Na Conectas, a avaliação de impactos sempre foi uma prioridade institucional importante. Nós passamos a compreender a avaliação não tanto como a avaliação de resultados, mas, ao invés disso, conforme Emma Naughton e Kevin Kelpin inferiram, como um processo que contribui para melhorar nossa aprendizagem institucional. Esta abordagem em relação à avaliação também nos permite descobrir impactos que poderíamos não ter esperado. Caso as organizações utilizem as avaliações apenas para aferir o nível de resultados desejados, e não para aprender mais sobre as ações como um todo, elas podem deixar de notar diversas outras mudanças que ocorreram.
Nossa abordagem e processo nos permite avaliar não apenas nossas próprias operações, mas também como o contexto pode estar mudando, evoluindo e afetando nossos planos. Apesar das diversas complexidades, é essencial compreender se e como a mudança está acontecendo - incluindo mudanças imprevistas - e como setores da população e organizações podem ter contribuído para esta mudança.
Apenas ao compreender se as estratégias de incidência foram eficazes e por que (ou não), podemos entender se faria sentido replicá-las. No ano passado, pela primeira vez, Conectas e organizações parceiras da Rede de Justiça Criminal lançaram uma grande campanha na mídia contra a prática da revista vexatória de familiares que visitam seus parentes na prisão. O impacto da campanha foi duplo: no Estado de São Paulo, onde a campanha foi lançada, uma lei foi aprovada proibindo essa prática, o que foi uma grande vitória em si. Ademais, uma nova parcela da população, que embora não apoie os “direitos humanos” diretamente, começou a simpatizar com a situação dessas mulheres - avós, mães ou filhas - que têm que passar por esses tratamentos humilhantes, a fim de visitar seus parentes na prisão. Ao apelar à elucidação pública sobre a situação desumana que os familiares dos presos têm que vivenciar, ao invés da situação dos próprios presos, a campanha obteve um apoio sem precedentes. Este impacto foi inesperado, e aprender a identificá-lo nos ajudou a pensar outras campanhas de direitos humanos que poderiam reunir um público ainda maior para nossas causas.
Na verdade, as lições inesperadas que aprendemos com nossos processos de avaliação acontecem frequentemente. Elas normalmente são surpreendentes e sempre relevantes, e influenciaram nossas estratégias e processos de planejamento de maneira profunda e construtiva.
Por exemplo, outro processo de avaliação nos ajudou a compreender que o uso de mecanismos internacionais pela Conectas era amplamente reforçado pela maneira como a imprensa internacional cobria o caso. Resoluções e recomendações têm impacto nas autoridades, mas caso as recomendações sejam veiculadas de alguma forma em jornais internacionais, a reação das autoridades pode ser muito mais rápida.

Demotix/Giuseppe Bizzarri (All rights reserved)
"By appealing to people’s understanding of the barbaric situation that prisoners’ relatives have to go through, the campaign gathered unprecedented support. Learning to identify this impact has helped us rally an even larger audience to our causes."
Notadamente, em 2011, quando a Conectas tentou dar destaque às péssimas condições das prisões no estado do Espírito Santo, os esforços realizados internamente para dialogar com os formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão se mostraram inúteis. No entanto, quando a Conectas levou o caso à ONU, esta atividade foi amplamente coberta pela imprensa internacional. Estas ações então levaram à imediata abolição do uso de containers de metal nos quais eram detidos presos provisórios e à criação de um "torturômetro" para monitorar os atos de tortura no estado.
Avaliar nosso trabalho nos ajuda a encontrar o difícil equilíbrio entre as batalhas que queremos travar do ponto de vista moral, e aquelas que possuímos a capacidade de travar e de, provavelmente, vencer. Avaliar nosso trabalho nos ajuda a encontrar o difícil equilíbrio entre as batalhas que queremos travar do ponto de vista moral, e aquelas que possuímos a capacidade de travar e de, provavelmente, vencer. As avaliações também nos fornecem as provas e dados que podem ajudar a reconhecer e celebrar nossas vitórias, aspecto fundamental para os defensores de direitos humanos que dedicam suas vidas a essa causa. Por último, mas com certeza não menos importante, nossos financiadores querem e precisam entender onde fazemos a diferença, assim como qualquer investidor tem que conhecer o retorno de seu investimento. Mesmo que não tenhamos o resultado esperado, mas possamos mostrar algum outro resultado, isto ainda é um impacto, e novas ações e fundos podem ocorrer a partir dessa avaliação e reflexão.
Com o passar do tempo, aumentamos a conscientização da nossa equipe sobre a necessidade de avaliar seus trabalhos. Atualmente, a Conectas leva a cabo rigorosos processos de planejamento: com base em nosso plano estratégico de cinco anos, e nosso plano tático de três anos, nossos programas e áreas desenvolvem planos operacionais anuais que são revisados duas vezes por ano durante avaliações formais. As próprias equipes realizam essas avaliações, pois, como Naughton e Kelpin também destacaram, elas são as mais adequadas para entender as sutilezas e complexidades de uma situação específica, e para identificar mudanças ou impactos não esperados que outras pessoas podem deixar de notar.
Durante estas avaliações, procuramos considerar não apenas a qualidade de execução de determinada ação - embora esta também seja uma parte fundamental do processo - mas, de modo mais destacado, o feedback de atores importantes. Os participantes do nosso Colóquio, que ocorre de dois em dois anos, são convidados a responder uma pesquisa de opinião no final do evento, bem como seis meses mais tarde, a fim de medir o impacto do evento nas suas vidas e trabalho. Os leitores e colaboradores da Revista Sur também são indagados regularmente sobre quão relevante e útil eles consideram os artigos para seus trabalhos.
Os resultados dessas pesquisas foram, algumas vezes, surpreendentes como a constatação de que apesar de nossos diversos esforços para divulgar a edição impressa da Revista Sur, a versão online possui uma audiência muito maior. Como consequência, decidimos transformar a SUR em uma revista majoritariamente online. As pesquisas do Colóquio também revelaram elementos importantes sobre o programa e formato do evento. As metodologias que são usadas atualmente e o tempo e recursos dedicados ao fortalecimento das relações humanas e organizacionais durante o encontro, são resultado direto dessas pesquisas.
Por fim, reconhecemos desde já que essas avaliações são tendenciosas, subjetivas e incompletas. Estamos vendo o mundo com nossa própria estrutura e desde nossa própria perspectiva. Analisamos atentamente o trabalho que fazemos e avanços que são feitos, por exemplo, no sistema de justiça criminal ou na área da política externa brasileira, a partir da perspectiva de crescente transparência e participação da sociedade civil. Não podemos analisar os avanços dos direitos humanos de modo global, apenas podemos tentar entender o nosso papel na promoção de nossas causas dentro de cada área. No entanto, ao reconhecer quando não atingimos nossas metas e ao ficar abertos a resultados inesperados, esperamos sempre evoluir e nos adaptar ao que está ao nosso redor. E nós esperamos que cada organização faça o mesmo, a fim de construir uma visão mais completa do campo e criar intervenções mais eficazes.

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