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Idomeni, Grécia – sem saída

O campo de refugiados de Idomeni foi, durante as últimas três semanas, o epicentro do conflito da entrada dos refugiados na Europa. A distinção feita na fronteira entre migrantes e refugiados fez a violência escalar. English

Ana Catarina Milhazes
16 Dezembro 2015
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Pasaporte sellado Pre-Schengen en Idomeni, Grecia. Wikimedia Commons.

Idomeni não é um campo de refugiados oficial, é uma pequena e pacífica vila grega que viu parte do seu território ocupado por uma população crescente, impedida de passar a fronteira com a República da Macedónia, o primeiro dos países da chamada “rota balcânica”. Desde o verão, o tráfego aumentou de modo avassalador. Diariamente, há cerca de 3000 pessoas a cruzarem a fronteira com a Macedónia. Este ano, chegaram à Grécia cerca de 729 mil pessoas requerendo asilo, de acordo com os números do ACNUR. Entre essa população há migrantes e há refugiados e tem sido a diferenciação entre eles, que muitos consideram injusta, que tem justificado os protestos e a escalada de violência no campo de Idomeni.

Cinco dias após os ataques de 13 de novembro em Paris, a República da Macedónia e a Sérvia passaram a permitir que apenas sírios, afegãos e iraquianos cruzassem as suas fronteiras. Aqueles que, desde 18 de novembro, foram impedidos de entrar na Europa pela Macedónia, permaneceram no campo de Idomeni. As nacionalidades variavam: havia magrebinos – marroquinos em quantidade –, muitos iranianos, palestinianos, ganenses, somalis, sudaneses, paquistaneses, bangladechianos, nepaleses, indianos. Cerca de 80% da população fixada no campo era masculina. Os iranianos, os palestinianos, os ganenses, os somalis, os sudaneses e os nepaleses viajaram sobretudo em família, ao passo que grande parte dos magrebinos, dos paquistaneses e dos indianos eram homens entre os 25 e os 35 que vieram entre grupos de amigos. Muitos dos que podem cruzar a fronteira com a Macedónia – sírios, afegãos, iraquianos e palestinianos refugiados da Síria (os palestinianos refugiados do Líbano não podem passar a fronteira) – vêm em família. O fechamento das fronteiras a certas nacionalidades estabelecido pelas autoridades macedónicas e sérvias visa diferenciar migrantes de refugiados.

Todavia, se esta medida procura proteger a Europa de grupos marginais que pretendem ilegitimamente tirar partido do direito de asilo, acaba simultaneamente por prejudicar aqueles que têm direito ao asilo mas aos quais não é concedido. Foi este o caso de larga parte dos iranianos que estiveram bloqueados no campo, em média cerca de 15 dias. Aslam, um menino com talvez 10 anos, silencioso e tímido, levantava a cabeça ocasionalmente para sorrir e voltava a baixá-la para se concentrar no desenho que estava a fazer. Também ele se juntou ao protesto: desenhou três vezes o símbolo do ACNUR (um par de mãos a servir de abrigo a uma pessoa) e escreveu à volta, repetidamente, “help, help, help”, e ao centro, “IRAN”.

Foto de la autora.

Três das tendas grandes do campo A – o campo mais próximo da fronteira e aquele que é policiado – estiveram praticamente preenchidas por iranianos. Estes, quando chegavam de Atenas, desconheciam que estavam/estão impedidos de passar a fronteira. Nos autocarros que chegavam diariamente, vinham muitos iranianos entre os sírios, os afegãos e os iraquianos. Os primeiros foram obrigados a fixar-se no campo, enquanto aos outros foi permitida a passagem para Macedónia. Nassin, 35 anos, chegou à Grécia por mar, a partir da Turquia. Veio com os dois filhos, o marido e outros dois familiares. Cada um deles pagou 1200€ pela passagem num barco de 10m de comprimento onde vinham 45 pessoas. São uma família iraniana. Nassin e o marido são tradutores (farsi-inglês). Têm um cunhado em Inglaterra e é lá que querem chegar. Nassin queria saber se conseguiriam passar a fronteira e qual o país que os poderia receber melhor – a Alemanha é apenas uma referência, normalmente dada pelos traficantes, não uma escolha premeditada e inflexível.

