
A violência eleitoral no México tem vários responsáveis
Em meio à corrupção endêmica do sistema político mexicano, múltiplos atores continuem a usar a violência como "política por outros meios".

No último domingo, 6 de junho, os mexicanos participaram das maiores eleições da história do país. Em jogo estavam 15 governos, 30 legislaturas estaduais, 1,9 mil prefeituras, além da renovação de toda a Câmara dos Deputados. Embora o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (2018-2024), não estivesse concorrendo, a eleição foi vista em grande parte como um referendo de sua presidência e um possível instrumento para fortalecer seu partido (Morena) frente às eleições presidenciais de 2024.
O processo eleitoral se viu marcado por fortes divisões entre os candidatos políticos, bem como por um clima de polarização alimentado pelos ataques de López Obrador contra as instituições eleitorais do país e seus detratores, incluindo jornalistas e ativistas sociais. Mas essa fratura não foi o único fator que ofuscou as eleições mexicanas.
Durante os meses que antecederam as eleições, o país testemunhou uma onda de violência crescente e aparentemente onipresente que afetou a vida e a segurança pessoal de candidatos políticos e funcionários públicos (especialmente prefeitos), mas também de líderes partidários, jornalistas e ativistas de direitos humanos. Segundo algumas estimativas, houve mais de 140 assassinatos nas eleições deste ano. Geograficamente concentrada em estados como Oaxaca, Baja California, Veracruz, Guerrero, Michoacán e Jalisco, essa onda de violência envolveu expressões altamente visíveis de dano, como tortura, linchamento, tiroteio, mutilação e exibição de cadáveres em espaços públicos.
A cobertura nacional e internacional da violência eleitoral no México concentrou-se principalmente no possível envolvimento dos cartéis de drogas ou grupos do crime organizado na perpetração da violência. O governo mexicano, incluindo López Obrador, referiu-se repetidamente ao "crime organizado" como o principal culpado da instabilidade e do medo que caracterizaram essas eleições.
Na verdade, como mostram estudos recentes, o crime organizado tem incentivos para usar a violência durante os processos eleitorais, especialmente no nível municipal, onde podem garantir o acesso a recursos públicos, negócios lícitos e ilícitos e a proteção das forças armadas. Além disso, como vários analistas apontam, o maior "incentivo para matar" desses grupos é o fato de que enfrentam pouca ou nenhuma consequência pelo uso da violência, já que cerca de 90% dos assassinatos ficam impunes.
O maior "incentivo para matar" desses grupos é o fato de que enfrentam pouca ou nenhuma consequência pelo uso da violência, já que cerca de 90% dos assassinatos ficam impune
No entanto, uma narrativa que foca exclusivamente ou principalmente no crime organizado é problemática em vários aspectos. Em primeiro lugar, a maioria desses crimes não é reportada ou faz parte de investigações em andamento e inconclusivas. Portanto, ainda não existem evidências empíricas ou judiciais que possam demonstrar de forma efetiva a participação direta desses grupos nesses atos de intimidação e violência. Nesse sentido, a participação dessas organizações criminosas nesses atos é baseada em especulação ou "evidências" supostamente deixadas pelos próprios perpetradores. Por exemplo, faixas ou notas escritas coladas no corpo da vítima ou o "estilo" do assassinato (tiros múltiplos ou tiros na cabeça) são frequentemente vistos como evidências de assassinatos por crime organizado.
Igualmente importante é o fato de que uma narrativa que foca em grupos armados organizados esconde o fato de que vários desses grupos agem com a proteção ou participação ativa das autoridades e encarregados da aplicação da lei. Em outras palavras, essa narrativa falha em reconhecer que as conexões entre atores políticos e grupos criminosos são muito confusas ou "fluidas", tornando a dicotomia entre atores armados legais e ilegais analiticamente inadequado. Além disso, a evidência histórica indica que o conluio entre atores políticos e criminosos não é novo no México e que assassinatos extralegais, tanto hoje como no passado, podem ser perpetrados diretamente por atores estatais, principalmente por policiais nos níveis municipal e local.
Uma narrativa que atribui toda a violência eleitoral ao crime organizado também deixa de levar em conta a multiplicidade de atores que exercem violência no México contemporâneo, de sindicatos e agentes do poder local a tropas de linchamento. À semelhança das organizações criminosas, estes diferentes grupos viram nestas eleições uma oportunidade para promover seus interesses políticos, garantir o acesso aos recursos económicos ou exercer o controle social a nível local.
Os sindicatos, por exemplo, antigos e novos, formados por pessoas do setor de transporte e construção, viram nesta eleição e seus resultados uma oportunidade para fechar contratos de projetos de infraestrutura pública.
Um caso ilustrativo ocorreu em março de 2021, em Ecatepec, Estado de México. Integrantes do Sindicato Libertad – que representa pessoas do setor de transportes, mas também camelôs e catadores de lixo – agrediram um grupo de pessoas que reclamava da falta de água no município e exigia que as autoridades parassem de distribuir a água por meio de tubos controlados por esse sindicato. Os manifestantes eram partidários do partido Morena, enquanto os agressores seriam partidários do líder sindical, um candidato a deputado local por um partido rival. Este sindicato e outros sindicatos semelhantes com presença em estados como Guerrero, Veracruz e Puebla, tendem a ter conexões profundas e duradouras com agentes do poder local – comumente conhecidos como caciques – bem como com empresários e famílias influentes.
Os "caciques" locais, que podem ou não ter ligações com o crime organizado e que muitas vezes pertencem a famílias dominantes na política, sindicatos e negócios locais há décadas, são as autoridades de facto em vários dos municípios que tiveram eleições. Atos de intimidação e violência, como extorsão, sequestro e assassinato, provavelmente não ocorrerão sem sua aprovação ou mesmo sua participação ativa.
Temos que romper com as explicações dominantes centradas nas ações de organizações criminosas e no imaginário de que elas operam às margens do Estado
Em Veracruz, por exemplo, várias organizações criminosas, incluindo o brutal Cartel Jalisco Nueva Generación (CJNG) e o Zetas Vieja Escuela, têm uma presença significativa no estado e supostamente controlam o tráfico de drogas e outros mercados ilícitos na localidade. No entanto, como pesquisas recentes sugerem, nem toda violência pode ser facilmente atribuída a esses grupos.
Um exemplo disso é o assassinato de Carla Gladys Merlin Castro e sua filha, Carla Enríquez Merlin, ambas pertencentes a uma influente família tradicional dona empresas de transporte, restaurantes, lojas e fazendas em Veracruz. Embora tenham sido vinculados a interesses criminosos, seu assassinato é difícil de separar da história do controle político, corrupção e violência envolvendo essa família no passado recente.
Embora a mídia ou relatos oficiais raramente o abordem, formas de violência comunitária e autojustiça – incluindo linchamentos – também desempenharam um papel crucial nesta recente onda de violência eleitoral. Esses grupos mais ou menos organizados buscam pressionar, intimidar ou negociar com funcionários públicos ou com candidatos que concorrem às eleições. Seu objetivo é “corrigir” o comportamento de políticos acusados de corrupção, desvio de dinheiro público ou colaboração com o crime organizado.
Em estados como Puebla, Oaxaca, Chiapas e Veracruz, vizinhos organizaram linchamentos, rebeliões e sequestros de funcionários públicos como forma de protesto por suas ações ou não cumprimento de promessas políticas. Um dos exemplos mais recentes foi a ameaça contra o candidato a prefeito de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas. Seus vizinhos colocaram uma corda em seu pescoço e o fizeram andar descalço enquanto ameaçavam linchá-lo. Os agressores o acusaram de não ter realizado as obras públicas que havia prometido quando era deputado no Congresso do estado.
Na violência eleitoral do México não houve um, mas vários atores envolvidos. Temos que romper com as explicações dominantes centradas nas ações de organizações criminosas e no imaginário de que elas operam às margens do Estado.
Sindicatos, vigilantes, agentes do poder local e atores estatais também são atores-chave na criação da violência no México, seja ela eleitoral ou não. Para eles, como para os grupos criminosos, a violência constitui uma linguagem política para fazer reivindicações, negociar o acesso a recursos ou influenciar os resultados eleitorais.
Para além dessas eleições, e embora a impunidade e a corrupção continuem sendo uma característica endêmica do sistema político mexicano, é provável que esses atores continuem a usar a violência como "política por outros meios".
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