Um partidário do acordo de paz discute com uma opositora no centro de Bogotá. 24 novembro 2016. AP Photo / Ivan Valencia. Todos os direitos reservados.
Desde que começou o cessar-fogo bilateral e definitivo, há 90 dias, não
houve mais que um incidente armado entre o exército e as FARC. Mas foram
assassinados um a um 20 lideres camponeses, segundo a investigação da Silla Vacía, dos quais seis eram
militantes do partido “Marcha Patriótica”.
“Estão a repetir a dose”, diz com humor macabro a sua presidente, Aída
Avella, sobrevivente do extermínio de 3.000 membros da União Patriótica há 30
anos.
A matança aumentou a partir do dia 2 de outubro, com o triunfo do Não no
plebiscito. Mas vinha de longe: desde que se iniciaram as negociações de paz
com as FARC. A cada avanço dos acordos na Havana correspondia uma quota de
mortos nos campos da Colômbia: dirigentes regionais e comunais, ativistas de
direitos humanos, advogados de vitimas e deslocados: 105 no ano passado. E muitos
membros do Partido Comunista ou da Marcha Patriótica: 124 nos últimos quatro
anos.
Quem os mata? Não se sabe. Assassinos em motos. Mas na Colômbia rural de
hoje todos andam de moto, tanto os assassinos como os assassinados; e
aspirantes a assassinos não faltam numa população desmoralizada por 50 anos de
guerra suja.
Quem os manda matar? “Forças escuras”, dizia há 30 anos, impávido, o
presidente Virgílio Barco, que não se preocupou por aclará-las. E por isso
cresceram. O seu ministro de governo por aquele então, o futuro presidente
César Gaviria, contou mais de 50 organizações “escuras”, às que se começou a
dar o nome de “narcoparamilitares”: narcos, porque eram sócios dos narcos, e paramilitares,
porque atuavam de acordo e em mutuo auxilio com os militares. Só muitos anos
mais tarde começaram a conhecer-se nomes próprios dos chefes destes grupos: os
Castaño, Mancuso, Báez, Tovar Pupo… Alguns foram extraditados para os Estados
Unidos pelo governo de Álvaro Uribe para que fossem julgados lá por contrabando
de drogas e não aqui pelo massacre de camponeses. Outros foram presos aqui, e
revelaram alguns nomes dos seus sócios nas Forças Armadas, dos quais o mais notório
foi o general Rito Alejo del Rio, e alguns dos seus amigos no Congresso, nas
assembleias, nos governos, nos municípios: os parapolíticos, dos quais uns quantos foram parar à prisão, não sem
antes ter votado previamente, tal como lhes pediu Uribe, os projetos do
governo.
Agora a história repete-se. Provavelmente por detrás da onda de crimes estão
outra vez as mesmas “forças escuras” que não deixaram de atuar do mesmo modo
apesar das mudanças sucessivas de nome. Já não se chamam “narcoparamilitares,
mas “bacrim”, grupos criminosos: Águilas Negras, Urabeños, Rastrojos,
Libertadores del Vichada, ou “Ejército antirrestitución de tierras”; mas
continuam a ser as mesmas estruturas criminosas de antes. E, tal como naquele
momento, financiam-nos os mesmos velhos latifundiários de há 30 anos ou os
novos que nestes 30 anos se enriqueceram com as terras despojadas a milhares de
famílias camponesas. Esses aos que os partidários do Não no plebiscito (o
ex-presidente Uribe e os seus seguidores, os pastores de Fedegán, o
ex-procurador e pré-candidato presidencial Ordóñez, etc…) apelidam cinicamente
de “possuidores de boa fé”. Porque, ainda que não possam negar que houve
despojos (simples “migrantes internos”, assim lhes chamava o assessor de Uribe
José Obdulio Gaviria), empenham-se em negar que tenham havido despojadores. Não
querem devolver legalmente o que conseguiram de forma ilegal.
Se o governo de Juan Manuel Santos, que depois de muito trabalho acaba de
assinar pela terceira vez a paz com as FARC não resolve a situação; se não investiga
seriamente quem são os cabecilhas da nova matança; se não averigua se, tal como
no passado, contam com a cumplicidade de chefes militares, dirigentes políticos,
notários, autoridades locais; e se não os persegue em consequência, a paz que
foi assinada três vezes só terá durado o tempo que demora a dar um discurso.
Este artigo foi publicado previamente na Lalineadefuego.
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