Tanto aqueles que foram impedidos de passar a fronteira como aqueles que a conseguem passar não têm conhecimento do percurso pela Europa ou dos procedimentos. Os voluntários que estão no terreno procuram auxiliar quem chega na passagem para a Macedónia e informá-los sobre o percurso que terão de fazer até à Áustria (Macedónia – Sérvia – Croácia – Eslovénia – Áustria). Aqueles que foram impedidos de prosseguir foram também ajudados – deram-se tendas, sacos-cama e cobertores. O número de bens fornecidos, todavia, era inferior ao necessário. Durante as semanas do bloqueio, a comida, por exemplo, – fornecida por grupos de voluntários gregos, alemães, portugueses e americanos – não chegava para toda a população fixada (os que estavam de passagem, aqueles que cruzaram a fronteira, não recebiam comida; seguiam diretamente dos autocarros para a fronteira e recebiam a refeição no campo de Gevgelija, já no lado da Macedónia).

Nas semanas entre 27 de novembro e 3 de dezembro, os protestos daqueles que foram impedidos de cruzar a fronteira intensificaram-se. Nos primeiros dias, os protestos foram maioritariamente pacíficos. Entre os protestantes, estavam homens mas também mulheres e crianças. Foram protestos pacíficos e quase passivos – escreveram-se mensagens em cartões e nas tendas. Alguns dos protestantes fizeram greve de fome e cozeram com linha os seus lábios em sinal de protesto. A 28 de novembro, a Macedónia construiu uma barreira de rede soldada e arame farpado. Progressivamente, à medida que o tempo avançava e não havia sinal de maior flexibilidade por parte das autoridades macedónicas, os protestos tornaram-se mais violentos. Entre os dias 2 e 3 de dezembro, as ONG’s saíram do terreno, dando a situação por incontrolável. Nesses dias, foram destruídas tendas do ACNUR, incluindo aquela onde se reuniam os funcionários, dos Médicos Sem Fronteiras e uma pequena tenda organizada para atividades com crianças. O ACNUR apelou à correta intervenção das patrulhas policiais gregas, que não estão, até agora, autorizadas a intervir, a não ser em casos-limite – é necessário prevenir e esse tipo de intervenção, em Idomeni, ainda não teve lugar. A FRONTEX irá intervir e instalar-se no campo. Por estes dias, estão no terreno apenas os voluntários não-filiados a ONG’s ou filiados a pequenas organizações. Naturalmente, também eles estão vulneráveis e sob risco.

Sob aquelas circunstâncias incontroláveis, com a barreira policial grega da fronteira destruída pelos protestantes, a Macedónia decidiu, no dia 2 de dezembro, fechar temporariamente a fronteira. Os autocarros com os refugiados vindos de Atenas, todavia, continuaram a chegar. No dia 4, encontravam-se até 8000 pessoas num campo que pode albergar, no máximo, 2500. A maior parte destas pessoas, ao contrário do que se pensa, não fala inglês ou fala-o mal. A população síria é a mais escolarizada e a que mais sabe falar inglês. Muitos afegãos, iraquianos e iranianos falam apenas farsi ou árabe. Para ajudar todas estas pessoas, estavam no campo cerca de 6 tradutores, que variavam os turnos. Os curdos que não falavam outra língua a não ser o curdo não conseguiam ser entendidos. Frimesk é uma menina de 9 anos, de uma dessas famílias. A mãe tentava explicar-se a uma tradutora do ACNUR – não se entendiam; a tradutora falava árabe, ela curdo. Encontrei Frimesk na tenda das crianças e, por desenhos e gestos, consegui entender o seu nome, a sua idade e a sua constituição familiar: vem com a mãe, com o pai e com o irmão mais novo. Saber mais era difícil. Não havia ninguém para os interpretar, nem ninguém para os ajudar a passar a fronteira.

A situação era esmagadora – para os que chegavam, assustados perante o cenário caótico, para os que permaneciam, angustiados pela falta de resoluções, e para os que procuravam ajudar, que se viam sem meios e sem auxílio. Duas semanas num campo desorganizado permitem reconhecer todas as variáveis e falhas. Foi por isso que se agravaram os casos de violações e de assédio, e as suspeitas de tráfico de crianças. Algumas mulheres africanas prostituíram-se, enquanto estavam bloqueadas no campo, possivelmente para ganhar dinheiro para poderem regressar aos seus países. Algumas das pessoas impedidas de entrar na República da Macedónia estavam também impedidas de voltar para trás – uma grande parte largou tudo para vir para a Europa; alguns não tinham dinheiro para a viagem de volta e muitos receavam voltar porque, para poderem partir, contraíram dívidas nos seus países que não conseguem pagar.

Idomeni, até há poucos dias, era um beco sem saída. Lá, não se consiga andar nem para a frente, nem para trás. Toda a população que lá estava fixada foi transferida para Atenas. O problema foi deslocado, mas não solucionado.

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