
Departamento de Estado EUA. Public Domain.
“É uma pessoa normal. Os camponeses dizem que é um homem que entende as pessoas, que lhes fala na sua própria língua. É um irmão. Tornou-se num referente”. Assim descrevia uma habitante de Catatumbo (Norte de Santander) o homem conhecido como Megateo quando falei com ele durante o meu percurso pela região há um par de anos.
A violenta morte desde mesmo homem no dia 2 de outubro de 2015 foi celebrado como um grande êxito nos meios de comunicação nacionais e internacionais. Era um dos narcotraficantes mais procurados da Colômbia. A sua morte foi um golpe importante contra a indústria ilegal da cocaína. Apesar disso, para os habitantes de Catatumbo, há menos motivos para celebrar. Para eles, o futuro imediato pode ser ainda mais duro, se se confirmar um aumento da violência desconhecido durante o "reinado" de Megateo.
Megateo não era um narcotraficante qualquer. Começou a sua carreira como guerrilheiro. Converteu-se em líder do Exército Popular da Libertação (ELP), o qual ainda conserva uma pequena facção em Catatumbo. A sua função como “narco-broker” foi o que lhe deu tanto poder: coordenava os acordos entre as diferentes fases do processo de produção de cocaína. Ajudava a superar a desconfiança entre os grupos que participavam no negócio: as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e o EPL; os paramilitares e logo os seus sucessores; e vários grupos criminosos.
Conseguiu cumprir com êxito esta função de intermediário porque tinha três características chave: confiabilidade, credibilidade e “sociabilidade”. Ao ser muitas vezes o único contato direto entre os grupos envolvidos, a sus responsabilidade consistiam em fechar acordos sem problemas: por isso tinha que ter a confiança de todos. A sua reputação de “bom broker”, construída durante 25 anos, conferia-lhe também a credibilidade necessária no negócio. Tinha também uma amplia rede de contatos que lhe serviam para conectar e reconectar as diferentes fases do processo ao mesmo tempo que garantia a validez dos acordos sem pôr em perigo o negócio.
O que vale uma morte
Com a eliminação de Megateo foi possível romper uma parte importante da cadeia de produção de cocaína. Como as suas três características escasseiam entre os narcotraficantes, será difícil restabelecer a mesma de forma rápida para assegurar o subministro continuo de coca aos laboratórios e o fluxo de cocaína pelas rotas do narcotráfico até à Venezuela e ás Caraíbas. Mas é só uma questão de tempo.
O preocupante agora é que a morte de Megateo deixa um vazio de poder, tanto no negócio da droga como no controlo do território em Catatumbo. Sem esta figura que sabia reconciliar as diferentes necessidades de vários grupos que são ao mesmo tempo adversários ideológicos, uma luta pela sucessão de Megateo é a dia de hoje mais que provável.
Ainda que o final das FARC possa estar mais perto que nunca, ainda continuam em ativo. E em Catatumbo o seu poder continua a ser particularmente forte. Nesta região operam também o ELN, o EPL e outros grupos denominados “Bandas Emergentes” ou “Bandas Criminales Emergentes” (BACRIM), e até gangs de jovens subcontratados por grupos mais poderosos.
Enquanto que os combates entre esses grupos e as forças armadas são bastante frequentes, entre eles mesmos conseguiram estabelecer acordos de conveniência que ajudam a reduzir o número de lutas violentas. Esta estabilidade relativa que se vivia na região devia-se em parte a Megateo. Na sua função de broker contribuiu a um “equilíbrio maquiavélico”, como foi descrito por um defensor de direitos humanos da zona, no qual cada um conhecia os seus limites. Tinham que pensar duas vezes se não seria demasiado caro atravessar os mesmos.
Agora este equilíbrio já não está garantido. E pode dar lugar a uma luta de poder que, pelo menos a curto prazo, aumentaria a violência na região pondo em perigo a vida dos habitantes de Catatumbo.
Os habitantes de Catatumbo já sofreram demasiados “danos colaterais” durante as operações de perseguição contra Megateo. Ante a crise fronteiriça entre a Colômbia e a Venezuela que surgiu em setembro, o calvário desta gente não recebeu muita atenção. Mas enquanto que Juan Manuel Santos reclamava ao presidente venezuelano respeito pelos direitos humanos dos colombianos, violaram-se os direitos humanos de centenas de colombianos que tinham que fugir dos operativos militares a poucos quilômetros dessa mesma fronteira: as intensas operações militares contra Megateo em agosto deslocaram pelo menos 300 pessoas e causaram pânico em todo o Catatumbo. É essencial que agora, depois das operações militares, esta situação insuportável termine e não piore.
O abandono do Estado
O que é preciso não são só ações contra o narcotráfico, mas também ações a favor dos habitantes de Catatumbo. É verdade que Megateo produzia terror entre a população, como diz a polícia, mas esta é tão só uma cara da moeda. Quando visitei as povoações de Catatumbo onde Megateo foi procurado e abatido, soube que Megateo também era conhecido como um homem que cumpria com o que prometia.
A que se deve que muitas pessoas, como o cidadão que mencionei, apreciassem Megateo? Em parte, devido ao abandono do Estado. Enquanto que o Megateo cumpria—ainda que através e medidas ilegais e violentas—o Estado falhou totalmente para com os seus próprios cidadãos. No Catatumbo passei por estradas onde as pessoas cobravam portagens para melhorá-las porque não havia autoridades locais que o fizessem. Conheci camponeses que cultivavam coca porque não havia estradas para levar produtos como café ou yuca aos mercados. E esperei quatro horas numa fila de carros perante uma ponte caída, porque não chegou ninguém para repará-la até que os afetados decidiram repará-la eles mesmos.
Há que respeitar, apoiar e proteger os colombianos do Catatumbo, sobretudo agora neste ambiente de incerteza, esta tensa calma perante uma possível erupção da violência.
Para acabar com a indústria da cocaína, a violência que dita indústria alimenta e o sofrimento que a guerra e o narcotráfico conjuntamente produziram, tem que se pôr as pessoas em primeiro lugar. Seria um equilíbrio mais humano. Mais que a morte de um narcotraficante, é a vida das pessoas no Catatumbo a que deveria atrair a atenção dos meios de comunicação. Este sim que seria um verdadeiro motivo de celebração.
Este artigo foi publicado previamente na Semana, Colômbia.
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