerca de 200 cidades em todo o mundo, com os países traduzindo as palavras da LASTESIS para seus próprios idiomas.

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“É incrível para nós ver, apesar de nossas diferenças culturais e linguísticas, que sempre podemos nos conectar", acrescentam. “A forma de abordar o assunto pode ser diferente, ou como nos relacionamos, mas o problema é o mesmo. Por um lado, faz você se sentir parte de uma comunidade muito mais ampla, transcultural, transfronteiriça e underground, mas, por outro lado, é muito deprimente ver que o trabalho precisa ser feito em todos os lugares.”

Mulheres performando na rua

'Um estuprador no seu caminho' realizado em Valparaíso, em novembro de 2019

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Courtesy of Camila R. Hidalgo

Na sequência de "Um estuprador no seu caminho", e enquanto estavam fechadas em suas casas durante a pandemia de Covid-19, a LASTESIS escreveu seu primeiro manifesto, "Quemar el miedo" (Queimar o medo). É um testemunho feroz e cru do que as impulsiona como coletivo, mas também um relato raivoso da violência e das lutas que enfrentam como mulheres chilenas, como mulheres latino-americanas: são filhas de refugiadas políticas, realizaram abortos ilegais, criaram filhos sozinhas, foram abusadas, foram perseguidas por falarem o que pensavam. Mas, assim como sua performance viral, o manifesto fala de uma luta interseccional e transfronteiriça.

“[Mostramos] que existe uma rede feminista com suas próprias causas e suas próprias lutas, mas também com causas comuns. Podemos nos comunicar de maneiras diferentes, mas podemos trabalhar juntas para resolver as coisas juntas”, argumentam.

LASTESIS conversou comigo pelo WhatsApp da Universidade de Nova York, onde participavam de painéis de discussão. Daffne Valdés Vargas, Paula Cometa Stange e Sibila Sotomayor van Rysseghem (uma quarta integrante, Lea Cáceres, deixou o grupo há alguns anos) estão nos Estados Unidos para comemorar o lançamento de "Set Fear on Fire", a versão de seu manifesto para o mundo de língua inglesa. Como coletivo, Daffne, Paula e Sibila preferem falar como uma só. Em seu livro, elas escrevem como “nós”, não como indivíduos, o que reforça seu apelo por uma luta feminista unificada.

Elas são amigos íntimas, tendo se conhecido há atrás como estudantes; mas seu relacionamento ilustra perfeitamente a definição de "coletivo". É de respeito mútuo e amor, mas com um nível de compreensão e facilidade que parece mais profundo do que muitos laços familiares.

Artistas e criativas, elas formaram a LASTESIS em 2017 para conectar a teoria feminista e o ativismo por meio da arte e da performance. Seu trabalho é baseado em pensadoras feministas como Silvia Federici, que criticou as forças conjuntas do capitalismo e do patriarcado que se alimentam da opressão. "Um estuprador no seu caminho" se baseia no trabalho de Rita Segato e Virginie Despentes e suas denúncias da violência sexual como uma questão política.

“Escolhemos esta forma de nos expressar e de trabalhar porque acreditamos na arte como ferramenta de transformação social”, dizem, acrescentando que a performance “permite transmitir ideias, transmitir exigências, mas também passá-las pelo corpo. Nem todas as pessoas podem se relacionar com as palavras da mesma maneira, mas a linguagem do corpo… é outra forma de comunicação.”

As performances (que podem ser explicadas simplesmente como a expressão de temas e ideias por meio de letras e movimentos) são claras e poderosas, dissecando questões como a brutalidade policial, as complexidades do aborto e a luta pelos direitos reprodutivos.

"Set Fear on Fire" inclui as letras de apresentações anteriores e, embora cada palavra escrita ainda seja relevante, muita coisa mudou. O mundo de 2019 parece muito distante – especialmente para muitos chilenos.

LASTESIS apresentou pela primeira vez "Um estuprador no seu caminho" no contexto de uma revolta social histórica que viu pessoas de todas as idades e identidades em todo o país protestarem contra a desigualdade.

Por um tempo, milhões de chilenos tentaram apagar as consequências neoliberais e violentas de sua ditadura. Havia vislumbres de esperança: o presidente bilionário de direita Sebastián Piñera foi substituído pelo millennial de esquerda Gabriel Boric. Os protestos exigiam que a constituição da era Pinochet fosse reescrita. A alternativa proposta pela Convenção Constitucional era vista como uma das mais progressistas do mundo. Mas o texto foi rejeitado por 62% dos cidadãos no ano passado.

“Estamos em um momento muito mais deprimente agora, mas as ideias deste livro ainda são atuais”, afirmam. “Há um capítulo inteiro dedicado ao direito ao aborto que a nova constituição ia garantir. Mas ela foi rejeitada e agora estamos começando de novo do zero”, lamentam.

Neste mês, o Chile lançou uma nova tentativa – menos inclusiva e com expectativa de resultados mais moderados – de elaborar uma nova constituição, com um grupo de especialistas nomeados pelo Congresso para trabalhar em um projeto de 12 bases constitucionais nos próximos três meses. Este documento estabelecerá as bases para um conselho constitucional de 50 membros a ser eleito por voto popular em maio. O conselho deve chegar a um texto final para votação de aprovação ou rejeição em dezembro.

Desde a revogação de Roe v Wade em 2022, a decisão que consagrou o direito ao aborto nos EUA, “vimos mais perdas de direitos do que ganhos (…) Como feministas, devemos estar sempre alertas”, acrescentam. “Por outro lado, na Argentina, por exemplo, o aborto foi legalizado. Então, também tivemos uma vitória importante, mas ela vem de um nível de organização muito forte de quase 15 anos”, pontuam.

A versão em inglês do livro reconhece essa luta internacional compartilhada; os apelos do grupo por acesso seguro e legal ao aborto e suas críticas às estruturas capitalistas de apoiar a violência patriarcal vai além das fronteiras. Mas o movimento dessas ideias tem outro nível de significado. Como escrevem no prólogo atualizado: “Nossos corpos permanecem no Sul, mas nossas convicções e muitas de nossas incertezas migram para o Norte”.

“Com todas as críticas que temos à hegemonia linguística colonial de língua inglesa, é igualmente uma realidade que este [livro] permitirá que nossas ideias migrem para o norte (...) quando a maioria das traduções vem do Norte para o Sul”, dizem. “Portanto, esse movimento também parece importante para a luta feminista no Sul.”

O fato de terem sido convidados para Nova York para celebrar o lançamento de "Set Fear on Fire" parece especialmente significativo, principalmente como latinas. “As nossas ideias chegam até aqui. No entanto, há muitas pessoas que migram fisicamente e não são bem recebidas – são recebidas precisamente com toda esta violência que denunciamos neste livro”, diz LASTESIS. “Portanto, é uma espécie de afirmação saber que este livro iria chegar ao Norte e lembrá-los das políticas de exclusão e violência que estão a acontecer neste preciso momento nas suas fronteiras”, defende.

A LASTESIS quer deixar aberto o “convite para que as pessoas tenham um pouco mais de raiva”, pois a indiferença sustenta o status quo, defendem. “A falta de empatia permite que tudo continue como está, reproduzindo essa violência e opressão que simplesmente foram normalizadas. E graças à raiva podemos nos mobilizar e também mobilizar o mundo.”

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