No dia 27 de fevereiro, autoridades do governo visitaram o Vale do Javari, também na Amazônia, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram mortos em 2022. Embora a investigação do crime esteja quase concluída, líderes indígenas vêm cobrando uma intervenção mais ampla do Estado na região, visando combater as ameaças que sofridas e as atividades ilegais que as duas vítimas tentaram expor e prevenir. “Não temos segurança na nossa própria terra”, disse Paulo Marubo, coordenador da associação indígena Univaja, em coletiva de imprensa recente.
Durante a visita, a ministra Sonia Guajajara anunciou a criação de um comitê permanente de proteção à região do Vale do Javari, que reunirá agências do governo, ministérios, forças policiais e a Univaja. “Temos que acabar com esse ciclo de violência em todos os territórios indígenas”, afirmou Guajajara.
Expectativas promissoras, mas com falhas
Apesar de sinalizações verdes promissoras, algumas propostas do novo governo já preocupam ambientalistas e ativistas. A administração Lula planeja fazer um investimento bilionário para a realização de obras rodoviárias e ferroviárias pelo país no primeiro semestre de 2023. O pacote inclui a controversa Ferrogrão, que transportará a produção de soja da área central da Amazônia para a costa brasileira, e de lá para os mercados internacionais, como o da China.
Um dos anúncios que causou mais polêmica neste início de mandato foi o do potencial financiamento de um trecho de um gasoduto para escoar gás de xisto da reserva argentina de Vaca Muerta ao Brasil. Em visita a Buenos Aires em janeiro, sua primeira viagem ao exterior como presidente, Lula sinalizou que “vai criar condições” para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apoiar o projeto, com financiamento estimado em US$ 690 milhões.
A extração de gás em Vaca Muerta é realizada por fraturamento hidráulico, ou fracking, uma técnica amplamente criticada por ambientalistas e proibida em países como França, Alemanha e Reino Unido. O método “fratura” o xisto argiloso por meio de uma mistura de água, areia, solventes e outros produtos químicos aplicados no subsolo por jatos de alta pressão. Esses jatos desprendem o gás da rocha, permitindo que ele seja extraído. Mas a mistura é altamente tóxica, com substâncias até cancerígenas, que poluem lençóis freáticos. Devido aos seus impactos geológicos, o método de extração também pode provocar terremotos.
Os indígenas Mapuche, na província argentina de Neuquén, onde as reservas de Vaca Muerta estão localizadas, têm vivido esses problemas na pele. Pelo menos 14 poços de exploração estão em suas terras, e eles têm protestado contra a contaminação das águas. Além do impacto socioambiental na região, a exploração de Vaca Muerta lança dúvidas sobre os compromissos climáticos da Argentina e as credenciais ambientais de Lula.
Diante da reação negativa do anúncio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o gasoduto de Vaca Muerta não deve demandar recursos do BNDES. Em nota, o banco informou ao Diálogo Chino que, até o momento, “não existe demanda ou previsão, por parte do BNDES, de financiar projeto de serviços de infraestrutura no exterior”.
Nova era desenvolvimentista?
Grandes projetos de energia e infraestrutura estão no DNA dos governos Lula. Entre 2003 e 2010, a matriz energética do país cresceu 25%, com a adição de 27,9 mil megawatts de energia na comparação com 2002. Neste período, programas de obras públicas construíram ou começaram a construir algumas das maiores hidrelétricas do mundo, mais de 20 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia, mais de seis mil quilômetros de rodovias e 909 quilômetros de ferrovias.
O investimento público em infraestrutura é um dos pilares do modelo desenvolvimentista que permeou não só a era petista — de Lula à sua sucessora, Dilma Rousseff (2011–2016) — mas também outros governos latino-americanos durante a chamada “onda rosa”. Hoje, muitos desses projetos, como a usina de Belo Monte, são tidos como obsoletos, com impactos socioambientais e custos financeiros que ofuscam os benefícios da obra.
Comentários
Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy