
Manifestação contra o governo e a corrupção em Brasília. Imagem: José Cruz / Agencia Brasil, CC BY-2.0.
O modelo de democracia representativa na América Latina tem apresentado, no curso do século XXI, um problema vital que diz respeito à sua própria razão de ser: os representantes eleitos são, em geral, significativamente incapazes de responder às demandas daqueles que representam.
Apesar de que as democracias latino-americanas, majoritariamente, não se encontram – como no passado – sob a sombra de possíveis golpes militares, parece evidente que a falta de estabilidade desses regimes democráticos é uma característica ainda marcante da região, ainda sob alguma influência do autoritarismo. No mais, a sensação generalizada, na América Latina, é a de que os governantes não apenas não respondem às expectativas dos cidadãos que os elegeram, como, ao assumirem os cargos, fazem explícito e institucionalizado uso das máquinas públicas para benefícios estritamente pessoais.
Alguns pensadores lançaram-se ao desafio teórico de analisar e apontar as raízes dos problemas fundamentais das democracias latino-americanas. Guillermo O`Donnell, por exemplo, enxerga a questão a partir da fragilidade dos mecanismos de accountabillity, ao passo que Przeworski, aponta como razão da fragilidade das democracias latino-americanas os baixos níveis educacional e sócio-econômico da região. É preciso não perder de vista que a realidade latino-americana somente pode ser entendida a partir da histórica desigualdade social, que impactou e foi impactada pelos modelos políticos adotados na região. O resultado dessa construção, atualmente, é a manutenção de um abismo entre aqueles que estão no poder e aqueles que estão nas ruas.
É inútil defender a sustentação de um sistema no qual aqueles que deveriam ser os mais beneficiados são, na prática, os mais afetados. A crise de representatividade, a grosso modo, pode descambar em dois efeitos para os cidadãos:
O resultado dessa construção, atualmente, é a manutenção de um abismo entre aqueles que estão no poder e aqueles que estão nas ruas.
1- A partir de uma visão pessimista, desenvolver a sensação de apatia política e pouco interesse pelo universo da política diante de um sistema no qual a maior parte dos representantes apenas busca utilizar das instituições para a ampliação dos seus privilégios individuais;
2- ou, por outro lado, adotando uma visão mais otimista, servir de incentivo à busca por soluções (não-institucionais, inclusive) que visem aproximar cidadãos e governos, conectando-os de maneira mais efetiva, a partir da diminuição dos custos de participação política e da apresentação de novas formas de representação política.
Não há muitas dúvidas sobre o fato de que a democracia representativa é o modelo mais avançado e aclamado, dentro dos regimes democráticos, e o ponto central aqui não é propor o seu fim, no cenário latino-americano, mas, pelo contrário, fortalecê-la, através do apontamento de possíveis soluções que se baseiem numa premissa básica: permitir que as pessoas expressem as suas demandas e que estas sejam consideradas, nas tomadas de decisões.
A aplicação de soluções teóricas para problemas políticos e sociais reais deve ocorrer pela experimentação. Trata-se, sobretudo, redefinir os meios de representação e participação política e, para tal, uma hipótese é utilizar das ferramentas disponíveis, testando as suas aplicabilidades em regimes democráticos, sobretudo em regiões nas quais estes ainda não estão totalmente consolidados, como é o caso da América Latina.
A história dos regimes políticos tratou de apresentar diversas dessas ferramentas, e os exemplos são inúmeros. O século XXI tem mostrado aquelas que podem ser interessantes e impactantes instrumentos de inovação política: a internet e as tecnologias de informação.
Conceitos como “cyberdemocracia”, “democracia digital” e “democracia virtual” tentam explicar o papel da internet e das tecnologias de informação em sistemas democráticos. O avanço dos anos tem mostrado o poder da internet e das tecnologias na dinâmica social, o que influi no mundo político.
Primeiro, ao invés de se buscar soluções políticas a partir da falsa premissa de que a internet promoverá uma total revolução utópica no mundo político, e lidar com a frustração de que assim não é, nem será; é preferível entender a internet e as tecnologias da informação como ferramentas que podem ser utilizadas para refinar e ampliar a participação política. A partir desse entendimento é que se pode trabalhar o melhor uso dessas tecnologias para o mundo político.
A questão, igualmente, também está muito relacionada aos diversos usos que os cidadãos fazem da internet e das tecnologias. Muito embora a internet possa ser - como vários estudos demonstram - uma ferramenta particularmente positiva para a participação política, seja por possibilitar a exposição de opiniões e idéias, seja pela descentralização da informação, seja mesmo pela capacidade de mobilização social através de redes sociais; nada garante que um cidadão, ao ter acesso à internet, necessariamente, participe politicamente de maneira mais ativa.
O mais importante, dentro da realidade local, é que se incentive a experimentação de iniciativas que permitam a inclusão e aproximação de governos e cidadãos.
A democracia representativa na América Latina deve continuar pautada na lógica de representantes e representados, e a pergunta que se apresenta é sobre qual seria o papel contributivo da internet e das tecnologias, nesse caso. Primeiramente, as tecnologias e a internet, de maneira geral, podem ser capazes de disponibilizar de forma mais abertas as informações do universo político, permitindo que os cidadãos se expressem e critiquem. Uma vez que os custos de se adquirir informações e de expressar opiniões críticas acerca de governos diminui, parece natural que a participação política sofra algum impacto positivo.
Outro impacto considerável da internet na democracia representativa, notadamente na América Latina, é a possível redução dos requisitos de representação, uma vez que a internet e os meios de comunicação desenvolvidos a partir dela podem fazer crescer vozes de representantes de causas políticas e sociais, muitas vezes mais próximos dos grupos que afirmam representar. Entretanto, um problema, nesse caso, seria que esses “representantes” (na acepção mais ampla do texto) não estariam sujeitos aos mecanismos formais de controle que os representantes eleitos estão.
Os exemplos, dentro da América Latina, de soluções não-institucionais que representam o uso de tecnologias que reduzem os custos de participação política e proporcionam novas formas de representação, têm se multiplicado de maneira significativa. É possível citar a plataforma brasileira Update Politics!, que se propõe a mapear iniciativas que busquem reduzir a distância entre a sociedade civil e o poder público, na América Latina. Pode-se citar, também, o projeto da Red de Innovación Política em América Latina, que se funda na ideia da inclusão política. Junto a esta, encontra-se a plataforma Asuntos Del Sur. Ambas foram responsáveis pelo lançamento, em 2017, da publicação Recuperar La Política, apresentando as agendas de inovação política na América Latina.
O processo de desenvolvimento de democracias latino-americanas mais abertas e inclusivas, com ampliação da participação política e novas formas de representação envolve a resolução de problemas sociais, estruturais e institucionais. Do ponto de vista estritamente político, parece claro que um sistema falho mereça soluções. Evidentemente, soluções podem funcionar ou não funcionar, mas o mais importante, dentro da realidade local, é que se incentive a experimentação de iniciativas que permitam a inclusão e aproximação de governos e cidadãos. A internet e as tecnologias, enquanto ferramentas, podem contribuir para isso.
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