
“Não há proibição, não ao muro”. Fibonacci Blue/Flickr. Some rights reserved.
Tendo em conta a profunda crise de legitimidade à que se enfrenta o México, devem surgir vozes criticas. A chegada de Trump ao outro lado da fronteira deve acelerar a necessidade de mudanças criticas, num país que realizará eleições presidenciais em 2018, no meio duma grande incerteza. A série México na Encruzilhada pretende dar voz a esta visões criticas.
A viabilidade da cooperação entre os Estados Unidos e o México está a ser seriamente posta em causa. A forma como o Presidente Trump aborda as relações bilaterais em matéria de segurança, de migração e de comércio fundamenta-se em propostas que são unilaterais, agressivas e exclusivas. Apesar de que a maioria destas propostas ainda não se tenham tornado em políticas concretas, já demonstraram ser prejudiciais para a confiança e para a cooperação entre os dois países.
No que se refere à cooperação em matéria de segurança, por exemplo, Trump privilegiou um discurso defensivo, militarizado e reactivo. A sua proposta de construir um “grande muro” para fortalecer a fronteira entre o México e os Estados Unidos sintetiza a sua concepção da segurança: tentar manter os “homens maus” fora do território dos Estados Unidos fechando simplesmente a fronteiras e aumentando a presença policial e militar, e tudo isto sem contar com a cooperação do vizinho do sul. A noção de responsabilidade partilhada, que orientou a Iniciativa Mérida e enquadrou a maior parte da cooperação nas administrações anteriores, foi praticamente abandonada. Por outra parte, o México foi apresentado ao público norte-americano como o único culpado pelos desafios de segurança aos que se enfrentam os Estados Unidos, já sejam eles a migração ilegal, a disponibilidade de drogas, ou os crimes comuns.
Ante esta aproximação unilateral e agressiva da relação bilateral, que pode (ou que deveria) fazer o México? A resposta do México a Trump foi, até agora, no melhor dos casos, equivoca. Desde a visita de Trump ao México como candidato presidencial, passando pela visita do presidente Peña Nieto aos Estados Unidos, cancelada no meio das declarações de Trump no Twitter, o México demonstrou ser incapaz de articular uma mensagem coerente perante as provocações de Trump. Para alguns, isto demonstra a falta de estratégia do governo de Peña Nieto em matéria de política exterior. Para outros, isto não faz mais que reflectir os desafios naturais que supõem uma politica exterior errática e alimentada via Twitter, tanto em relação ao México como em relação a qualquer outro país habituado aos canais diplomáticos tradicionais.
Mais além desta resposta oficial, contudo, a reacção do México perante Trump supôs também o renascimento do nacionalismo, tanto por parte da esquerda como por parte de muita gente de centro e à direita do espectro político. Este renascimento nacionalista inclui apelos feitos nas redes sociais ao boicote de empresas “gringas” – sobretudo ao Starbucks – e ao consumo de produtos “exclusivamente nacionais”, assim como apelos ao Twitter, ao Facebook e aos seus utilizadores para que incluam a bandeira mexicana nas suas fotografias de perfil. Além disso, fizeram-se apelos públicos para defender a dignidade e a honra da nação, expressando a sua solidariedade para com o governo mexicano assim como o seu repuído à política de Trump. É esse espirito nacionalista no qual se enquadrou a mobilização contra Trump convocada no dia 12 de Fevereiro sob os epigrafes “Vibra México” e “Mexicanos Unidos”. É também este estado de ânimo que alimentou as publicações e declarações feitas por alguns intelectuais e figuras públicas mexicanas.
Por exemplo, o ultimo número de Letras Livres, a revista dirigida por Enrique Krauze, apresenta na sua capa uma imagem que mostra o emblema nacional do México, no qual a águia mexicana devora uma serpente que, neste caso, tem um corte de cabelo louro ao estilo de Trump. Um artigo na mesma revista interpreta as provocações de Trump como uma oportunidade para fazer valer a posição dum México “moralmente superior”, enquanto que noutro artigo se reivindica abertamente o nacionalismo mexicano como um activo frente à intenção do Governo dos Estados Unidos de renegociar ou abandonar o TLCAN.
Apelar ao nacionalismo é, contudo, a resposta errada às políticas de Trump. Mais além do seu carácter míope e potencialmente chauvinista, um apelo ao nacionalismo pode traduzir-se facilmente num chamamento à lealdade cega e à ausência de criticas ao governo actual. A história demonstrou que os sentimentos antiamericanos podem e foram utilizados pelas elites políticas, em momentos de crise, como uma forma de gerar consenso, superar a divisão e inclusive ocultar a falta de legitimidade dum governo. Num momento em que os cidadãos precisam de fazer com que o seu governo se responsabilize pela impunidade, pela corrupção e pelos abusos dos direitos humanos que afectam o país, o nacionalismo não pode ser uma opção.
A resposta de México a Trump deve afirmar um compromisso com o multilateralismo e a com a cooperação internacional, não só em termos comerciais – que ás vezes parece ser o único assunto na agenda – mas também em relação a questões de segurança, direitos humanos e estado de direito.
Uma critica á concepção securitária que Trump adopta em relação à imigração também deve incluir uma critica do próprio fracasso do México chegada a hora de adoptar uma política de migração mais integral na sua fronteira sul, capaz de proteger os imigrantes centro-americanos da agressão do crime organizado. Além disso, uma postura crítica em relação à visão reactiva e militarizada da segurança que tem Trump deveria implicar um apelo a ir mais além da própria resposta mexicana em relação à insegurança e à violência no país, uma resposta militarizada, a curto prazo e repressiva.
Frustrado pelo fracasso antecipado da mobilização anti-Trump no passado dia 12 de Fevereiro, Enrique Krauze twiteou que não assistir à manifestação seria “um sinal de passividade, de indiferença, e inclusive de cobardia” dos cidadãos mexicanos. Mas o fracasso das mobilizações anti-Trump não deve justificar-se, contudo, pela assim chamada cobardia dos mexicanos. Na realidade, justifica-se pela incapacidade de ir mais além dum apelo ao nacionalismo que foi associado a uma postura acrítica do próprio governo mexicano. O México não precisa de cidadãos nacionalistas e “valentes”. Do que precisa é duma cidadania envolvida na cooperação internacional, na transparência e no compromisso crítico, capaz de pôr em questão as políticas erradas de outros governos, enquanto continua a ser critica com as do seu.
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